"Contra um clube que já não existe, de um país que já não existe, para uma prova que já não existe, o Benfica assinou uma das suas exibições mais fascinantes.
LUBLJANA é uma cidade bonita. O Benfica esteve lá no dia 16 de Setembro de 1970. Lubljana: lê-se lubliana. Em alemão chama-se Laibach. E toda essa Europa foi zona de grande influência alemã.
Em 1970, Lubljana era uma pequena cidade da Jugoslávia; hoje em dia é a maior e mais importante cidade da Eslovénia. Talvez mesmo a única grande cidade da Eslovénia.
Em Setembro de 1970, jogava-se a primeira «mão» da primeira eliminatória da Taça dos Vencedores de Taças. Tal como a Jugoslávia também já extinta.
O Benfica não teve muitas participações na antiga Taça das Taças. Apesar de tudo, somou duas meias-finais.
Nesse ano não iria longe: seria eliminado na segunda ronda pelo Vorwarts da Alemenha Oriental (também desaparecida), no desempate por grandes penalidades. O Vorwarts tem uma história interessantíssima, mas tem de ficar para outro dia. Hoje falo Olimpija - Olimpija Lubljana. Fundado em Maio de 1911, foi extinto em 2004. Nessa história parece que tudo tem tendência a desaparecer, não é?
Esse ano de 1970 foi um grande ano para o Olimpija. Nunca esteve verdadeiramente perto de ser campeão, pois o Estrela Vermelha, o Partizan de Belgrado e o Dinamo de Zagreb impunham a sua força, mas disputou a final da Taça da Jugoslávia contra, precisamente, o Estrela Vermelha. Perdeu. Nos últimos minutos do encontro, por 2-3. Como o Estrela Vermelha foi campeão, o Olimpija Lubljana disputou a Taça das Taças. E saiu-lhe o Benfica. E Eusébio.
Depois do empate a um golo em Lubljana (Eusébio, aos 30 minutos, e Pejovic, aos 55'), os eslovenos, então jugoslavos, não alimentariam grandes esperanças, certamente. Sobretudo frente a um Benfica que tinha na linha avançada gente como Eusébio, Simões, Artur Jorge, Nené e José Torres. Se a esperança é a última a morrer, a esperança dos eslovenos durou 26 minutos, o tempo que Eusébio demorou a marcar o primeiro golo na segunda «mão», no Estádio da Luz. Depois foi um pesadelo!
Um pesadelo chamado Eusébio!
1-0 por Eusébio, aos 26 minutos; 2-0 por Eusébio, aos 30 minutos; 3-0 por Eusébio, aos 32 minutos; 6-1 por Eusébio, aos 71 minutos; 8-1 por Eusébio, aos 80 minutos. A obra-prima foi o dos 7-1: Artur Jorge fez um passe para Eusébio, à saída do meio-campo do Benfica, e Eusébio começou a correr. Surgiram-lhe adversários pela frente e ele foi correndo, passando por eles. Skoric: era este o nome do guarda-redes que sofreu os oito golos na Luz. Pois Skoric também foi ultrapassado até Eusébio depositar a bola dentro da baliza.
O público da Luz estava fascinado. Os adversários do Benfica também.
O mestre Alfredo Farinha escreveria, em «A Bola»: «Que dizer da actuação espantosa de Eusébio? Não dizem o bastante os seus cinco golos, que são, ao que julgamos, um recorde pessoal em jogos internacionais? Não, na verdade esses cinco golos não dizem tudo a respeito do trabalho magnífico do extraordinário jogador. Não sabemos se foi a 'ressurreição' do Benfica que o 'ressuscitou' a ele, ou se foi a 'ressurreição' de Eusébio que 'ressurreição' o Benfica. Talvez as duas hipóteses se completem e interpenetrem, o certo é que Eusébio foi, ontem, inteiramente igual ao dos dias gloriosos dos títulos europeus, da «Bota de Ouro», do «Ballon d'Or», dos grandes títulos nas primeiras páginas dos jornais (desportivos ou não) de toda a Europa. Até no modo como, de quando em quando, arrancava do meio-campo, fulgurante como um raio, em direcção às balizas adversárias para as visar com um remete súbito e brutal, a 'Pantera Negra' foi igual a si própria. E nos golos? Os três primeiros pareceram 'fáceis'. Então, como se quisesse contrariar essa sensação (enganadora) dos golos fáceis, Eusébio caprichou em conceber e marcar um difícil, extraordinariamente difícil, apenas possível ao talento e aos pés de um futebolista de génio. E surgiu aquela obra-prima que os 40.000 espectadores da Luz aplaudiram de pé...».
Eusébio único, como sempre
DECORRIA o dia 30 de Setembro de 1970. O Benfica assinava uma das vitórias mais gordas da sua história europeia.
Eusébio marcou cinco golos, aos 26, 30, 32, 71 e 80 minutos. Os outros três foram da autoria de Zeca, Artur Jorge e Jaime Graça. Amersek marcou o golo do Olimpija.
Já não existe a Taça dos Vencedores de Taças; já não existe o Olimpija Lubljana; já não existe sequer a Jugoslávia.
Ah! Mas a memória nunca morre..."
Afonso de Melo, in O Benfica