Últimas indefectivações

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

As Vozes do Crime

"Quando a mensagem não agrada, ataca-se o mensageiro. Foi assim em tempos antigos, e no futebol português, muitos séculos depois, a máxima continua a aplicar-se.
Perante a publicação de conversas que expõem, de forma pornográfica, o clima de podridão em que muitos campeonatos nacionais de futebol decorreram, perante a revelação de obscuras manobras de influência e viciação de resultados, o que interessa a alguns puristas deste país é salientar (e castigar) a atitude de quem – decerto indignado com a impunidade que brotou dos tribunais - as trouxe aos nossos incrédulos ouvidos. Perante graves crimes de corrupção, estas virgens ofendidas preocupam-se com pequenos ilícitos processuais, pretendendo, sob as asas do acessório, abafar o essencial.
Aos Ruis Moreiras deste país, pouco importa o conteúdo das escutas. Nada interessa que elas demonstrem, passo por passo, os métodos seguidos, durante anos, pelo seu clube, e que deixem a nu o aspecto central de toda esta questão: a justiça civil portuguesa, mergulhada num mar de insuficiências e equívocos, falhou neste processo. A eles apenas interessa o silêncio. Ou antes, uma cortina de fumo que transforme culpados em vítimas, e crimes graves em coisa nenhuma. Interessa, sobretudo, manter a capa de legitimidade que muitos dos títulos conquistados pelo FC Porto se percebe não merecerem.
As escutas telefónicas não são uma prática simpática, e ninguém gostaria de viver num país em que qualquer conversa pudesse ser escutada sob qualquer pretexto. Mas muito pior do que isso é viver num país em que os crimes ficam invariavelmente impunes, e os seus autores são objectivamente convidados a reincidir, em nome de um sistema ultra-garantístico, de operacionalidade labiríntica, de isenção questionável, e de eficácia nula, que é capaz de absolver mesmo dispondo de provas óbvias diante do seu nariz, virando cinicamente as costas às evidências. Neste caso concreto, nenhum cidadão de boa fé entende como puderam ser desprezadas escutas que já existiam, e provavam claramente os actos em apreço. E quando um sistema de justiça deixa de ser entendido pelo cidadão comum, deixa de cumprir a sua missão. Deixa de ter utilidade. Não serve para nada.
É ilegal a publicação das escutas? Pois que seja. Em face de uma “justiça” entorpecida, decadente e moribunda, quase se torna moralmente legítimo que o cidadão ignore algumas das obtusas normas com que o pretendem afastar da verdade. Há muito que não acredito na justiça em Portugal. Logo, não acredito no equilíbrio ou pertinência das suas vielas processuais, que na maioria das vezes - e suspeito que seja precisamente essa a sua razão de ser – apenas conduzem a becos de impunidade. Mais do que um “Estado de Direito” de fachada, interessa ao país um “Estado de Justiça”, em que a verdade seja devidamente apurada, e o crime seja devidamente punido. O Apito Dourado, e todos os seus contornos, mostram que, lamentavelmente, vivemos muito longe dessa realidade.
De resto, não estamos aqui perante qualquer violação gratuita da privacidade de ninguém. Nenhuma das escutas publicadas revela conversas de teor familiar, ou remete para qualquer circunstância privada da vida dos indivíduos em causa. Todas as escutas tratam de esquemas de favorecimento. Todas tratam de jogos de bastidores. Todas tratam de corrupção desportiva. Todas tratam de crimes. Por isso tanto nos interessam. Por isso tanto interessam ao futebol português, e deviam interessar também aos tribunais.
É em nome da justiça, e, sobretudo, em nome da verdade, que elas devem ser ouvidas, divulgadas, debatidas e comentadas. Há quem as tente desesperadamente silenciar, mas se ainda existem alguns aspectos positivos nesta globalizada sociedade da informação, um deles é precisamente o facto de permitir aos cidadãos fazer ouvir democraticamente a sua indignação, sem que os bloqueios das forças do situacionismo, do medo, ou da subserviência, o possam impedir.
Ninguém nos vai devolver os campeonatos perdidos. Ninguém nos vai ressarcir dos danos directos e indirectos que décadas de vício nos impuseram. Se a justiça não fez o seu papel, se os prevaricadores continuam a rir-se dela, do futebol, do país e de todos nós, pouco mais nos resta do que a revolta. E perante ela, pedirem-nos para tomar em conta aspectos de ilicitude lateral não é mais do que um desprezível insulto à nossa inteligência."

