"A vitória pode ser, como dizia Mário Filho, uma doença que só a derrota cura. Mas, acreditem, por cima das derrotas e até por sobre as vitórias haverá sempre a forma inconfundível como cada homem aceita os ditames do Destino.
Mário Filho foi um dos maiores jornalistas da história do Brasil. O seu nome baptizou o Maracanã: Estádio Mário Filho.
Escreveu uma vez: 'A vitória é uma doença que só a derrota cura!'.
Tinha tanta razão.
A vitória é viciante, leva-nos ao topo do mundo, à visão idílica de que um deus qualquer, por mais pequeno e anónimo que seja, mandou que um anjo da fortuna pousasse no nosso ombro para não mais levantar voo.
Ah! Mas se Mário Filho tinha razão, e como a tinha!, se a vitória é mesmo uma doença que só a derrota cura, a derrota também pode ser uma doença que só a vitória cura.
Porque a derrota deprime, diminui, faz-nos ver os erros e os defeitos aumentados por uma lupa maligna que esconde as virtudes e as bondades.
Ser jornalista obriga a deixar de lado a paixão no momento de tentar perceber os acontecimentos, analisa-los pelo prisma de uma segurança que pode ser efémera mas nunca deve ser esquecida.
Tive a sorte de aprender com os grandes mestres do jornalismo em Portugal: Vítor Santos, Carlos Pinhão, Carlos Miranda, Alfredo Farinha, Aurélio Márcio. Estes foram os maiores de todos, e orgulho-me de ter trabalhado com eles na mesma antiga redacção da Travessa da Queimada, ali no Bairro Alto, e tentar perceber o seu rumo, os seus propósitos, a forma como se entregavam aos momentos parar tirar deles o que verdadeiramente importa para os leitores, porque é disso que trata o jornalismo, afinal!
Alfredo Farinha escreveu certa vez esta prosa magnífica: 'Quando comecei a escrever em jornais, o meu propósito, a minha ambição, o meu sonho, era ser jornalista da Grande Imprensa. Ir à procura da vida no meio da vida, ir ao encontro dos acontecimentos onde eles acontecessem, conhecer os problemas dos homens, devassar o segredo das coisas desconhecidas, saber as razões dos êxitos e dos fracassos da grande sociedade, ouvir os políticos falarem da política, os economistas de economia, os artistas de arte, descrever os contrastes entre os dramas da fome e os esplendores da opulência, contar as histórias verídicas da paz e da guerra - e analisar, comentar, criticar tudo o que visse e ouvisse, com lealdade, com verdade, com o desejo de esclarecer e de ser útil'.
Nunca li, em qualquer outro lado, uma tão bela declaração de amor a uma profissão que merecia não ter sido abastardada vilipendiada por dentro, suicidária.
A elegância
A elegância da prosa: eis algo a que dou valor.
O Carlos Pinhão dizia: 'O Benfica não ganha! O Benfica nunca ganha! O Benfica vence!'
E a gente entendia que 'caganha' era a pior das cacofonias.
O Benfica vence, portanto.
E também perde.
Vitórias e derrotas, doentias ou não fazem parte da vida dos grandes clubes, daqueles que vêm lá no fundo das brumas da memória.
O Benfica tem derrotas dolorisíssimas: cinco finais perdidas da Taça dos Campeões, por exemplo. Três finais perdidas da Taça UEFA/Liga Europa.
Tivesse, nessas noites que deveriam ter sido mágicas para os encarnados, a vitória substituído as derrotas, e o Museu Benfica - Cosme Damião teria quase tantas taças europeias como o do Real Madrid.
Mas a vitória pode depender muito da vontade de quem luta por ela, mas depende também do adversário, das contingências, até mesmo do humor desse anjo da fortuna que por vezes pousa no ombro daqueles que são abençoados por um qualquer deus menor.
Só que, acima da derrota - e mesmo por sobre a vitória -, há a elegância.
Elegância será, para sempre, a figura maior do Benfica, e o Benfica teve de aprender a vencer sem Eusébio como tinha sabido vencer sem ele a Taça Latina ou a primeira Taça dos Campeões.
Eusébio tinha com ele a elegância dos príncipes vermelhos.
E, como ele, Coluna e José Águas, Simões e José Augusto, Torres (que não venceu nenhuma Taça dos Campeões), Francisco Ferreira e Rogério Lantres de Carvalho. E depois ou outros, de Humberto Coelho e Chalana, de Nené a Shéu e mais e mais e mais.
Todos eles viveram o entusiasmo de vitórias inesquecíveis e a tristeza, profunda como o mar, de derrotas inesperadas.
Mas, para todo o sempre, haverá a verdade da elegância.
Acreditem: a grandeza dos homens está na elegância com que aceitam os ditames do Destino.
Mesmo que, no dia seguinte, pela manhã, se levantem como Hércules dispostos a mudar esse Destino."
Afonso de Melo, in O Benfica