"Portugal conseguiu, nos Jogos de Paris, o melhor pecúlio de sempre do ponto de vista competitivo: quatro medalhas e vários diplomas olímpicos que revelam resultados de excelência
A cada quatro anos, o mundo reúne-se em torno do desporto e aprecia os maiores desafios que se podem colocar a praticantes, técnicos, organizadores e até jornalistas: dezenas de modalidades e especialidades, concentradas em duas semanas e numa cidade, o céu tocado por performances inimagináveis, a superação, o talento exponencial e exponenciado, as marcas, os recordes, mas também o desalento de um falhanço, o sonho derretido por um momento de fraqueza, a desconcentração fatal que deitou a perder quatro anos de suor, de luta, de sacrifício e de empenho total.
Nesta longa frase, creio, está a fotografia do Desporto, entendido como fenómeno global, catalisador de massas, aglutinador de paixões, motivador de extremos.
Em 2024, falar de Jogos Olímpicos significa falar do evento de maior dimensão mediática planetária, mas também de um negócio estratosférico para patrocinadores, marcas envolvidas na sponsorização de atletas, prémios e abertura de novos caminhos milionários para os que tocam o olimpo e conseguem a suprema honra do lugar mais alto do pódio. Porque, de facto, nada acaba no hino nacional, e tudo aí começa para uma nova olimpíada que, em paralelo com os resultados desportivos de excelência, aporta um caminho de sucesso e desafogo financeiro aos mais competentes e resilientes.
Portugal conseguiu, nos Jogos de Paris, o melhor pecúlio de sempre do ponto de vista competitivo. Com quatro medalhas (o ouro de Iúri Leitão e Rui Oliveira, a prata do mesmo Iúri e de Pedro Pichardo e o bronze de Patrícia Sampaio), mas — e, muitas vezes, não olhamos para este detalhe com olhos de ver… — com diplomas olímpicos que revelam resultados de excelência (até ao oitavo lugar da respetiva competição). Assim sucedeu no triatlo, no tiro, na ginástica, na vela, no ciclismo, no atletismo…
Gostava que, efetivamente, este conjunto de resultados correspondesse a um amplo reconhecimento da importância determinante do Desporto como pilar do desenvolvimento de um país. Que eles fossem a cereja no topo de um bolo cozinhado de base, com investimento projetado a médio e longo prazo e assente em diversas variantes.
Com um pensamento estruturado na educação desportiva transversal e fundamentada desde as primeiras horas de escola, criando hábitos e suscitando interesses, promovendo a massificação da prática não competitiva para, depois, se passar à despistagem organizada de talentos e à consequente organização de um edifício sólido e estruturado para a competição e o sucesso.
Com capacidade para dotar as diversas modalidades de estruturas de topo. Quando isso sucede, a apetência para o sacrifício e as condições para o sucesso aumentam exponencialmente (veja-se o que sucede com o Ciclismo de Pista, com o aproveitamento do velódromo de Sangalhos).
Mas, sobretudo, com vontade política de pensar o Desporto como atividade estruturante da nossa vida quotidiana, algo impregnado nos nossos hábitos, como uma pele que nos acompanha e que nos forma enquanto cidadãos. Que nos molda o comportamento ético, que nos estimula o respeito pelo semelhante como adversário de ocasião mas como parceiro de evolução. E que, no limite, cria condições ideais para que o talento se liberte, se alie ao espírito de sacrifício e à privação de uma vida normal de que os atletas de alto rendimento se alimentam todos os dias para chegarem onde muito poucos já o fizeram.
Parece-me legítima a pergunta (que, de resto, se repete a cada quadriénio, quando se faz o balanço, tantas vezes pouco equilibrado, de uma participação olímpica): os resultados obtidos correspondem ao conceito de planeamento desportivo do país? Ao verdadeiro apoio que, ao longo de todo o processo de treino e aperfeiçoamento, (não) sentem os atletas, a não ser quando, em sede de campeonatos europeus ou mundiais, conseguem já resultados relevantes?
Num Portugal que privilegia o futebol sobre todas as restantes modalidades desportivas, em que os adeptos não entendem a competição como a decorrência natural da atividade, mas preferem enfatizar as vitórias dos seus emblemas preferidos (ainda que a todo o custo…), quatro medalhas nos Jogos de Paris, acrescidas de outros oito diplomas olímpicos, são um milagre.
O milagre que os políticos do costume aproveitarão para, com camisolas mais ou menos garridas, projetar como sucessos de um país moderno e de primeira linha. A selfie do momento ou a condecoração que certamente chegará não apaga a falta de arrojo político de 50 anos de Portugal democrático, servindo-se do Desporto mas raramente lhe proporcionando, na base, na legislação, no apoio efetivo, nas estruturas, nos meios (sobretudo quando os resultados de excelência ainda não surgiram…), as condições dignas para que o talento dispare.
De resto, um talento que, quase sempre, surge do sacrifício individual de atletas e responsáveis técnicos, do seu empenho e da sua incessante busca pela superação.
A Patrícia do judo, o Pedro do triplo salto, o Iúri e o Rui do ciclismo de pista.
E o Fernando, a Jéssica, o João, o Messias, o Diogo, a Carolina, o Vasco, a Maria, a Melanie, o Ricardo, o Gabriel, a Inês.
Que exemplo deram (ou voltaram a dar) ao país, que bem dele precisa em todas as áreas.
O exemplo de que o esforço compensa, mas, acima disso, de que o milagre olímpico afinal existe…
Cartão branco
Com a mesma descrição com que sempre pautou a sua atividade pública, José Manuel Constantino partiu para uma viagem sem termo.
O Presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) despediu-se da vida terrena com a poética justiça de deixar o legado dos Jogos com melhor rendimento para o país. E fê-lo no dia em que a chama deixou de arder em Paris.
Mais do que um dirigente desportivo de eleição, Constantino foi um pensador de exceção, e tentou transportar para a sua atividade no COP estratégia e desafio.
Foi, também, um diplomata do Desporto. Do saber estar, do saber pensar, do saber (o que) dizer, mas, essencialmente, do saber fazer. Sem alaridos ou soundbites desnecessários.
Deixa um legado para aproveitarmos em pleno.
Cartão amarelo
O empréstimo de Francisco Conceição à Juventus é um ato de gestão desportiva do FC Porto com consequências difíceis de prever.
Desde logo, no rendimento projetável do conjunto de Vítor Bruno, considerando que o jovem jogador é (era…) uma das claras mais-valias do grupo de trabalho azul e branco. Mas também na relação com os adeptos, naturalmente desconfiados da capacidade financeira para poder suprir, em tempo útil, esta perda de um recurso que poderia ser determinante para a temporada.
Francisco Conceição, depois de Amesterdão, terá em Turim um extraordinário desafio profissional. Mas deixa os seus seguidores com um sorriso amarelo…"