"Tornou-se treinador principal do Benfica há precisamente três décadas. Recusara o convite três anos antes mas, em Novembro de 1987, aceitou o grande desafio.
- Recorda-se do que aconteceu na noite de 27 de Novembro de 1987?
– Presumo que é a data do Benfica-Farense que ditou o afastamento de Ebbe Skovdahl, o dinamarquês que treinava o Benfica na temporada de 1987/88.
- É isso precisamente. Que memórias tem sobre o que sucedeu?
– Tínhamos iniciado mal a época, o FC Porto era líder destacado (5 pontos, no tempo em que a vitória valia 2 e não 3 pontos) e a contestação subia de tom. Nessa noite defrontámos o Farense (de José Augusto), na Luz, e o ciclo negativo culminou com esse empate (2-2). Ficámos todos muito dececionados e fomos logo para casa porque no dia seguinte íamos para a Arábia Saudita, participar na festa do 80º aniversário do Al-Ahli. A meio da madrugada recebi um telefonema a comunicar-me que Skovdahl tinha sido destituído e que seria eu a assumir o comando.
- Como reagiu?
– Precisei de articular as ideias mas disse que sim, iria com a equipa, e que o resto logo se veria. Em boa verdade, o que me interessava mesmo, a partir desse momento, era falar com o treinador cessante para lhe explicar o que tinha sucedido, deixando as coisas totalmente claras relativamente à minha posição. Para mim foi sempre muito importante vincar a lealdade com os treinadores principais com quem trabalhei como adjunto. Foi assim com Lajos Baroti, Eriksson, Ivic, Csernai, Mortimore… Deixei sempre bem vincado que louros e fracassos têm de ser repartidos por todos os elementos da equipa. Nenhum deles tem razões de queixa a meu respeito nesse capítulo.
- Em função do que li nos jornais da época, não foi imediata a sua posse como treinador do Benfica…
– Pois não. Recordo-me de que, a caminho da Arábia Saudita, onde ganhámos 4-0, fizemos escala em Paris e fui ver um jogo do Matra Racing (com o Laval), então treinado pelo Artur Jorge, que vencera a Taça dos Campeões pelo FC Porto uns meses antes. Jantei com ele, falámos sobre muitas coisas, incluindo, naturalmente, a posição em que me encontrava. Foi um encontro importante para tomar a decisão.
- Os dirigentes não estariam todos de acordo, porque o presidente João Santos disse que era a sua grande oportunidade, mas Gaspar Ramos disse que havia a dúvida se a escolha recairia sobre um português ou um estrangeiro…
– Até à decisão final passaram-se alguns dias, disso recordo-me bem. Mas não memorizei esses pormenores. Naquela altura houve vários jogos e eu limitei-me a treinar a equipa, esperando por uma definição do caso. Até porque também eu queria escolher a equipa técnica com quem iria trabalhar.
- Foi nessa altura que chamou Jesualdo Ferreira?
– Precisamente. Achei fundamental ter alguém da minha inteira confiança e de reconhecida competência como adjunto.
- É verdade que já tinha sido convidado para treinador principal do Benfica e não aceitou?
– Sim, é verdade. Quando Tomislav Ivic substituiu Eriksson, em 1984, e saiu ao fim de poucas semanas, antes mesmo do início oficial da época, desempenhei o cargo transitoriamente. Em determinado momento, e depois de alguns jogos particulares em que me sentei no banco como treinador principal, endereçaram-me o convite. Senti-me honrado mas entendi que não era uma proposta convicta, consistente, no tempo certo… Essa decisão não foi bem entendida por muitas pessoas ligadas ao Benfica mas foi assim que vi as coisas. Fizemos, por essa altura, um jogo com o Atlético Madrid, e fiquei a saber que Pal Csernai estava na Luz a assistir. Foi ele o escolhido.
- O que mudou, em três anos, para aceitar esse desafio em 1987?
– Mudou muita coisa, quase tudo, diria eu. Tinha mais experiência e ganhei confiança e convicção suficientes para assumir tamanha responsabilidade. Não me preocupei com o que me rodeava, porque só tinha de provar a mim próprio que era capaz.
«Empate com o FC Porto fez-nos pensar na Europa»
- Lembra-se dos primeiros jogos como treinador principal ?
