"Recentemente, o Benfica viajou até Nápoles. Momento ideal para que se recorde aqui o primeiro jogo realizado em solo italiano, frente ao Milan, no longínquo 29 de Junho de 1956.
«HÁ alterações na linha do Benfica», anunciava Tavares da Silva, enviado a Milão. E prosseguia: «Palmeiro, em virtude do entorse no pé direito, com ligeiro derrame, sofrido no treino de quarta-feira, não alinhará, sendo substituído pelo jovem Isidro. (...) Deste modo, no Estádio Arena, a equipa do representante português alinhará com a seguinte formação: Bastos; Jacinto, Artur e Ângelo; Caiado e Alfredo; Isidro, Coluna, Águas, Salvador e Cavém. (...) Os jornais italianos, nas suas edições de hoje, salientam a classe do Benfica, dando a indicação dos jogadores internacionais que fazem parte da equipa, citando Ângelo como sendo o melhor defesa português, e Águas que classificam como 'mestre no remate'. Mostram ter, também, conhecimento perfeito do padrão de jogo e da colocação da defesa, da linha média e do ataque no grupo 'encarnado'. No entanto, todos os prognósticos se mostram favoráveis ao Milão, que alinhará com a seguinte disposição: Buffon; Maldini, Pedroni e Zaggati; Liedholm e Radice; Mariano, Bagnolo, Del Monte, Schiaffino e Frignani.»
Datam estas linhas de 29 de Junho de 1956.
O Benfica disputava a Taça Latina com o Milan, o Atlético de Bilbau e o Nice.
Agora que o Benfica acaba de jogar um particular, em Nápoles frente ao Nápoles, nada como recordar esse Milan- Benfica, primeiro de todos os jogos que o Benfica realizou em Itália. Mesmo que não seja assim de tão boa memória... Como aliás não têm sido de boa memória as viagens do Benfica a Itália. Só que a História é mesmo assim, e não se reescreve, pelo menos por gente séria já que a outros se lhes reconhece a arte para o revisionismo, conivente e conveniente.
Contra os ventos do infortúnio
O espanhol Arque foi o árbitro. O Benfica perdeu, por 2-4. Ficou afastado da final (que já tinha ganho em 1950), mas venceria depois o Nice para o terceiro e quarto lugares. Ainda assim mereceu elogios. Da pena de Tavares da Silva, que foi um dos grandes jornalistas da história do desporto em Portugal. Vamos lê-lo, que a sua verve é bem mais brilhante do que a nossa.
«Embora vencido, e tal hipótese figurava em todas as previsões, o Benfica teve, como se esperava, presença honrosa e digna, mas também desafortunada, na primeira eliminatória da Taça Latina (7.ª Edição, ou Edição de 1956...). O sorteio caprichou em lhe opôr o Milão, segundo classificado do campeonato italiano e semi-finalista da Taça dos Campeões Europeus, e logo isso constitui uma desvantagem - porque o desafio seria em Milão, precisamente... Mas a fatalidade perseguia os vice-campeões de Portugal, brilhantes vencedores da taça de 1950.
Preparando-se cuidadosamente para o grande encontro, tratando de colocar a equipa 'au point', quer física quer psicologicamente, o SLB teve pouca sorte de se ver privado de Costa Pereira, 'keeper' de muitos recursos e um dos esteios da defesa, e de Palmeiro, seu melhor avançado, jogador de fibra e presentemente em óptima condição. Duas baixas, evidentemente, de muita importância, ambas influindo no rendimento e nas possibilidades da turma de Otto Glória. (...) Mas o azar dos portugueses não se ficou por aqui. A arbitragem do espanhol Arque foi manifestamente contra o Benfica, em especial na primeir aparte, durante a qual assinalou faltas inexistentes, quebrando o ritmo do grupo e perturbando o próprio público.»
Reza a crónica que o Benfica da segunda parte, com a subida de Caiado, foi mais pressionante, mais rápido e mais equipa do que os milaneses. De pouco serviu. A desvantagem de 0-2 trazida da primeira parte era excessiva para a voluntariedade dos portugueses. Mariani e Schiaffino tinham dado ao Milan um fôlego suplementar. E agora, com o relógio dobrando a esquina dura da segunda metade, nem o golo de Coluna, a reduzir para 1-2, serviu ao Benfica para assinar a reviravolta. Jogando em contra-ataque, os italianos estavam no seu elemento. Schiaffino, o predador uruguaio, fez o 3-1 e sentenciou a partida.
Caiado ainda voltou a reduzir a vantagem milanesa com um remate espectacular, de longa distancia, mas Bagnoli fez pouco depois o 4-2, segurando uma eliminatória que nem novo remate estrondoso de Caiado, à trave de Buffon, pôs em causa. Quanto às figuras de vermelho vestidas, que fique de novo Tavares da Silva com a firmeza do verbo: «No Benfica, Coluna foi o melhor de todos, impetuoso, abrindo sucessivas brchas na defesa oposta, fazendo boas passagens. Também Salvador jogou bem, particularmente no aspecto de manobra táctica, e Isidro cumpriu. Mas já a defesa, de modo geral, esteve abaixo das suas reais possibilidades, mesmo o fogoso Ângelo que não conseguiu atingir a craveira habitual.»
Itália de más memórias..."
Afonso de Melo, in O Benfica