Sacrifício

"Não é fácil pedir a um benfiquista de longe de Lisboa que deixe de ver e apoiar o Benfica ao vivo nas raras oportunidades que tem para o fazer: quando o Benfica joga fora de casa, enchendo estádios por esse País fora. Não é fácil pedir, como não é fácil aceitar o sacrifício. A festa do futebol não é apenas o Estádio da Luz cheio, a transbordar de vibração benfiquista. A festa é também cada visita do único clube português com implantação verdadeiramente nacional - e não só - com uma perspectiva de casa cheia pelos adeptos benfiquistas do Minho à Madeira. Cada deslocação do Benfica representa uma hipótese rara de lotação esgotada... em grande parte pelos benfiquistas, a alimentarem o negócio do futebol, das receitas de bilheteira às audiências da televisão.
Mas será justo que o Benfica, que é o motor do negócio do futebol, alimente com a dedicação dos seus adeptos as negociatas do 'sistema' que rouba a única equipa portuguesa que enche estádios por onde passa?
Não só não é justo, como é perverso. O Benfica que arrasta multidões de adeptos tem na multidão essa arma poderosa para lutar pela verdade desportiva. Custa muito aos adeptos deixarem de seguir o Benfica nos estádios, fazendo de cada jogo fora um jogo em casa. Sem dúvida. Mas ainda vai custar mais aos que directa ou indirectamente se alimentam da mentira no futebol em Portugal - porque são satélites do 'sistema', ou simplesmente porque beneficiam, simultâneamente, com resultados viciados que lhes atribuem pontos roubados ao Benfica e com receitas proporciondas pelos adeptos benfiquistas.
O sacrifício tem contas fáceis de fazer: trocar umas horas de fervor benfiquista dentro de estádios alheios, por um futuro com mais verdade no futebol em Portugal."

João Paulo Guerra, in O Benfica

"Vitórias & Património"

"Não percam, não deixem de ver. Gravem, revejam, estejam atentos à nossa grelha de programação! O apelo tem razão de ser, podem confiar. A Benfica TV exibe em diferentes horários mas com a estreia marcada para todas as terças-feiras, às 21.30, um documentário que ficará na memória de todos quantos sentem o Sport Lisboa e Benfica enquanto seu, enquanto pedaço da sua memória. A actualidade também terá direito de antena no 'Vitórias & Património', não se limitando os documentários às conquistas de décadas passadas.
O Campeonato Invicto, conquistado na temporada futebolística de 1972/1973, preencherá o segundo capítulo desta série. Nesse período, o Benfica conseguiu um feito que permanece inédito no futebol português: a conquista do nacional de futebol sem uma única derrota.
'Vitórias & Património' recria os momentos de incerteza e de alegria vividos pelos jogadores e adeptos, num episódio em que a emoção é a palavra-chave.
Jogadores do nosso contentamento como Augusto Silva, António Simões, Toni, Artur Santos e José Bastos assinaram o livro de presenças na apresentação do novo programa da Benfica TV à comunicação social.
'Vitórias & Património' insere-se nos objectivos directivos do SLB, do presidente, dos Órgãos Sociais, das figuras que fazem respeitar os interesses dos sócios, preservando e documentando com rigor e cuidado a herança benfiquista. É um programa imune a adversários e indiferente a questões menores, faz-se em nome da marca de Portugal no mundo, mesclando a existência e evolução deste Clube com a do País.
Não percam, gravem, revejam, estejam atentos à grelha da Benfica TV."

Ricardo Palacin, in O Benfica

Gostei bastante do primeiro episódio, principalmente da parte onde o Julinho conta que após um jogo, de muito sofrimento, a caminho do balneáreo, deu o melhor soco da sua vida a um adepto que o vinha congratular!!! (se quiserem saber mais, vejam)...

