"Falemos ainda um pouco mais sobre Alfredo Di Stéfano, ídolo de Eusébio, um dos maiores entre os maiores entre os maiores, tão recentemente desaparecido. Recordemos a sua passagem pela Colômbia.
Di Stéfano. O ídolo de Eusébio. Vou falar sobre ele mais um pouco, se o leitor que faz o semanal sacrifício de me ler, dá licença. Di Stéfano foi único, por isso merece. E a sua vida cheia de aventuras.
Vamos até à Colômbia, em 1948.
Em 1948 Mundo era ligeiramente mais pequeno do que é hoje. Em 1948, o que se passava na longínqua Colômbia só chegava aos ouvidos da Europa se viesse em forma de bula papal, ou coisa que o valha.
Agora já não é bem assim. Desde que a televisão queira, sabemos neste preciso minuto, tudo o que se passou na Colômbia há, digamos, 10 centésimos de segundo. Se a televisão não quiser, sabemos na mesma, embora tenhamos dúvidas sobre autenticidade dos acontecimentos. De qualquer forma, e mesmo que a televisão queira, nunca temos bem a certeza sobre a autenticidade dos acontecimentos.
Em 1948, na Colômbia foi assassinado o líder de esquerda, Jorge Elicer Gaitán, em Bogotá. O país mergulhou em dez anos de insurreição e criminalidade: um período conhecido por «La Violencia». Mais de 200 mil mortos. No seu castelhano musicado, os colombianos chamaram a esse dia 9 de Abril de 1948 «El Bogotazo». Exactamente. E ainda faltavam dois anos para o «Maracanazo».
Em 1948, na Colômbia, as coisas tornaram-se um pouco confusas. Em todos os aspectos. O público colombiano tornou-se tão louco por futebol como os seus colegas do Brasil, da Argentina ou do Uruguai. E os clubes colombianos entraram numa febre consumista sem paralelo na história do jogo.
Alfonso Senior Quevedo: fundador do Clube Milionarios de Bogotá, foi igualmente o criador da Dimayor, em finais de 1947. Dimayor: a primeira liga profissional colombiana, a primeira liga profissional a não colocar restrições à utilização de estrangeiros. O argentino Adolfo Pedernera foi a estrela que abriu o caminho, assinando pelo Milionarios. Cinquenta outros argentinos firmariam, na semana seguinte, contratos com clubes colombianos.
No centro de «La Violencia», o futebol, na Colômbia, era uma festa. Chamavam-lhe o «El Dorado».
Há tanta coisa para escrever sobre o El Dorado que dava um livro. Fiquem descansados: não será um livro. Mas não prometo que para a semana não volte a falar no assunto... Ou que, pelo menos, não volte a falar de Di Stéfano.
Voltemos ao Milionarios: eis que chega Di Stéfano, vindo do River Plate. E o uruguaio Hector Scarone, treinador campeão do Mundo, e 1930. E Nester Rossi, Hector Rial, Antonio Baez, Reinaldo Mourín, Pedro Cabillón, Alfredo Castillo, Tomás Aves, Julio Cozzi, Raúl Pini e Hugo Reyes, todos argentinos. Pedernera já tinha vindo. E Alcides Aguilera, Angel Otero, Jose Saule e Victor Bruno Lattuada, uruguaios. E o paraguaio Julio Cesar Ramirez, e o peruano Ismael Soria, e o brasileiro Danilo. E havia os colombianos Francisco Zuluaga, Manuel Fandiño e Gabriel Uribe.
Em 1948, a Colômbia era longe, longe, longe. Por isso a gente não se lembra, nem há quem se lembre por nós. Não fora o caso talvez soubéssemos recitar de cor, assim mesmo em WM: Cozzi; Zuluaga e Raul Pini; Julio Cesar Ramirez, Nestor Rossi e Ismael Soria; Reyes, Pedernera, Di Stéfano, Baez e Reinaldo Mourin.
Carlos Arturo Rueda: foi talvez o maior nome do jornalismo desportivo colombiano. Um dia, ao ver o Milionarios bater o Real Madrid, em Caracas, disse convicto: «Esta é a melhor equipa do Mundo! Um verdadeiro Ballet Azul!» O nome ficou.
De 1948 a 1953, cinco campeonatos consecutivos, mais de 100 golo marcados por época. Os resultados repetiam-se: 5-0, 5-1, 5-2. O Ballet Azul tinha uma regra: chegando aos cinco, entretinha-se o público. Uma bola no meio do ballet.
Mas, em 1948, a Colômbia ainda era demasiado longe para a gente saber disso. Pelo que é importante recordá-lo. Di Stéfano merece. E o futebol também."
Afonso de Melo, in O Benfica