"É antigo o fascínio dos adversários do Benfica pelos treinadores que passaram pela Luz. Fernando Riera foi um deles. Feliz no Belenenses, foi por duas vezes técnico dos 'encarnados' com sucesso. O sucesso que não teve depois nas Antas e em Alvalade.
Não há quem o negue: Fernando Riera era um «gentleman». Homem educadíssimo e de fino trato.
Fernando Riera Bauzá: nascido em Santiago do Chile no dia 27 de Junho de 1920. Estaria agora à beira de cumprir 95 anos. A morte levou-o pelo caminho em Setembro de 2010.
Filho de espanhóis, de Maiorca, avançado nos seus tempos de jogador, no Unión Española e no Universidad Católica, tornou-se no primeiro chileno a assinar por uma equipa europeia, o grande Stade de Reims dos anos 50, onde actuou duas épocas antes de se transferir para o FC Rouen. Jogava na esquerda, mas não era canhoto. Como Chalana, por exemplo.
«Usava o 11 nas costas», contou numa entrevista, «mas fui sempre dentro. Alguns supunham-se esquerdino, mas o meu movimento preferido era puxar a bola para dentro e rematar com o pé direito. Fiz muitos golos assim!».
Fernando Riera jogou pelo Chile no Campeonato do Mundo de 1950, no Brasil, mas seria o Mundial de 1962 a marcá-lo para a vida. Aí já era treinador. E dos bons!
Ao pôr um ponto final na carreira de jogador, em 1954, no FC Rouen, dedicou-se à tarefa de treinar os Juniores do clube francês. Por pouco tempo. Portugal e Lisboa chamaram-no. Torna as rédeas do Belenenses e distingue-se. Perde o campeonato para o Benfica a três minutos do fim da última jornada, no célebre empate com o Sporting (2-2) dos golos de Martins. É com ele que os 'azuis' do Restelo disputam a Taça Latina, no Parque dos Príncipes, frente ao Real Madrid, AC Mlan e Stade de Reims - o campeão Benfica abdicara de participar, atraído por uma extraordinária digressão ao Brasil.
Regressa a casa, a Santiago do Chile, para se tornar «o homem que revolucionou o futebol chileno». Como seleccionador levou o Chile ao terceiro lugar do Campeonato do Mundo de 1962 graças a um Futebol vistoso e ofensivo, baseado numa defesa de quatro em linha e com dois avançados fixos. O Benfica estava atento...
Substituindo Guttmann / substituído por Guttmann
Cabia-lhe agora o árduo compromisso de substituir Béla Guttmann. Tarefa impossível!
O Benfica domina o campeonato nacional a seu bel-prazer e continua enorme na Europa. Mas Riera fica marcado por duas derrotas fundamentais.
A primeira no Estádio da Luz, frente ao Santos, para a Taça Intercontinental, quando resolve deixar Pelé à solta sem marcação específica. Espalhou-se a lenda de que Fernando Riera considerava um crime lesa-Futebol marcar Pelé. Já no Chile, o seu estilo «limpo», de jogo sem faltas, se tornara inacreditável para um público habituado à raça sul-americana.
Depois, apesar de amplamente favorito, o Benfica perde a final da Taça dos Campeões Europeus contra o AC Milan, em Wembley. Golpe duro. Duríssimo! Por pouco, por muito pouco, não é tri-campeão da Europa.
Nesse tempo, a Taça dos Campeões era um ponto de ordem para os dirigentes do Benfica. Fernando Riera está condenado à saída. Vai para o Universidad Católica e, em seguida para o Nacional de Montevidéu.
Em 1966 está de regresso ao Benfica e de novo para substituir Béla Guttmann. A história pode repetir-se, mas a nossa vida não.
Volta a ganhar o campeonato mas, na época seguinte, vê-se sujeito a um processo disciplinar e no despedimento. Declara publicamente que há pagamentos de prémios em atraso no Benfica. A Direcção do Clube, presidida por Adolfo Vieira de Brito não lhe perdoa. Solidários, Eusébio, Torres, Simões, Cavém, Costa Pereira e mais alguns jogadores vão despedir-se dele ao aeroporto.
Não esquecem a sua personalidade gentil e afável.
Em 1972, vindo do Boca Juniors, aterra no Porto.
Não é de hoje essa atracção irresistível dos adversários do Benfica pelos treinadores 'encarnados'. Mas falamos de homens e não de mágicos ou de seres divinos.
O afastamento do Barcelona na 1.ª eliminatória da Taça UEFA (3-1 e 1-0) foi o ponto brilhante da época portista. E único. Eliminado pelo Sp. Farense da Taça de Portugal e pelo Dínamo de Dresden da prova europeia, o FC Porto não vai além do quarto lugar no campeonato, atrás de Benfica, Belenenses e Vitória de Setúbal.
Riera sai. Entre Béla Guttmann para o seu lugar.
Irónico destino! Não fará melhor. Novamente um quarto lugar na época seguinte.
Depois de ter sido feliz no Belenenses e no Benfica, o cavalheiro Riera volta a Lisboa em 1974, ano da Revolução. O Sporting acabara de se sagrar campeão nacional com Mário Lino e substituira-o por Di Stéfano que não chegou a começar o campeonato. Osvaldo Silva orienta a equipa até à 13.ª jornada e Riera entra mesmo a tempo de se sentar no banco no Estádio da Luz. Empata 1-1 (golos de Móia e Yazalde) e volta a empatar em Alvalade, na segunda volta, pelo mesmo resultado (golos de Fraguito e Diamantino). De pouco serve. O Benfica é campeão, com cinco pontos de avanço sobre o FC Porto e seis sobre o Sporting. Nem a Taça de Portugal se salva (0-1 na meia-final frente ao Boavista).
Fernando Riera não voltará a Portugal nem à Europa. A sua carreira continuará no Monterrey, no Palestino, no Universidad do Chile.
Fica a imagem de um senhor tranquilo, incapaz de um gesto pouco digno.
O coração traiu-o em Anunciación, não longe do local onde nasceu.
Não se pode confiar no coração."
Afonso de Melo, in O Benfica