Mais do que um Clube

"Se dúvidas existissem sobre o carácter universal que assume o nosso clube, a recente homenagem aos 33 chilenos que durante 69 dias ficaram soterrados numa mina é a prova cabal que o Benfica é muito mais do que apenas um clube de futebol. As responsabilidades que assumimos no campo social são por demais evidentes e os nossos sócios e adeptos revêem-se nesta politica. Não falo apenas no auxilio a antigos atletas, ajuda financeira aos mais carenciados ou homenagens a título póstumo. Não, o Benfica é mais do que tudo isso. Está acima da importância de cada um, para se projectar definitivamente enquanto instituição secular que visa o auxilio à carência humana.
A Fundação Benfica, é justo aqui referenciá-la, presidida por Carlos Móia, é o exemplo mais significativo do que acabo de escrever. As recentes acções para com as populações da Madeira a todos deixaram orgulhosos e cientes do papel que esta organização representa no universo do Clube.
É pois nesta vontade em ajudar os outros, minimizando as atrocidades terrenas em que muitas vezes somos desprevenidamente apanhados, que desejamos subir mais um dregau. É com orgulho redobrado que digo que faço parte deste património desportivo mas também humano que é o Sport Lisboa e Benfica. E comparar esta realidade àquela que nos consome a cada fim-de-semana, onde costuma pontificar o erro do árbitro, a bola que bate na trave ou a falta de inspiração de determinado atleta, leva-nos a tomar consciência que há muito mais em jogo.
A homenagem que o Benfica fez aos mineiros chilenos, na pessoa do senhor embaixador chileno, foi um dos actos mais bonitos a que assisti e que certamente entrará na História deste Clube.
Nota final: Esperançado em que o Benfica consiga manter o mesmo causal de jogo ofensivo, a mesma intensidade e o mesmo acerto na finalização, de modo a que consigamos sair do Estádio do Algarve de cabeça erguida, com mais três pontos na classificação e a intensificar a pressão 'sobre' o 1.º lugar do Campeonato Nacional."
Luís Lemos, in O Benfica

O indefensável

"O futebol põe as pessoas a dizer coisas extraordinárias. Os mais inteligentes tornam-se básicos, os mais lúcidos mentecaptos, os mais equilibrados talibãs, os mais frontais cordeiros, os mais coerentes demagogos profissionais.

E um excelente exemplo foi buscá-lo recentemente Ricardo Araújo Pereira: Miguel Sousa Tavares e Rui Moreira ficaram danados com as escutas a José Sócrates no caso Face Oculta. Com razão. As escutas só podem ser públicas quando têm como função a persecução da justiça. E a justiça não se faz nos jornais ou no YouTube. Mas sobre as escutas a Sócrates, acrescentou nessa altura Miguel Sousa Tavares: “Uma vez que as conhecemos, não podemos fingir que não conhecemos.” Rui Moreira explicou este raciocínio, que subscrevo: “Ninguém se pode alhear do que é público e das suas consequências. Diferente é o ato de divulgar e promover escutas ou tentar reabrir, na praça pública, processos já julgados em tribunal.” Mas isso deve aplicar-se aos dois casos. Devemos condenar a divulgação das escutas a Sócrates e a Pinto da Costa. Não podemos ignorar nenhuma delas. Só que quer Moreira quer Sousa Tavares condenam as duas mas decidem ignorar o conteúdo de apenas uma delas.

O que eu não posso ignorar, mesmo que quisesse, é que há um dirigente de futebol que não tem meias-medidas nas suas relações promíscuas com a arbitragem. Queria não saber. Mas sei. Ouvi. E imagino que Rui Moreira e Sousa Tavares ouviram. O problema do futebol é que, ao contrário do que acontece com a política, nunca mudamos de lado. E não mudando, ficamos sem palavras quando o nosso clube se porta mal. O problema de Rui Moreira e Miguel Sousa Tavares é que não ficaram sem palavras. Prestam-se a defender o indefensável."

Quarto poder

"Conseguirei escrever uma prosa onde não lamente uma sucessão de desonras? Nem mesmo depois de o Sporting voltar a encher as medidas, e as balizas, com golos de todos os tamanhos e feitios? É preciso estofo para insuflar esperança no futuro quando os indicadores económico-financeiros cada vez nos enterram mais para uma longa letargia. E quem tem filhos, eu três, que esperança ainda dispõe para os motivar a lutar, a acreditar numa sociedade irresponsável, apostada em deixar para os sucessores o ónus da solução dos seus devaneios?

