"Em 1965, Benfica e Braga tiveram um embate duplo nas meias-finais da Taça de Portugal. No Minho, os assobios a Eusébio fizeram-lhe «saltar a tampa» e desfazer o adversário. Na Luz, um daqueles jogos à moda antiga (9-0).
Benfica-SC Braga, para a Taça de Portugal, foi assim que mandou o sorteio,obedeça-se ao sorteio que é para isso que ele serve. Confesso que depois de ter arrostado com a chuva para dar uma saltada à Azinhaga dos Alfinetes, ali em Marvila, para ver o velhinho Oriental, o Cê-Ó-Éli, eliminar o Vitória de Setúbal, fiquei com esperança de ver um Oriental-Benfica nessa eliminatória que aí vem. Eu e o presidente Nabais, que dá cartas na arte de bem receber a gente no Carlos Salema. Até já tinha deitado o olho para um bom episódio de Taça entre ambos os clubes de Lisboa, o Benfica mais para Ocidente e o Oriental, como está bem de ver, mais para Oriente. Deixá-lo. Tratarei aqui o episódio mais cedo ou mais tarde se não vos causar maçada.
Em troca, falo de Benfica e SC Braga na Taça de Portugal, duas eliminatórias dos anos-60 com algo de especial, uma a valer para cada lado, fica já à laia de aviso para 'os encarnados'.
Vamos então até Junho de 1965. O Benfica acabara de ser Campeão, tinha aquela equipa a pêras que metia medo à Europa toda, estava também lançado para conquistar a Taça de Portugal depois de ter perdido aquela vergonhosa Taça dos Campeões cuja final foi metida à força em San Siro tal era a vontade dos manda-chuvas do Futebol que o riquíssimo Inter de Milão a levasse para as suas vitrinas.
Estávamos nas meias-finais. Ainda se jogavam todas as eliminatórias a duas mãos, como muitos de vocês se lembrarão. O Benfica tratara de ir resolvendo os seus problemas - Atlético (F 0-3; C 9-2); FC Porto (C 4-1; F 1-1); CUF (F 1-2; C 3-0); Olhanense (C 4-1; F 2-3). Quanto ao SC Braga, ia pelo mesmo caminho, embora contra adversários mais simpáticos - Sintrense (C 5-1; F 1-2); Famalicão (C 4-2; F 2-3); Micaelense (F 1-0; C 2-1); Sanjoanense (F 3-2; C 4-1). E assim sendo, ao correr dos jogos, ficou estabelecido que o Benfica se deslocaria a SC Braga no dia 20 de Junho, recebendo o seu opositor no dia 27, derimindo-se assim um dos finalistas.
No decorrer da época já fora o Benfica vencer a SC Braga para o Campeonato (2-1) e aplicaria, na Luz, um correctivo dos valentes aos bracarenses com nada menos de 7-0. Mas enfim, Taça é Taça, havia na cidade dos arcebispos uma esperançazinha, ainda que ténue de depenar a águia arregaçam-se as mangas e foram à peleja como valentes.
Durou 20 minutos.
SC Braga: duas idas à Luz, 16 golos sofridos!
Dizem as crónicas da época, sempre por mim gulosamente lidas e relidas porque nelas muito se aprende, ao contrário de agora, infelizmente, que durante 15 minutos o SC Braga, comandado por José Maria, foi batendo o pé ao seu poderosíssimo adversário. Depois surgiu Coluna e fez um golo ao rondar dos 20 minutos, e o ânimo esmoreceu. Em seguida, Eusébio fez 0-2 (31m) e houve nova revolta. Ferreirinha, Morais e Canário forçam a defesa do Benfica, Cruz, Neto e Raúl são obrigados a trabalho extra, e o SC Braga consegue reduzir quase em cima do intervalo por António Teixeira. Pelo menos no que respeita ao resultado, o equilíbrio ainda existe, por frágil que seja. No segundo tempo, Eusébio preparou-se para marcar um livre directo. Chutou com a potência que só ele tinha, mas a bola saiu torta e longe da baliza. O público pateou, como se estivesse no teatro. Ouviram-se assobios e até chacota. Ah! Mas quem é tão ingénuo que resolva irritar a «Pantera Negra»? Logo em seguida, Eusébio faz o terceiro golo do Benfica e reduz o adversário a destroços. Mas continua irritado. Aos 60 minutos pega na bola e corre para a grande-área minhota passando por vários adversários. O remate sai a milímetros da baliza de Armando. Aos 67 minutos, faz o quarto golo encarnado e o público de Braga rende-se: devota-lhe uma enorme ovação. De braço no ar, Eusébio agrade. Passara-lhe a raiva.
Mas não passara a raiva dos restantes companheiros. Uma semana mais tarde vergam o SC Braga a uma derrota humilhante. Uma tarde tórrida de Verão na Luz derreteu a equipa do Minho. Ao intervalo, o resultado já era de 5-0, golos de Morais Rodrigues na própria baliza, Yaúca, Pedras e Eusébio (2), com o guarda-redes Armando a ser substituído por Torres, de tal forma fora sujeito à pressão encarnada. Na segunda, mais quatro, com um «hat-trick» de Yaúca e mais um de Simões. «E podiam ter sido mais!», escrevia-se na imprensa. Depois de sofrer sete golos para o campeonato, o SC Braga encaixava agora mais nove. O pesadelo da Luz!
O Benfica estava de novo na final da Taça de Portugal, iria defrontar o V. Setúbal que despachara o Sporting depois de dois empates a uma vitória por 2-0 no jogo de tira-teimas. E não foi além disso. No Jamor, uma derrota por 1-3, deu aos sadinos o troféu e embaciou as categóricas exibições encarnadas das meias-finais.
No ano seguinte haveria mais Taça, pois então. E outra vez dois confrontos com o SC Braga. Dessa vez as coisas não correram bem... nada bem. Mas, para a semana conto."
Afonso de Melo, in O Benfica