"O Benfica visitou Tóquio uma vez no ano de 1970. Três jogos contra a selecção do Japão e outras tantas vitórias, com uma goleada no jogo derradeiro (6-1) que encantou o público japonês e mereceu o entusiasmo dos seus aplausos.
Em 1970, o Japão recebia a Expo-70 e Portugal estava representado com um pavilhão em Osaka, inaugurado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros da época, Rui Patrício.
O Benfica também tem de estar presente. E, facto inédito, eis que uma equipa portuguesa de Futebol se desloca ao extremo-oriente.
O Futebol português está de luto pela morte do jovem Nene, prometedor jogador da Académica. No dia seguinte a comitiva encarnada deixa Lisboa em direcção a Macau, primeira paragem desta nova deslocação 'encarnada', quase directamente de África, onde uma semana antes defrontara em Luanda e Lourenço Marques uma Selecção de Luanda e o V. Setúbal, por duas vezes, para o mais distante de todos os orientes.
Borges Coutinho comanda o grupo, o treinador é Jimmy Hagan, os jogadores são - José Henrique, Fonseca, Malta da Silva, Barros, Humberto Coelho, Zeca, Adolfo, Jaime Graça, Matine, Vítor Martins, Simões, Nené, Eusébio, Artur Jorge, Raúl Águas, Messias e Praia. Dois jogos em Macau para aquecer os motores, e quilómetros e mais quilómetros.
Um jogo em Kobe, no dia 25 de Agosto - frente à selecção do Japão (1-0), único adversário em terras nipónicas - viagem de comboio para Tóquio, por entre as montanhas em cujos topos se espreita o branco da neve.
Tóquio: não sei se é possível amá-la, mas sei que é impossível ficar-lhe indiferente. Há nela uma feiura terna à mistura com a obsessão do pormenor. E o encanto do som dos bairros: Ginza, Asakusa, Yoshiwara, Shinjuku, Harajuku, Ikeburu, Shubuya, Akasaka e Roppongi, sobretudo Roppongi...
A primeira vez que estive em Tóquio, instalei-me em Roppongi. Roppongi é a noite e eu gosto da noite e dos fantasmas que a povoam. Vinicius de Moraes é da mesma opinião. Se não, leiam: «De manhã escureço; dia dia tardo; de tarde anoiteço; de noite ardo».
O reino do néon, os ciprestes do cemitério de Ayoama, o movimento perpétuo, as mãos enluvadas de branco dos condutores de táxi, personagens etéreas de um romance de Murakami. Os prédios escondem outros prédios que matam os horizontes. A bruma. As brumas da memória.
Tóquio não se esquece.
Aqueles incríveis seis minutos
Portanto, nesse Verão de 1970, o Benfica estava em Tóquio.
E a surpresa geral. A televisão japonesa transmite os jogos a cores! Uma sensação! O Benfica faz golos e mais golos e todos eles vão de casa em casa, a cores, para alegria de toda a gente.
No primeiro jogo disputado na capital do Japão, bate a selecção por 4-1. Partida a partida acentua-se as diferenças.
No terceiro e último jogo da aventura japonesa, a vitória é ainda mais gorda, mais redonda: 6-1.
Curiosamente, são os japoneses a marcar primeiro para histérica satisfação de todos quantos enchiam o estádio. O golo é do herói Koji Mori.
Por mera curiosidade, apontem-se os protagonistas da compita:
Selecção do Japão - Yokoyama; Kikugawa, Hara, Yamagushi e Ogi; Mori e Kimura; Yoshimura, Yamamoto, Miyamolo e Suguyama.
Benfica - José Henrique; Malta da Silva, Humberto Coelho, Zeca e Barros; Matine e Jaime Graça; Nené, Eusébio, Torres e Simões.
O empate foi obra de Torres (aos 34'), e reviravolta teve a assinatura de Eusébio a dois minutos do intervalo.
Na segunda parte, uns alucinantes sete minutos chegaram para que o Benfica marcasse quatro golos - Nené, Jaime Graça Matine e Eusébio. Fim! Desorientados (e que cai a palavra em gentes do Oriente), os japoneses abandonam-se à sua sorte. Os 'encarnados' gozam o triunfo e os aplausos da multidão. Não mais esquecerão Tóquio e Tóquio não esquecerá o Benfica. Não voltarão a encontrar-se.
Depois é a partida para a Coreia do Sul, registando-se em Seul o único empate da digressão. Só à sua conta, Eusébio marca 13 golos. Um número que lhe dá sorte. E duro, o regresso, estende-se por escalas e mais escalas: Seul-Osaka-Tóquio-Hong Kong-Bangkok-Bombaim-Teerão-Roma-Lisboa.
O mundo é pequeno; o mundo é cada vez mais pequeno para o Benfica."
Afonso de Melo, in O Benfica