"Rui Costa tem de decidir se despedir o treinador é uma despesa ou um investimento; poucas pessoas conhecem o Benfica e os seus adeptos como o presidente, que tem que tomar uma decisão que irá definir a sua liderança…
O que está a acontecer com Roger Schmidt no Benfica não é novo nem no futebol, nem sequer no clube da Luz. O problema principal reside no divórcio litigioso entre sócios e adeptos dos encarnados e o treinador alemão, público, notório, e parece-me que irreversível, que limita drasticamente a margem de manobra face a um eventual insucesso pontual do técnico germânico na próxima temporada, assim continue ao serviço do Benfica.
Valerá a pena lembrar que Roger Schmidt — sem que se lhe questione o profissionalismo — nunca lidou bem com a crítica, achou-se acima do estado de alma dos únicos donos do clube, e teve sempre da realidade uma visão virtual, que ficou patente nas declarações surreais que proferiu após a derrota com o Famalicão, onde considerou a época positiva, com muitas coisas boas, ao mesmo tempo que Nicolás Otamendi, capitão de equipa, pedia desculpa aos benfiquistas por uma temporada medíocre, muitos furos abaixo dos padrões exigíveis ao clube da Luz.
Com contrato até 2026 (e há que dizer que quando Rui Costa decidiu prolongar o vínculo com o treinador alemão ouviu aplausos de todos os quadrantes, mesmo daqueles que agora, com memória curta, questionam esse ato de gestão), Roger Schmidt tem, ou não, condições para levar a nau benfiquista a bom porto em 2024/2025?
O que deve fazer Rui Costa, manter o técnico contra a vontade dos adeptos, ou dar por fim o consulado de Schmidt, arcando com as despesas inerentes? A história diz-nos, reportando-nos ao Benfica, que correu sempre mal manter um treinador que tenha acabado a época fragilizado. Talvez a situação mais parecida com uma exceção a esta regra tenha ocorrido com Jorge Jesus, que em Maio de 2013 perdeu o campeonato, com o golo de Kelvin, a final da Liga Europa, para o Chelsea, no último minuto, e a final da Taça de Portugal para o V. Guimarães de Rui Vitória. Mesmo assim, porque tinha sido campeão em 2009/2010 e chegado a uma final europeia, Luís Filipe Vieira decidiu mantê-lo e JJ foi campeão em 2013/14 e 2014/15.
Porém, será pertinente lembrar que Jesus só não foi despedido à segunda jornada da época de 2013/2014, porque, quando perdia em casa com o Gil Vicente por 1-0, Markovic (90+1) e Lima (90+2) deram a volta ao resultado e evitaram a chicotada que parecia inevitável.
Em todos os outros casos, no últimos 30 anos, sempre que Manuel Damásio, Vale e Azevedo, Manuel Vilarinho ou Luís Filipe Vieira decidiram começar a época com treinadores já fragilizados, tal como sucede agora com Roger Schmidt, a vida não lhes correu bem.
Vamos então a factos:
Artur Jorge, que chegou à Luz com inúmeros anticorpos trazidos das Antas, depois de uma atribulada época de 1994/1995 (em que foi submetido a uma cirurgia delicada), foi alvo de grande contestação, mesmo assim começou a temporada de 1995/1996, e acabou despedido a 9 de setembro.
Paulo Autuori, que teve um alargadíssimo período de adaptação ao Benfica, sendo responsável pela estruturação do plantel, o que lhe gerou alguma impopularidade, durou apenas seis meses.
Manuel José, que aterrou na Luz em janeiro de 1997, chegou contestado a 1997/1998, e viu o contrato rescindido a 20 de setembro de 1997.
Jupp Heynckes, depois de uma época cheia de turbulência, essencialmente por culpa de Vale e Azevedo, não sobreviveu à derrota em Vigo, que provocou um rombo nas relações com os adeptos e lhe acabou com o estado de graça. Mesmo assim começou a época seguinte, 2000/2001, e acabou despedido a 18 de setembro de 2000.
Toni, que tendo antes sido bicampeão como treinador, aceitou ser bombeiro para o fogo que lavrava na Luz em 2000/2001, acabou essa época penosa para o Benfica (6.º lugar), e na temporada seguinte não chegou ao Natal.
Jesualdo Ferreira sucedeu a Toni, terminou essa época de 2001/2002 sem grande brilho, e na temporada seguinte foi despedido a 24 de novembro, depois de ter sido eliminado da Taça, em casa, pelo Gondomar.
Fernando Santos, que fez uma época razoável em 2006/2007, mas nunca caiu nas boas braças do Terceiro Anel, foi mantido no cargo em 2007/2008, e despedido após a primeira jornada!
Rui Vitória, que venceu os dois últimos campeonatos do tetra, teve uma terceira época sofrível, recebeu contestação, e depois de ser deixado pela Direção do Benfica em banho-maria tempo demais, acabou por rescindir o contrato a 3 de janeiro de 2019.
Finalmente, Jorge Jesus, que regressou à Luz contra a vontade da esmagadora maioria dos sócios e adeptos do Benfica, acabou despedido na segunda temporada, a 28 de dezembro, e só não o foi antes porque a pandemia colocou o futebol à porta fechada, e a contestação ao atual treinador do Al Hilal só se fez sentir com intensidade quando as bancadas voltaram a estar preenchidas.
Ninguém terá dúvidas de que Roger Schmidt não goza das boas graças do Terceiro Anel e que, inclusivamente, será, de todos os nomes que acima foram invocados, aquele que patina em gelo mais fino. E nem valerá a pena perder tempo a avaliar de quem foram as culpas da situação a que a relação do treinador com sócios e adeptos chegou.
Aliás, seria bem interessante que fosse clarificada a responsabilidade na feitura do plantel, que jogadores foram desejados por Schmidt e quais aqueles que lhe foram impostos, para se perceber como foi possível, num ano apenas, desequilibrar um plantel que primava pela homogeneidade e hipotecar um modelo de jogo que teve sucesso enquanto foi baseado na pressão alta, o que obrigava a que todos se emprenhassem a fundo no processo de recuperação da bola. Mas deixemos o detalhe dessa análise para outra ocasião. Para já, é por demais evidente que Rui Costa tem em mãos um problema delicado, de cuja resolução poderá depender em grande medida o sucesso do Benfica em 2024/2025.
O bom-senso aponta para que, perante a degradação da posição de Roger Schmidt, o Benfica dê por terminada a relação com o treinador alemão e vá em busca de uma solução inclusiva, empática e ao mesmo tempo ambiciosa e competente. A história, como se viu, vai exatamente no mesmo sentido. Tem a palavra Rui Costa…"
José Manuel Delgado, in A Bola