"Sejam (os) transparentes: há uma disputa, mesmo que surda, e entre nós, entre Federação e Liga, entre clubes relevantes e Liga.
1. O Benfica fez até ao momento cento e doze milhões e meio de euros em venda de jogadores. Números que impressionam. Luzes de milhões. Três dos titulares da sua defesa na última época e da sua equipa legitimamente ganhadora da última liga - ou seja do merecido tetra! - vão jogar na riquíssima liga inglesa e na linda cidade de Manchester e, também, na fortíssima e emblemática cidade de Barcelona e no seu clube de referência. E em relação a Nélson Semedo com uma imensa alegria financeira para Sintra e para o Sintrense. Recordo bem que o Nelsinho vestiu a bonita camisola do Sintrense em 2008/2009 com 15 anos. Há cinco anos foi transferido para o Benfica, tornou-se um defesa direito de excelência, chegou à Selecção Nacional e, agora, salta para Barcelona e vai conviver num balneário singular com Messi, Neymar e companhia. Vamos ter saudades da sua raça e das suas arrancadas. Dos seus centros e dos seus remates. Vamos recordar o seu percurso de Sintra ao Seixal com paragens de sonho no Estádio da Luz e em muitos estádios desta Europa do futebol. Mas a vida, esta nossa vida, é feita de constantes mudanças. E o Nelsinho que vi jogar a médio direito é, agora, um defesa direito que chama a atenção da Europa. É um exemplo para muitos jovens. Com trabalho e paciência, força e fé, perseverança e dedicação deixa um grande clube europeu e chega a um clube grande da Europa. Toda a sorte do mundo Nelsinho! Força! E sabemos bem que «a força sem inteligência é como o movimento sem direcção»!
2. Cada pré-época é um misto de surpresas impensáveis e de alegrias imprevistas. Ontem, na Suíça, o Benfica sofreu porventura golos a mais. Foi uma sombra de Benfica. Ontem frente ao pré Liga dos Campeões, o Young Boys, o Benfica sofreu cinco golos e mostrou que há que ter tempo para (re)construir uma nova defesa. Rui Vitória vai agarrar, vitoriosamente, mais este desafio. Com que se confronta, com uma naturalidade que perturba e uma segurança que impressiona, cada arranque de época. Ele sabe que o paradigma do Benfica, deste concreto Benfica, implica e determina em cada final de época - ou no seu meio em Janeiro! - que haja vendas impressionantes e aquisições motivantes. Ele sabe que tem de recompor a equipa e constata até finais de Agosto que tem de estar preparado para partidas e chegadas ditas quase inesperadas. Mas programadas como viáveis possibilidades. Mas que para ele, para Rui Vitória, as saídas e as entradas são sempre possíveis e assumidas com a naturalidade de ser um dos vértices relevantes do paradigma que o Benfica assumiu nos últimos anos e que tem na Academia do Seixal - veja-se Diogo Gonçalves! - o eixo motivante desta roda. Roda de um eixo que está para além de tantos e-mails, de perturbações e de condicionalismos que tornam singulares este futebol português. E da sua dita indústria. E Rui Vitória sabe que a reconstrução exige tempo e determina muita paciência. Acima de tudo para os adeptos. Mas o Benfica, este Benfica, também sabe que é na defesa que se constroem as conquistas das ligas. E a conquista do penta, nas actuais circunstâncias e como o ambiente condicionante, tem de ser um desígnio estratégico. Vivemos tempos de adaptação e de experiências. Vivemos momentos de novas companhias e de outras rotinas pessoais. E mesmo com a dor dos golos sofridos ontem na Suíça continuamos a acreditar nesta equipa e no conjunto das suas opções e a ter a convicção que ainda haverá outras saídas e novas entradas. Algumas ainda nesta quinzena de Julho e outras até ao final desde período fantástico de intermediação mundial de jogadores, ou seja, até final de Agosto. Já que «a única forma de prever o futuro é ter poder para formar o futuro»! Futuro que é também luz!
3. No desporto acredito que há consensos possíveis e compromissos improváveis. Neste desporto, e no seu concreto ambiente, há propostas que surgem e que, de repente, desaparecem. No desporto, nas suas actuais circunstâncias, há uma disputa oculta que determina que haja actores políticos responsabilizados e outros, os motivantes, ignorados. Escondidos nas traseiras de um palco em que o silêncio é cativante. O que ocorreu acerca de uma proposta de alteração legislativa no que concerne a poderes disciplinares e de arbitragem não tem uma cor de responsabilidade. Pode ter intervenientes com saudável ingenuidade face aos tempos que correm. E lemos opiniões, acrescento que legítimas, ao longo da semana - em, particular sexta e sábado - que se esquecem que o poder é uma realidade tridimensional e envolve poder, influência e autoridade. E no futebol o poder não está concentrado. Está distribuído. Muito distribuído. E na situação e ambiente que vivemos qualquer mudança perturba e arrepia. Se para uns é gula para outros é guerra. Se para uns é força para outros é fraqueza. Se para uns é necessidade para outros é fatalidade. Se para uns é realização para outros é imaginação. Sejam(os) transparentes. Há uma disputa, mesmo que oculta, e entre nós, entre Federação e Liga. Entre órgãos federativos e a Liga. Entre clubes relevantes e a Liga. Entre a angústia do situacionismo do Porto, não da luta pela sede da agência europeia do medicamento, e o sempre referenciado centralismo de Lisboa. Ou, agora, em rigor, e em termos do futebol lusitano, de Oeiras e do seu palco desportivo de excelência. Sei, desde que li Luc de Clapiers Vanvenargues que «quem é capaz de suportar tudo pode atrever-se a tudo». Mas sei também com Gandhi que «a força não provém da capacidade física, mas da vontade férrea». E esta força e esta vontade determinam muita lucidez. Já que desde Goethe sabemos que «a claridade é uma justa repartição de sombras e luz!» Digo bem: sombras e luz!"
Fernando Seara, in A Bola