Últimas indefectivações

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Os miseráveis

"Os miseráveis não têm cor: vestem sinistramente de negro como aves de rapina. São escuros como uma ameaça. E têm um chefe: o mais miserável de todos os miseráveis. O chefe dos miseráveis não tem respeito por si próprio e, por isso, ninguém o respeita. Exibe-se, vaidoso, sem perceber que provoca asco às pessoas decentes. O Madaleno trata-o como um cão e ordena-lhe que se enrosque a seus pés. O chefe dos miseráveis obedece, feliz, lambendo as botas que de vez em quando lhe pontapeiam o focinho. E então gane, feliz. Os miseráveis têm uma vida larvar perante o poder e são abutres dispostos a bicar a carne daqueles que querem viver de coluna direita, do outro lado da barreira. Sujeitos à prepotência corrupta de quem lhes ordena, guardam para si a prepotência miserável para com que não tem defesa.
Os miseráveis vivem de cócoras. São paus mandados, submissos e subservientes, servis e resignados, baixos e curvados. Não conseguem ser homens porque para se ser homem é preciso dignidade. Há miseráveis tão miseráveis que se sujeitam a beijar a mão (e o pescoço!) dos que os obrigam a dobrar a cerviz. Isto é: há miseráveis tão miseráveis que metem nojo, provocam vómito! (Ah! Ignóbil Azeiteiro-de-cabeça-d'unto, que torpe existência a tua!). Mas os miseráveis têm vidas atrás de vidas. Um erro mínimo, involuntário, que desagrade a D. Palhaço faz com que sejam imediatamente esmagados como reles insectos pelos tacões das botas desse poder infecto.
Depois ficam obrigados a recuperar a existência à custa de malfeitorias infames dirigidas contra aqueles que não se vergam. É assim a triste existência dos miseráveis, mamíferos invertebrados sujeitos ao desprezo até daqueles a quem multiplicam os favores. Sobrevivem. Vão sobrevivendo sempre à custa de nunca terem sido espinha. Teremos de aprender a sacudi-los, tal como quem sacode da lapela do casaco vestígios embaraçosos de incomodativa caspa."

Afonso de Melo, in O Benfica

Trancas à porta

"Tal como o País tem medo de viver sem a 'troika', também o Benfica tem medo de romper com a Olivedesportos. Portanto, enquanto não resolverem isto...

1. «Uma imagem vale por mil palavras», é uma frase atribuída a Napoleão Bonaparte. E quem somos nós para desmentir o Imperador dos franceses?
Bonaparte não era parvo nenhum. Era até, nalgumas coisas, um homem muito à frente do seu tempo. Imagine-se só que o velho preceito napoleónico resistiu dois séculos e até se aplica às nossas futebolices contemporâneas.
Como, por exemplo, à imagem do abraço entre Vítor Pereira e Pedro Proença, assim que o árbitro (que era, esclareça-se, o próprio Pedro Proença) deu por terminado o jogo da festa dos campeões. É fair-play! E já lá vão 607 palavras com esta introdução.
Napoleão nasceu talhado para grandes tiradas. Nunca saberemos, no entanto, se teria algum jeito para legendas de fotografias. Ou até atrevimento para sonhar com diálogos de terceiros.
Atrevo-me eu:
Proença - Ahhhhhhhhh!
Pereira - Meu caro, folgo em verificar que tem os rins no sítio!
O Napoleão é que a sabia toda...
Com isto gastei 998 palavras das 1000 concedidas pelo Imperador. Está tudo dito.

