"Francisco Palmeiro marcou, pelo Benfica, dois golos irrepetívies: o primeiro de um jogador encarnado no Estádio da Luz e o primeiro na Taça dos Campeões Europeus. Ficou para sempre ligado à história.
Arronches: fica no distrito de Portalegre, no Alentejo. Foi lá que nasceu Francisco Palmeiro.
Quando Nelson Rodrigues soube da morte de Guimarães Rosa, perguntou ingenuamente: «Morreu como, se estava vivo?»
Palmeiro morreu. Ou seja, morreu no espaço físico da nossa existência. Só isso. Continua vivo na história gigantesca do Benfica e tem um lugar permanente na memória pintada de vermelho.
Francisco Palmeiro marcava golos: partia do lado direito e arrancava como em fúria na direcção do espaço por onde disparar o seu tiro potente e certeiro. Diziam os jornalistas da altura que era dono de «um estilo inconfundível».
Houve um golo, no entanto. Aquele golo especial e irrepetível. Já foi depois de célebre hat-trick à Espanha, em Junho de 1956 - aí tornou-se no segundo jogador da selecção nacional a fazer três golos num encontro, seguindo o exemplo de Waldemar Mota, à Itália, em 1928. Também então a história se atravessou na vida de Francisco.
Mas voltemos ao tal golo. Esse que não tem rival. Era Sevilha e era Setembro. Pela primeira vez o Benfica participava na Taça dos Campeões Europeus. Seria a sua prova. Dela partiu para o mundo. Bastos, o guarda-redes, exibiu-se a grande altura. Os adeptos do Sevilha soltavam «ohs!» de exclamação. E gritavam: «Que barbaridad!» Era mesmo.
Mas, além de Bastos, havia Palmeiro. Uns dias antes, o Benfica vencera o Barcelona, num amigável no Restelo. Por isso, na Andaluzia esperava-se muito do campeão português: Mas a exibição foi pálida, desgarrada: «O Barcelona fora vencido pelo Benfica porque os encarnados jogaram em velocidade. Ao que se depreende, os andaluzes aprenderam bem, excelentemente, a lição que o seu treinador veio aprender ao Restelo, quando do desafio dos campeões nacionais com os catalães. Tudo perfeitamente natural! A velocidade, quer da corrida quer de entrega da bola, está cada vez mais arreigada nas grandes equipas de qualquer nacionalidade. Rapidez é palavra de ordem. Velocidade é o padrão por onde se aferem os melhores teams de futebol. Não nos parece que ontem, em Sevilha, o Benfica estivesse em condições de resistir à acção fulgurante, extraordinária dos 'Merengues do Guadalquivir'».
Uma derrota para o futuro.
Seria o primeiro jogo e a primeira derrota do Benfica na prova. O 3-1 para o Sevilha deixava a segunda mão, em Lisboa, dentro de demasiadas complicações. Como se veria através do 0-0 que fecharia o resultado do segundo encontro.
Pelos encarnados, além de Bastos e Palmeiro, jogaram Ângelo, Serra e Alfredo Abrantes, Coluna, Cavém e Calado e Águas. Alguns vencedores da Taça Latina; os outros que viriam a ser campeões europeus. Mas é de Palmeiro que quero falar. Ele que viveu a tristeza de não ter agarrado a Taça dos Campões, mas que em Sevilha deixou rasto. «Palmeiro foi o único dianteiro que, na segunda parte, especialmente, deu uma lição de alegria, marcando inconfundível presença». Lá está, o que eu queria dizer: «inconfundível presença». O golo é dele: primeiro e único. Mas houve outro, também irrepetível. No dia 1 de Dezembro de 1954, na inauguração do Estádio da Luz. Benfica - FC Porto. Nesse tempo eram clubes amigos. Davam-se bem. Palmeiro estava lá, na frente de ataque, com Águas, Coluna e Calado. Aos 10 minutos marca um golo, nesse momento o do empate (1-1). O primeiro golo de um benfiquista no estádio de todos os sonhos. «A inauguração realizou-se em ambiente de exaltação clubista e resultou numa festa admirável, excelentemente organizada, a que deram valiosa colaboração mais de meia centena de clubes de todo o país, representados por 1800 atletas - o Sporting fez desfilar 300!!! - e que foi honrada com expressivo significado». Joaquim Bogalho, «O Homem do Estádio», esteve no centro das cerimónias. Francisco Palmeiro também. Orgulhosamente, a casa Flora de Carcavelos gabava-se de ter fornecido as semanas para a relva do novo estádio.
Sobre a relva, Palmeiro soltava o seu talento: rápido, inesperado, surpreendente. Às vezes parecia que parava, mas arrancava outra vez cheio de uma sagacidade feliz e incontrolável. Foi dele o golo nessa tarde de sol de Inverno. O mesmo sol de Inverno que agora surgiu para lhe dizer adeus."
Afonso de Melo, in O Benfica