Caio invariavelmente na recorrência das teses mais nobres. Ética, honra, normas de conduta, respeito e tolerância constam nos mais eloquentes discursos. Estão, no entanto, ausentes da prática. A humanidade focou-se no lucro, no consumo, no espetáculo sem regras, conspurcado de doping em cada poro.

Adepto confesso de ciclismo, ainda me mantenho inquieto com a lama que avilta Alberto Contador. O grande ausente da cerimónia de apresentação da edição do Tour de 2011. No nosso pelotão a epidemia atinge, há anos, indiscriminadamente. Recentemente, a alimentação ganhou estatuto de bode expiatório para as causas mais variadas que julgam desculpar valores PROIBIDOS.

A convite do jornal “O Jogo”, há não muito tempo, foi convidado um jornalista inglês que garantiu que a corrupção ao mais alto nível enleava os delegados dos comités olímpicos nas atribuições das cidades-sede da competição das competições, entre outras corajosas revelações.

A celeuma causada pela reportagem do “Sunday Times”, do pretérito fim-de-semana, é incapaz de surpreender. A investigação britânica adiantou os nomes de um nigeriano, Amos Adamu, e de um taitiano, Reynald Temarii, cada um com o seu esquema. O africano, membro do comité executivo da FIFA, foi filmado a pedir 570 mil euros para votar favoravelmente numa candidatura. O representante da Oceânia reclamou 1,6 milhões de euros para vender o seu voto. Este último é vice-presidente da FIFA e presidente da Confederação. Joseph Blatter reagiu com a habitual indignação de circunstância e rematou com um: “Querem que feche a porta?” Talvez fosse mais digno. Portas fechadas para limpeza geral. Num momento de eleições da FPF, a cereja para a exoneração de Gilberto Madaíl surgiu pouco depois, quando a candidatura de Portugal e Espanha e a do Qatar, para o Mundial de 2018 foram envolvidas numa investigação sobre suspeitas de negociação para trocar votos.

Com tão pouco tempo para abandonar o cargo, Madaíl honraria os portugueses com uma demissão imediata até ao apuramento de toda a verdade. E, por favor, podem parar de rir. Um dia assistiremos a um ato tão digno. Talvez uns “corninhos” à Manuel Pinho lhe indicassem a porta de saída.

Por fim, gostava de enfatizar a fonte destas notícias. Os jornais ingleses que amiúde são apontados como desonrados atiraram a pedrada no charco e, exemplarmente, remeteram-nos para um dos papéis fundamentais do jornalismo: investigar sem medo dos protagonistas da notícia e dos interesses que os envolvem. Assim se expressa o quarto poder."

Taxas e tachos

"Em Portugal, os clubes deixaram de se preocupar, nalguns casos, com o objeto primacial dos seus estatutos, para dar guarida a um conjunto de pessoas que veem neles uma extraordinária hipótese de se governarem.

A elite política, em lato sensu, durante anos, encheu os bolsos à custa da ignorância/desinformação dos eleitores, alguns dos quais – no plano das elites, sempre – beneficiaram, igualmente, de um conjunto de imparidades, muito bem camufladas pelo sistema financeiro. Pela banca, por organismos estatais e por uma economia paralela transversal ao mercado de trabalho a criar a ilusão de que seria possível perpetuar a artificialidade e a mentira, recorrendo a mecanismos de controlo e fiscalização que, afinal, apenas controlaram e fiscalizaram os impulsos, sempre esporádicos e isolados, da descoberta da verdade.

E eis-nos de tanga, divididos entre a aprovação e o chumbo do Orçamento, certos de que não haverá “golos” suficientes para resolver e atenuar o impacte de uma crise a poder ter um impacte bem menor nas nossas vidas, se não houvesse tanta promessa, tanta demagogia, repito, tanta mentira e tantos truques a cavar desigualdades sociais absolutamente arrepiantes.

O futebol, à escala universal, percorreu o mesmo caminho: campeonatos comprados, árbitros corrompidos, candidaturas compradas e um sistema inimputável de tráfico de influências, a desvirtuar a Verdade Desportiva.

O futebol gastou o que não tinha, inflacionou os passes dos jogadores, proclamou um regime de intermediação que pagou comissões milionárias por jogadores-pernas-de-pau, utilizando off-shores e fugindo à tributação/taxação do Fisco.