2. Os protestos anónimos directamente dirigidos à figura de Luís Filipe Vieira prosseguem a cada jogo do Benfica, fora de portas ou em casa.
Na manhã de sábado as paredes das redondezas do Estádio da Luz surgiram pintadas de fresco com frases retiradas de entrevistas do presidente do Benfica, declarações proferidas em tempos mais ou menos recentes e, no que é importante, em tempos de maior optimismo, quer do presidente quer dos adeptos.
Sim, porque a nenhum presidente passaria pela cabeça prometer um Benfica de igual para igual a um Real Madrid se não houvesse da parte da malta uma grande disponibilidade para a fantasia e uma enorme queda para a fanfarronice.
E fanfarronice, aliás, é a doença infantil do benfiquismo.
E vir agora acusar o presidente de excesso de veleidades parece despropositado e, de algum modo, injusto.
É verdade que o futebol infantiliza tudo e todos: desde os dirigentes que prometem aos adeptos aquilo que os adeptos querem ouvir, aos adeptos que se não virem materializar-se o que gostaram de ouvir não hesitarão em dizer aos dirigentes o que os dirigentes não querem ouvir. A frase é bastante mais intrincada do que a situação, ainda bem.
A situação é apenas e lamentavelmente prosaica.
No meu Benfica ideal (e cada adepto tem o direito legítimo, conferido pela paixão, de sonhar com o seu muito próprio ideal de Benfica) nada disto não se passaria assim.
Já que querem pintar as paredes, pois que sejam espertos, façam-no na altura certa.
Tomemos por exemplo uma das frases pintadas na Luz: «Não negociarei com a Olivedesportos, 2011». Não teria sido melhor, se acreditam na efectividade da campanha, tê-la pintado logo em 2011, como lembrete, e lembrete-diário ali escarrapachado à vista de todos e do próprio destinatário, do que esperar um ano e meio para atirá-la à cara do presidente numa hora má, como remoque?
Por ter perdido o Campeonato graças a uma conjugação de absurdos com diversas origens - ainda que perfeitamente identificáveis -, o Benfica está zangado consigo próprio. Estas crises poderiam até ser oportunidades excelentíssimas para ousar medidas verdadeiramente fracturantes se aplicadas ao edifício-geral do futebol português. Não é assim que tem acontecido e temo que, uma vez mais, não vá acontecer.
O Benfica, aliás, está como o país.
O país perdeu a soberania. Faz o que a troika manda porque lhe foi inculcado o pavor de um futuro sem a dita troika, sem consideração dos parceiros, sem crédito bancário, sem euros, sem com que pagar dívidas, obras e salários.
É o que se passa com os clubes portugueses na sua relação com a Olivedesportos. Aliás, ainda bem recentemente, António Oliveira, co-fundador da empresa, actualmente afastado, disse clarinho: «A Olivedesportos é o FMI do nosso futebol».
E, aparentemente, nem o Benfica, que é o maior clube português, escapa a esta dependência que, vá lá saber-se porquê, é sempre pintada em tons de cor-burro-quando-foge em nome do grande serviço social prestado ao país pela Olivedesportos ao permitir, generosamente, que os clubes possam viver. E viver com a consideração dos parceiros, com crédito bancário, com euros com que pagar as dívidas, as obras e os salários.
Tal como o país tem medo de viver sem a troika - e depois, como é que é? - também o Benfica, pelas mesmas razões, tem medo de romper com a Olivedesportos.
Portanto, enquanto não resolverem isto não me venham cá falar das próximas revoluções.
E isto só se resolve com coragem. A coragem, no entanto, é um atributo bastante diferente da fanfarronice, como o mais vulgar dicionário é capaz de explicar.

3. Se exceptuarmos umas curtas e inócuas declarações à TV-Odivelas, Luís Filipe Vieira tem optado pelo silêncio neste  rescaldo do campeonato. Há quem ache mal. Há quem ache que o presidente devia expressar publicamente aos benfiquistas umas palavras de consolo, de explicação ou mesmo o assumir individual e colectivo do falhanço na Liga.
Vieira, porque é o presidente do Benfica, saberá, certamente, o que está a fazer e as razões deste seu prolongado silêncio.
E pode até refugiar-se naquele velho ditado popular: casa roubada, trancas à porta.
No entanto, há muitos perigos neste mutismo.
Por exemplo, o perigo do espaço destinado nos noticiários às questões políticas e de comunicação do Benfica passarem a ser ocupados, na ausência do chefe, por subalternos disponíveis a colmatar em termos públicos o momentâneo recato presidencial.
E foi nesse sentido que na semana passada, António Carraça, director-geral do clube, foi com a melhor das intenções aos estúdios da Benfica TV. Contudo, na tentativa de animar as hostes, saiu-lhe logo a frase fatal:
«Se o Benfica prosseguir neste caminho, com a mesma filosofia e o mesmo projecto, poderá competir pela conquista da Liga dos Campeões num curto espaço de tempo».
Pronto. Lá estamos nós outra vez no campo da fanfarronice, essa doença infantil do benfiquismo.
Com o respeito devido a António Carraça, mais lhe valia ter ficado calado. A ele e a nós, os que somos do Benfica, e que logo tivemos de aturar as inevitáveis graçolas dos nossos amigos do adversário...
-Então o Carraça diz que vocês para o ano até vão ganhar a Liga dos Campeões!
Mas será que esta gente não aprende nada? Nunca?

