"Não me parece que Jorge Jesus deixe um dia o Benfica para treinar um clube no estrangeiro.
Parece não haver muitas dúvidas de que os benfiquistas, de um modo geral, gostaram muito de saber que Jorge Jesus vai continuar a ser o treinador da Luz. Depois de um pequeno (mas significativo) período de tabu, que até parece ter interessado as partes - Jesus, por um lado, talvez a querer testar o quanto era ou é realmente desejado, e o Benfica, por outro, a querer saber o quanto verdadeiramente queria Jesus continuar a estar no Benfica -, lá veio a sagrada palavra do presidente como ponto final na equação.
Jesus fica? Jesus sai? É melhor Jesus ficar ou é melhor Jesus sair? É melhor sair a ganhar ou é melhor arriscar voltar a perder?
As perguntas duraram meia dúzia de dias e nessa meia dúzia de dias Jesus jantou com o número 2 de Berlusconi no Milan e disse um par de vezes que a paixão pelo Benfica não o impedia de ter as malas feitas.
O povo encarnado foi ficando a dúvida até ouvir da boca do presidente que Jesus continuará a ser o treinador encarnado, e ouvir mais ainda, que Jesus continuará a sê-lo pelos anos que desejar.
Pois bem, por agora o povo benfiquista, de um modo geral, parece ter gostado muito de ouvir o que ouviu, sobretudo porque acaba de ganhar tudo em Portugal, esteve de novo numa final europeia, apaixonou-se pelo futebol da equipa e em particular por alguns jogadores e está, parece-me também claro, confortavelmente adaptado ao estilo do treinador, ao modo de falar do treinador, em especial àquele seu lado mais autêntico e menos elaborado com o qual o próprio Jesus se sentirá sempre fatalmente melhor, como é evidente, pela óbvia razão de ser esse o seu lado mais verdadeiro.
«Não sou o Eça de Queiroz... e portanto quero que me julguem como treinador?, foi uma das frases marcantes da muito esperada entrevista que Jesus concedeu ao canal de televisão do clube, e diz bem da intenção do treinador de manter relação extraordinariamente popular com os adeptos, como sabemos, gostam disto, gostam de gente popular, porque gostam mais facilmente de alguém que veste simplesmente a própria pelo e não a de uma qualquer personagem de conveniência.
Jesus, na verdade, tem sido quase sempre como é, cru com todos os seus defeitos de expressão ou linguagem, e mesmo defeitos de atitudes e comportamento.
Como ele próprio o disse, será sempre melhor ouvir alguém dizer as coisas certas com as palavras erradas do que as coisas erradas com as palavras certas, apesar de Jesus ter dito também, aqui e ali, as coisas erradas igualmente com as palavras menos certas.
Parecendo um cliché, a verdade é que faz sentido dizer-se que Jesus cresceu com o Benfica e que o Benfica cresceu também com Jesus.
Está criado no clube um modelo de jogo que agrada aos adeptos - sim, um modelo à Jesus e não um modelo ainda estruturalmente à Benfica -, e a organização do futebol encarnado está hoje muito mais e melhor preparada para o nível de competição que desafia todas as épocas.
Talvez o treinador com que Filipe Vieira vai procurar voltar a vencer na próxima época seja hoje um treinador menos inseguro e menos insensato, apesar de ainda um pouco fanfarrão e ainda um bocadinho solitário e individualista, apesar de mais humilde e mais capaz, apesar de tudo, de valorizar o papel e o trabalho dos que o rodeiam e o esforço e o mérito dos adversários.
Parece-me, por outro lado e até ver, que sendo certamente um grande treinador de futebol, é um treinador mais talhado para maratonas do que para corridas de cem metros, portanto mais vocacionado para vencer campeonatos e menos para ser bem sucedido em decisões de um jogo só.
Por fim, não sei, nem saberei, na verdade, quantos convites recebeu Jesus para deixar agora o Benfica, sei que terá recebido, pelo menos, o convite do Milan, que Jesus diz não o ter impressionado, e sei, sobretudo, o que penso. E o que penso é que Jesus dificilmente irá um dia treinar no estrangeiro.
Procurará ficar no Benfica o mais tempo que puder até um dia chegar, como diz que deseja, a seleccionador.
Jesus pode não ser o Eça de Queiroz. Mas é inteligente. Como Eça.
(...)"
João Bonzinho, in A Bola