Esgotaram-se quase todas as fórmulas receituárias de criação de riqueza. E entrámos no “vale-tudo”. Os clubes deixaram de ser “desportivos” para serem, nalguns casos, bons empregadores, cortando nos “mil euristas” para continuar a pagar altos vencimentos a um conjunto de funcionários ou contratados a prazo, aos quais é preciso juntar a lógica das pornográficas indemnizações. Sem auditorias externas. Entre as taxas e os tachos, há um mundo para regular.

NOTA – O Benfica partiu para a atual edição da Champions com grande optimismo, designadamente declarado pelo seu treinador. Nem Jorge Jesus contabilizou o impacte das saídas de Ramires e Di María e as “não entradas” de Salvio, Jara e Gaitán. Há menos David Luiz, muito menos Maxi e a equipa joga em esforço, assim a modos que “à força do chicote”. Fábio Coentrão não chega para tudo. E a equipa esforça-se mas não tem qualidade para mais. É difícil fazer o reconhecimento da realidade por quem fez um campeonato tão “excecional” na época passada. Daí talvez o nervosismo. Daí talvez a dificuldade de se aceitar que este Benfica é uma caricatura do “Benfica-campeão-nacional”...

NOTA 1 – O presidente da AG da FPF, Avelino Ribeiro, disse (em 15 do corrente) que “os estatutos não consentem eleições intercalares” (para o Conselho de Justiça da FPF). Agora acaba de convocá-las. Quem aceitar este ‘presente envenenado’ (em nome de que princípio?) ficará “marcado para a vida”. Fazem fila os “técnicos-de-Direito-de-vão-de-escada”? A crise é grande, mas..."
Apesar de ser muitíssimo improvável, ás vezes até concordo com o 'dito cujo'!!! É muito raro, mas acontece. Esta cronica é um bom exemplo, discordo da analise ao Benfica, principalmente da 'caricatura', o Benfica não está tão forte como a época passada, é verdade, na Europa a diferença nota-se mais, mas internamente em condições normais, mesmo baixando o nível, deveríamos pelo menos estar na luta pelo titulo até ao final do Campeonato!!! O resto da cronica, subscrevo totalmente...

Sonhei

"HÁ dias, tive um sonho. Numa peregrinação onírica aos programas televisivos sobre futebol, usufruí um Tempo Extra que me permitiu um Prolongamento com Mais Futebol para o Dia Seguinte, dei um Pontapé de Saída no Jogo Jogado, entrei na Zona Mista e, para meu espanto, deparei com o Trio d’Ataque. Nessa altura - eu que até sou hipertenso - passei por Pressão Alta. Extenuado acordei de supetão.
Então lembrei-me do que alguém disse um dia: «A inflação acontece quando a mão fica maior que o bolso.» A proliferação de tantos programas comporta o perigo de a forma se superiorizar ao conteúdo. De tanto excesso, desvaloriza-se o valor.
Claro que há bons jornalistas e bons comentadores. E programas para todos os gostos e desgostos: uns sobre futebol, outros nem por isso. Uns antes, outros depois. Uns sobre o jogo, outros sobre tudo menos o jogo. Uns quase científicos, outros humorísticos. Uns divertidos, outros convertidos. Uns clubisticamente anódinos, outros insuportavelmente tendenciosos. Uns de régua e esquadro, outros de opereta bufa. Uns orientados pela razão, outros conduzidos pela emoção.
Mas o que menos suporto, em alguns deles, é a discussão compulsivamente enviesada à volta da repetição dez ou quinze vezes de um tal lance, falta ou golo. Passam-se horas a fio a falar do desamparado árbitro que errou ou acertou, depois de vistos e revistos em slow motion e imagem parada e ampliada, como se a realidade assim fosse. No fim, sobre o jogo - o tal que é jogado - nem uma palavra.
Nestas alturas, suspiro pela próxima Liga dos Últimos que me diverte e me ensina. É que, afinal, o futebol é genuinamente popular e assim deve continuar. No fundo, o regresso às (boas) origens: «O futebol: esse reino de lealdade humana exercida ao ar livre», como, nesse tempo, bem definiu Antonio Gramsci."
Bagão Félix, in A Bola