4. Curiosamente, em Alvalade surgiram também umas paredes pintadas com anti-louvores a Godinho Lopes e a Paulo Pereira Cristóvão. Na sua essência são frases bem mais desagradáveis do que as frases pintadas do outro lado da Segunda Circular (que, como se diz, é a tal linha que separa a Liga dos Campeões da Liga Europa) e dirigidos a Luís Filipe Vieira.
Enquanto, o presidente do Benfica tem vindo a ser confrontado com as suas próprias palavras. Godinho Lopes e Pereira Cristóvão foram confrontados com gravíssimas acusações de práticas e de carácter.
Só no FC Porto nada disto acontece. Suspeito que deve ser por terem ganho o campeonato.
O único funcionário portista sempre disponível para a indiscrição total é o simpático austríaco Janko que não se consegue conter em ocasião alguma. Agora foi contar a um jornal do seu país, Die Presse, que há colegas seus que se querem ir embora porque gostavam de ingressar num «clube de topo absoluto».
E Janko diz estas coisas todas sem precisar de pintar uma única parede. É a diferença que faz ser campeão.

PS - É oficial: o Sporting não quer o árbitro João Ferreira na final da Taça Cardinal."

Leonor Pinhão, in A Bola

A credibilidade da arbitragem

"Há muito tempo que a credibilidade do sector da arbitragem não era tão baixa. A parte final do campeonato trouxe-nos uma chuva de erros grosseiros com incidência directa em alguns resultados, além de nomeações inexplicáveis, como foi exemplo significativo a de Paulo Batista para o Marítimo-FC Porto. Daí ter-se criado um clima de inevitável suspeição, que foi naturalmente aproveitado pelos que não atingiram os seus principais objectivos.
Em Portugal, ao contrário da maioria dos países europeus, onde o futebol continua a dominar o interesse maior do povo, a arbitragem tornou-se um sector muito sensível, após terem sido conhecidos casos concretos que apontavam claramente para sinais de corrupção e de tráfico de influências. Seguiu-se, então, um período de acalmia e de recuperação da dignidade e da credibilidade dos árbitros. Porém, nos últimos tempos, as coisas pioraram. Erros difíceis de explicar à luz do simples erro humano, decisões deploráveis, como o de secretismo das análises dos delegados, silenciamento das respostas a todas as dúvidas e inquietações, aproximaram a arbitragem de um género congregação secreta, deixando demasiada margem à imaginação de cada um, desde o regresso de influências maléficas à perversão. Insistimos: é absolutamente necessário e urgente uma mudança de atitude e de comportamentos. Os árbitros têm de voltar a dar sinais claros de que o futebol pode e deve confiar neles. Primeiro, porque a grande maioria merece esse reconhecimento; depois, porque o futebol português não resistiria a um regresso a tempos de tão má memória."