– O primeiro foi o já referido frente ao Al-Ahli, na Arábia Saudita, que vencemos por 4-0. Já em dezembro, seguiu-se a primeira mão da Supertaça, com o Sporting, na Luz. Dei oportunidade a jogadores que estavam afastados da equipa, como o Bento e o Chalana, mas perdemos por 0-3. Na semana seguinte estreei-me no campeonato, em Coimbra, com a Académica, com vitória por 4-2. Não posso precisar a data certa em que assumi definitivamente o cargo, mas tenho a certeza quase absoluta de que, nessa altura, já não havia dúvidas de que ficaria até final da época.
- O campeonato ficou perdido precocemente…
– Sim, é verdade, deixámo-nos atrasar e ficámos numa situação difícil. Tivemos apenas uma oportunidade de entrar na corrida: em finais de Janeiro recebemos o FC Porto e, se vencêssemos, teríamos ainda algumas hipóteses de lutar pelo título. Empatámos, o adversário continuou distante e, mesmo sem termos desligado, o empate com o FC Porto fez-nos pensar na Europa.
- Concentraram forças para o jogo com o Anderlecht?
– Sim, já sabíamos que íamos medir forças com eles em Março e, sem desligar do campeonato, começámos a preparar esse embate dos quartos-de-final da Taça dos Campeões. A coisa correu bem e chegámos à meia-final, frente ao Steaua Bucareste do enorme Hagi, que derrotámos de modo claro.
- O que mais recorda da final com o PSV Eindhoven?
– Ui, tanta coisa: a lesão do Diamantino, as botas a saltarem dos pés dos nossos jogadores, a grande expressão do Benfica como clube mundial, a decisão nos penáltis que nos foi desfavorável...
«Equipas de 1988/89 e 1993/94 eram fortíssimas»
- Em que patamar coloca a equipa que foi à final da Taça dos Campeões de 1987/88?
– Não vou dizer que era a melhor e a que tinha mais soluções entre aquelas que orientei no Benfica. Mas tinha muito caráter e permitia fazer um onze muito competitivo.
- A de 1993/94, que foi campeã, era melhor?
– As equipas de 1988/89 e 1993/94 eram fortíssimas. Foram campeãs nacionais com muito mérito porque, tanto uma como outra, dispunham de imensa qualidade.
- As do novo século destoaram no seu percurso na Luz...
– Essas surgiram num contexto de grandes dificuldades, já em plena travessia do deserto. Foram equipas construídas muitas vezes sem critério e o insucesso desses anos não foi surpreendente.
«É um orgulho ter treinado o Benfica»
- Recordar o momento em que assumiu o comando da equipa principal do Benfica que sensações lhe suscita 30 anos depois?
– Suscita-me o orgulho por ter treinado o Benfica e ter tido a sorte de ser campeão – também como jogador. E, tal como já referi, sinto hoje o conforto de o ter feito no momento certo. A proposta foi mais credível e por isso não tive dúvidas em aceitá-la. Não o fiz para provar a alguém que era capaz. Como também já disse, a questão era mostrar a mim próprio que dispunha de condições para cumprir a tarefa.
- Há 30 anos, como foi possível mandar embora um treinador (John Mortimore) que vinha de ganhar Campeonato e Taça?
– É uma longa história e este não é o tempo nem o espaço para a dissecar. Hoje não faz sentido mas naquela altura também não fazia, embora então fosse menos relevante fazer a dobradinha, porque o Benfica vencia com mais regularidade. E depois Skovdahl foi apresentado como sendo da escola de Eriksson, que permanecia como referência para os adeptos.
- Recordar o momento em que assumiu o comando da equipa principal do Benfica que sensações lhe suscita 30 anos depois?
– Suscita-me o orgulho por ter treinado o Benfica e ter tido a sorte de ser campeão – também como jogador. E, tal como já referi, sinto hoje o conforto de o ter feito no momento certo. A proposta foi mais credível e por isso não tive dúvidas em aceitá-la. Não o fiz para provar a alguém que era capaz. Como também já disse, a questão era mostrar a mim próprio que dispunha de condições para cumprir a tarefa.
- Há 30 anos, como foi possível mandar embora um treinador (John Mortimore) que vinha de ganhar Campeonato e Taça?
– É uma longa história e este não é o tempo nem o espaço para a dissecar. Hoje não faz sentido mas naquela altura também não fazia, embora então fosse menos relevante fazer a dobradinha, porque o Benfica vencia com mais regularidade. E depois Skovdahl foi apresentado como sendo da escola de Eriksson, que permanecia como referência para os adeptos.