"Em Fevereiro de 1962, o Benfica jogou pela primeira vez na Alemanha. Em Nuremberga, sobre uma placa de gelo, os Campeões da Europa sofreram uma derrota dura. Que provocaria uma vingança terrível...
No dia 1 de Fevereiro de 1962, o Benfica estava na Alemanha. Desde 1912 que o Benfica viajava muito - pela Europa, mas também por África e pela América. Mas era a primeira vez que visitava a Alemanha.
Ainda não tinham decorrido vinte anos sobre a II Grande Guerra e sobre os infames crimes do nazismo. E o Benfica estava em Nuremberga, cidade emblemática de Hitler, em plena Baviera. Jogavam-se os quartos-de-final da Taça dos Clubes Campeões Europeus. E o Benfica era Campeão da Europa.
Quando pisou o relvado, o treinador Béla Guttmann suspirou:
- Sinto medo! Prevejo uma catástrofe...
O chão estava duro de gelo. Uma camada de gelo espesso que fazia precário qualquer equilíbrio.
É um facto que, nesse ano de 1962, o campeão da Alemanha. Havia ainda coisas bem mais importantes do que Futebol num país tão profundamente destruído.
Mas o Nuremberga era visto com respeito.
Despachara, até defrontar o Benfica, os irlandeses do Drumcondra (5-0 e 4-0) e os turcos do Fernerbache (2-1 e 1-0). Quatro jogos, quatro vitórias! Somaria a quinta...
O Benfica foi gelando...
A previsão de Béla Gutmann cumpriu-se. Foi catastrófico.
O jogo teve início às 13h30 portuguesas. Sob um frio intenso. E o início de jogo dos 'encarnados' foi tão alegre, tão vivo, tão cheio de vontade, que ninguém imaginaria o que viria a acontecer depois. Aos cinco minutos já José Augusto perdera uma grande oportunidade, aos nove minutos já Cavém, na sequência de um lance de Simões, fizera o primeiro golo. Depois, o Benfica foi gelando...
Houve jogadores que pararam por completo. Um deles foi Costa Pereira no lance do empate, por Flanchenecker. Em seguida foi a defesa em bloco. E, aos 38 minutos, Strehl dava a volta ao resultado.
Entre neve e gelo, os homens de Nuremberga impunham-se. Foram muitos os lances de perigo. O Benfica sofria.
Flanchenecker fez o 3-1; o quarto golo bailou junto da baliza do Benfica.
Dizia-se que era o limite dos limites num 'inferno de gelo'...
Ninguém conseguiria fazer melhor.
Ah! Mas faltava ainda metade do caminho a percorrer. Havia Lisboa e outro inferno, o 'Inferno da Luz'. E uma crença infinita entre todos.
- 'Agora é a nossa vez!', exclamava Ângelo que não jogou.
- 'Se aqui marcámos um golo, em Lisboa marcaremos três ou quatro, não concorda?', perguntava António Simões.
- 'O Benfica podia fazer melhor, mas foi prejudicado pelo frio; a passagem da eliminatória ao nosso alcance', asseverava Germano.
- 'Com outro terreno teríamos ganho mesmo aqui', deitava-se a adivinhar Manuel da Luz Afonso, o chefe da delegação.
Belá Gutmann, o 'Mago', que até catástrofes adivinhava, parecia satisfeito:
- 'Nuremberga rendeu mais 50% do que eu esperava. Mas o terreno foi o nosso pior adversário. Acho até que foi um milagre, o comportamento de alguns dos nossos jogadores. Fizemos o máximo. Agora penso que temos amplas possibilidades de eliminar o campeão da Alemanha'.
O Benfica escorregava no gelo de Nuremberga, mas ninguém se dava por vencido. Pelo contrário: uma onda de optimismo tomava conta da equipa e iria empurrá-la para um dos momentos mais extraordinários da história do Clube na Taça dos Clubes Campeões Europeus.
O Benfica vergara, mas não dobrara.
Vinha aí Lisboa e 60.000 gargantas que transformariam a tarde dos jogadores de Nuremberga num momento incrível que jamais esqueceriam.
É fundamental nunca subestimar os grandes campeões.
Amesterdão ainda estava no horizonte. Seria uma realidade.
Como, aquele extraordinário jogo da segunda mão, marcado para o dia 22 de Fevereiro. Falaremos sobre ele não tarda muito..."
Afonso de Melo, in O Benfica