Vítor Serpa, in A Bola

De novo o defeso do Benfica

"Aproximando-se o defeso, os media, os intermediários, e sabe-se lá quem mais convergem na (indi)gestão de expectativas: os primeiros para vender mais, os segundos para ganhar mais, os terceiros para iludir ou sonhar mais. O mais visado é, como sempre, o Benfica. Nos jornais lê-se o putativo interesse (resta saber de quem ou porquê) de craques de renome: Jesé Rodriguez, De Bruyne, Caballero, Velásquez, Fábio, Elia, Chadli, Ola John, Wijnaldum, Gonzalo Bueno, De Jong, Morata, Siqueira, Ruidiaz e até um guardião Mihaylov!... Uf! E ainda a procissão vai no adro...
Em sentido inverso, fala-se dos mais diversos interessados em Witsel, Cardozo, Nolito, Javi Garcia, Garay, Gáitan, Nélson Oliveira, Rodrigo e até Artur. Quase toda a equipa.
Claro que é preciso realizar boas transacções. E Jesus muito tem contribuído para a valorização de jogadores. Mas o Benfica não pode ser - sob pena de nunca estabilizar - uma equipa em constante rotação, não segurando mais do que um ou dois anos os melhores (Coentrão, Di Maria) ou servindo apenas de passagem (Ramires). Imagino o que teria sido a época só com Coentrão no lugar de Emerson, adiando por um ano a sua inevitável transferência.
Ao mesmo tempo, pergunto-me qual será o encargo com atletas contratados por atacado e emprestados, como Urreta Shaffer, Patric, Filipe Bastos, David Simão, Carole, Wass, Miguel Rosa, Filipe Menezes, Melgarejo. Bem como do conjunto que segundo A Bola de 24/4 terá custado... 34,7 milhões: Kardec, Jara, Oblak, Carlos Martins, José Luíz Fernandez, Enzo Perez, Fábio Faria, Airton, Éder Luíz, Sidnei!
Um clube rico, como se vê..."

Bagão Félix, in A Bola 

Liberdades

"O comportamento de alguns sectores de público, alegadamente organizados, no jogo do passado sábado no Estádio da Luz chega para reativar uma velha discussão: a das liberdades de um sócio ou adepto, vindo normalmente a tiracolo a questão do bom senso.
Antes de mais nada, convirá confinar a “polémica” a quem a merece. Pela simples razão de que, como mostra a evidência, subsistirem clubes em que as mais elementares regras da democracia estão longe de uma aplicação regular (e muito menos continuada), em que há plebiscitos e não eleições, em que há horas e dias marcados para se sentir o ondular entusiasta das “vagas de fundo”. Esses, sinceramente, não contam para este caso, por mais que se multipliquem as manobras de diversão.
Por outras palavras, bem pode um notável adepto de um clube vir anunciar que nunca foi condicionado no que disse e escreveu. É possível que seja verdade – e eu não quero fazer aqui juízos de intenção –, mas a figura em questão sabe que há alguma vantagem em viver a 300 quilómetros do olho do furacão e sabe que, em temporadas não muito distantes, foi considerado oposicionista ao “regime”. Um seu parceiro, cada vez mais porta-voz e cada vez mais emblemático na rota dos sucessos, também não esquecerá a fase em que se deslocava com proteção contratada e sob ameaças da “guarda pretoriana” com ligações ao seu clube. O mesmo que, num ápice, num passe de mágica, numa reviravolta da fortuna, acabou por condecorar como exemplar aquele que até então era um prevaricador.
Benfica e Sporting (e mais alguns clubes de menor dimensão) são, portanto, aqueles que se debatem com os espinhos da democracia. Tenho dúvidas que já tenham aprendido a passar do respeito (mesmo resignado) pelas opiniões internas contrárias ao melhor dos momentos: o do aproveitamento das opiniões internas contrárias. Sucede que a oposição benfiquista, em concreto, tem usado táticas de guerrilha e feito incursões próximas do terrorismo. No primeiro quadro inscrevem-se as frases de calúnia espalhadas pelas paredes e as entrevistas – cheias de soundbyte e vazias de conteúdo – que alguns “notáveis” vão semeando, quase sempre casuísticas e nulas na proposta de soluções. É fácil: aprende-se na política, é só transferir. No segundo, fia mais fino: o triste espetáculo (bem orquestrado mas malsonante) durante todo o jogo com a União de Leiria, com cânticos insultuosos até à própria equipa que estava em campo, é um disparate, uma vergonha, uma quebra das regras elementares de comportamento. Há muitas ocasiões e espaços para pôr em causa o trabalho de uma direção, de um técnico, de um núcleo de jogadores. Escolher o tempo de um jogo para contestar é tão-só uma imbecilidade. Ainda por cima manipulada."