"Um tufão não impediu o jogo à mão mais dinâmico, intenso e criativo a atacar espaços do Mundial - salvo aqueles que vestem sempre negro - de ganhar (28-21) à Escócia e chegar, pela primeira vez, aos quartos-de-final. O Japão vai reencontrar-se com a África do Sul e, quem sabe, com um milagre
Não chovia, mal ventava, o ar continuava quente e húmido em Yokohama, sem vislumbre do rasto do ciclónico e monstruoso Hagibis, então causador de 24 mortes, mas não rápido o suficiente na passagem pelo Japão para não cancelar um jogo que, durante dias, se julgou inevitável.
O clima amainou e deixou os escoceses, famintos, a cravarem os dentes nos rucks, intensos e agressivos a disputar a bola na relva, cravando faltas e turnovers nos primeiros dez minutos para exporem a apatia dos japoneses. Encravaram o jogo à mão dos olhos rasgados, obrigavam-nos a perder tempo no chão, emperravam-nos.
A Escócia marcou um ensaio fácil, bastou a Finn Russell correr 10 metros e desviar-se, sem fintas, dos 1,66 metros do mais pequenote jogador do torneio, Yutaka Nagare.
Ó não, tremia o Japão, a nação há quatro anos a bolacha da história sem a poder trincar, eliminada do anterior Mundial com três vitórias e não ter certezas se sobreviveria neste, no seu, também com três jogos ganhos, de novo com uns escoceses pela frente que tinha, obrigatoriamente, de vencer.
Mas, vividos os dez minutos de caos, os japoneses voltaram a eles próprios. Sempre a fugirem com os corpos aos rucks, indo ao contacto apenas para fixarem adversários, deixando a bola sempre limpa e viva, a saltar de mão em mão com o formação Nagare a dar-lhe vida até chegar a Matsushima ou Fukuoka.
Alimentando o 14 e o 11 japoneses, os mais velozes e perigosos pontas em campo ultrapassavam a linha da vantagem, fugiam de placagens e eram quem mais metros acumulavam para equipa.
Matsuhima deu o primeiro ensaio ao Japão, Fukuoka o terceiro e no meio foi o pilar Inagaki a furar por entre avançados escoceses, no meio do conjunto de corpos de onde se pensava vir a força que mais poderia atropelar os japoneses - impressionantes no jogo à mão em campo aberto, menos fiáveis no jogo ao chão.
O território (75%) e a bola (74%) foram alvos de abuso dos japoneses na primeira parte e quando o ponta Fukuoka arrancou, logo no recomeço, para o quarto ensaio e o garante do ponto bónus, o oxigénio também passou abundar de lado nipónico do campo.
Os escoceses estavam tontos no jogo frenético, a placarem sombras, a chegarem atrasados a tudo, sem tempo de caçarem a bola que só tarde pararem de chutar pelos pés de Stuart Hogg e Greg Laidlaw para as mãos de Matshoshima, Fukoka ou Yu Tamura, o abertura que a recolocava sempre longe.
Quando começaram a batalhar contra o Japão no seu jogo, somando mais fases aos seus ataques, mantendo a posse e não caindo no alarmismo do pontapés, os escoceses avançaram no campo, entraram nos 22 metros alheios e encontraram o conforto para puxarem os seus quilos mais pesados para jogo.
Willem Nel e Zander Fagerson, dois pilares roliços, com mais imagem do antigamente, marcarem um ensaio cada, os britânicos chegaram aos 21 pontos e viram os 28 do Japão já de perto.
Foram insistindo, tiveram mais tempo no meio campo japonês, batiam mais vezes o primeiro japonês, mas nunca fugiram do segundo, do terceiro e de quem acorresse depois à cortina defensiva dos anfitriões do Mundial, incansáveis a defenderem-se sem a bola, brutais na técnica de placagem junto à relva. Nunca os escoceses tiveram perto de marcar pontos nos últimos 20 minutos.
Os fantásticos a atacar acabaram sendo impenetráveis a defender. Quando chutaram a bola para fora dali e o jogo acabou, pularam que nem miúdos a celebrar o toque para o recreio, eufóricos com a excelente primeira parte com bola, a incrível segunda sem ela, com a inédita passagem aos quartos-de-final do Mundial.
O jogo à mão mais dinâmico, intenso e criativo a atacar espaços - salvo quem nós bem sabemos e veste sempre negro - é do Japão, a terra do espectacular râguebi nascente, que se vai reencontrar com a África do Sul. E, porventura, com um milagre."