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terça-feira, 15 de outubro de 2013

"A Vingança do Craque Saloio"


"Fernando assis Pacheco foi uma das maiores figuras do Jornalismo português. Apaixonado pelo Futebol, era fácil encontrá-lo na Tapadinha nos velhos domingos à tarde. Uma sua entrevista a Toni ficou para a história.

FERNANDO ASSIS PACHECO foi, para mim, não apenas um amigo: foi um mestre! Fez o favor de me ensinar uma ou duas coisas sobre jornalismo, fez-nos a todos o favor de deixar escritas algumas das páginas mais brilhantes da Imprensa portuguesa.
Era insuspeito de ser do Benfica: era da Académica e do Atlético.
Mas algumas das suas entrevistas a jogadores do Benfica tornaram-se inesquecíveis. Hoje vou recordar uma, feita a Toni, no desaparecido «O Jornal».
De Toni, Assis Pacheco escreveu o que se segue: «Ele era um rapazinho provinciano quando a Académica o foi desencantar, ainda júnior, e misturava a habilidade com a ingenuidade. Chamaram-lhe, por isso, craque saloio, alcunha que torneou ao enveredar pelo profissionalismo de alta competição. Hoje, quase um quarto de século depois, Toni prepara como treinador a final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, onde o seu Benfica tem um osso holandês (PSV Eindhoven) para roer no próximo dia 25. Ganhe ou perca, o bairradino pede aos deuses dos estádios que seja com a máxima dignidade. Mas lá no fundo está ansioso pela grande e quente lágrima de júbilo».
Estávamos em 1988, já se vê. Assis Pacheco e Toni, frente a frente, num mano a mano de palavras, de perguntas e de respostas. Duas almas seguras às quais dediquei a amizade. É preciso recordar momentos como estes. E com a licença dos meus sempre pacientes movimentos brilhantes desse bailado no qual a entrevista de tornou. Se me permitem...

Palavra a Assis Pacheco; e a Toni
« (...)
P.- Uma vez, era você rapaz, o Mário Wilson chamou-lhe craque saloio. Lembra-se?
R.- Sim. Isso tem a ver com Coimbra, com o rapazinho que chega de Mogofores, despretensioso, vindo de uma aldeia, e que encontra a sua primeira barreira - uma pequena cidade. Há lá jogadores que já tinham o cu mais calejado do que o de um macaco, com uma vivência coimbrã muito grande. Veja o que era um menininho recém-chegado no meio de homens com grande traquejo e naquele ambiente de gozo ao caloiro. Não foi só o Capitão (Mário Wilson), foram outros. Estou a lembrar-me do Maló, que ficava chateado e realmente chamava-me craque saloio porque levava com os cortes e então eu ia lá buscá-las dentro da rede. É que eu continuava a chutar no fim dos treinos e dava-lhe uma em curva e ele ficava assim um bocado...
(...)
P.- O Toni teve o azar impagável de ser titular do Benfica num período de malogros europeus. Que pensa hoje disso? Passou ao lado de uma grande carreira?
R.- Passei eu e passaram mais uma série deles, e jogadores de grande craveira. Nessa altura houve duas ou três equipas que marcaram época no futebol europeu. Foi o caso primeiro do Ajax, no tempo do Cruyff, do Neeskens, do Rep, do Kaizer, do Suurbier, do Krol, do Muhren. É quase como uma boa colheita de vinho. Esse Ajax de 1972 para mim era um Solar das Francesas '63 ou um Frei João Garrafeira Particular '64. A seguir vêm o Bayern e o Leverpool. Os três juntos dominam as taças europeias na década de 70. Nessa década o Benfica ganhou aí uns oito campeonatos, mas sempre que apanhávamos um Liverpool já se sabia. Eu fui eliminado pelo Liverpool algumas três vezes. E duas pelo Bayern, e mais duas pelo Ajax.
(...)
P.- Voltemos ao Futebol: há de facto arbitragens tendenciosas?
R.- Há árbitros bons e árbitros maus. Aí é que podem ir buscar-se as arbitragens tendenciosas.
P.- Um exemplo?
R.- Bem, num Olympiakos-Benfica, em Atenas, aqui há uns anos, apanhei um árbitro jugoslavo que fez tudo para nos prejudicar. Por acaso perdemos só por 1-0»
A final da Taça dos Campeões estava ali, à porto. E era tema de conversa...
«P.- Qual vai ser a táctica para Stuttgart? Olhe que o holandês é capaz de receber O Jornal...
R.- O tema está tão estafado. Só há uma bola; quando eles tiverem a bola, defendemo-nos; quando a bola fôr nossa, temos de atacar. Agora saber como é que vamos defender ou atacar, assenta em princípios de jogo que os jogadores já assimilaram.
P.- Se o Benfica perder, Toni?
R.- Se perder com dignidade, como eu disse mais atrás, tudo bem. Mas voltarmos às vitórias morais, não. Eu sinto é que algo foi feito sem ter de se viver daquilo que tinha sido feito».
Era este o princípio do futuro para Toni. Numa entrevista grande em que falou de Eriksson, do futebol de África e da América, da sua candidatura pelo PS à Assembleia Municipal de Lisboa, e do Benfica, do Benfica e mais Benfica. Vale a pena relê-la: está em livro, «Os Retratos Falados» das Edições ASA."

Afonso de Melo, in O Benfica

PS: Parabéns ao Toni... vai com um dia de atraso, mas ontem inesperadamente, problemas técnicos impediram-me de escrever este post!!! Aquele tipo de problemas, que quase a provocaram uma saída repentina do Portátil pela janela do 2.º andar, só para testar a aerodinâmica !! Mas no último segundo, quando já preparava o lançamento, o 'gajo' amedrontou-se, e começou a trabalhar!!!