Últimas indefectivações

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

72 horas: parte 2

"Mais uma semana de domínio da “lei das 72 horas”. Para além da instauração pelo Conselho de Disciplina (CD) de processos disciplinares por utilização em menos de 72 horas de jogadores da mesma equipa na mesma competição (!) e, até, na Taça de Portugal – arquivados pela Comissão de Instrução e Inquéritos (CII) da Liga –, realizou-se a “audiência disciplinar” de julgamento do processo envolvendo FC Porto e os três jogadores utilizados na Taça da Liga.
Em causa o art. 13º do Regulamento das Equipas B: “Qualquer jogador apenas poderá ser utilizado pela equipa principal ou equipa B, decorridas que sejam 72 horas após o final do jogo em que tenha representado qualquer uma das equipas, contadas entre o final do primeiro jogo e o início do segundo” (n.º 1); “considera-se representação a utilização efectiva de um jogador em jogo de qualquer uma das equipas, quer enquanto titular, quer enquanto suplente” (n.º 3).
Segundo reza a imprensa, a defesa do FC Porto, no escopo de ultrapassar o ditame gramatical da lei, fez o seu papel: sustentou que só há condenação quando o jogo de utilização ilícita se realiza pela equipa B – e não pela equipa principal, como foi o caso. Segundo se presume, a CII terá feito o seu papel: sustentar a acusação e explicitar que o espírito da lei se enquadra na sua letra. Um dia antes, de facto, a CII (a propósito dos aludidos arquivamentos) elucidara a “razão de ser” do regulamento, ancorada na credibilização das equipas B. Cito: “O art. 13º pretende evitar uma rotação, ao sabor da conveniência do momento desportivo, entre jogadores da equipa principal e da equipa B, protegendo-se a verdade desportiva e também o fair play com os demais contendores. De forma simplificada, pode afirmar-se que esta proibição existe para evitar que as equipas B funcionem como “fachada” para uma atuação duplicada da equipa principal ou como uma sua reserva de plantel. A proibição de que os jogadores transitem entre equipa principal e equipa B (ou entre equipa B e equipa principal), num prazo inferior a 72 horas, é imperativa e não pode ser derrogada pela vontade dos jogadores ou dos clubes”.
A dúvida estará na “vontade do legislador”. Quando assim é, ordena o art. 9º do Código Civil: “Não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”; “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Com ou sem “revoluções” jurídicas, o CD decidirá em 10 dias. Os “quadros” da FPF darão os pormenores através da agência Lusa. O Conselho de Justiça encerrará a contenda."

Os dilemas do futebol

"1. Situemo-nos para além da circunstância nacional. Os últimos dias ofereceram largos motivos de ponderação para a "governança" (adoro este termo) do futebol. Sem pretendermos ser exaustivos, mas para que o leitor não perca a memória dos factos e para que os dirigentes atentem nos sinais dos tempos, elenquemos alguns dos mais significativos registos destes dias.
2. A UEFA publicou o seu quinto relatório sobre o licenciamento dos clubes de futebol, abrangendo 670 clubes de 53 federações nacionais, já em ambiente defair play financeiro, com dados bem preocupantes sobre os problemas financeiros dos clubes.
3. Investigadores da Europol identificaram mais de 380 jogos de futebol manipulados na Europa, incluindo dois encontros da Liga dos Campeões e partidas de qualificação para o Europeu e o Mundial, bem como "jogos de topo nas Ligas europeias", tendo sido identificadas 425 pessoas, em 15 países (jogadores, dirigentes, árbitros, membros das organizações futebolísticas, etc.).
4. Blatter afirmou: "Estamos a falar de jogos, e nos jogos há sempre batota. Nunca deixará de existir." No passado dia 7, a Comissão Europeia publicitou o estudo sobre os aspectos económicos e jurídicos das transferências de jogadores. Estamos perante um estudo de fundo a necessitar de leitura atenta e imprescindível para os decisores. Ele termina com a apresentação de 21 propostas de medidas bem concretas, dirigidas às ligas, federações nacionais, UEFA e FIFA, por exemplo. Ele detecta insuficiências jurídicas e formas de controlo José Manuel Meirim
5. Em França, é noticiado o denominado Qatargate, relativo à escolha do país para a realização do Campeonato do Mundo de 2022. A FIFA endereça a denúncia, para investigações, para o seu Comité de Ética.
6. O presidente do Comité de Ética, Mark Pieth, por sua vez, em entrevista a um jornal alemão, segundo o noticiado, adiantou que simpatia por ditadores, uma boa dose de sexismo e nenhum desejo de se reformar a sério fazem parte do ADN da cúpula dirigente do futebol mundial. Ups!
7. É neste contexto que, no passado dia 7, a Comissão Europeia publicitou o estudo sobre os aspectos económicos e jurídicos das transferências de jogadores. Estamos perante um estudo de fundo a necessitar de leitura atenta e imprescindível para os decisores. Ele termina com a apresentação de 21 propostas de medidas bem concretas, dirigidas às ligas, federações nacionais, UEFA e FIFA, por exemplo. Ele detecta insuficiências jurídicas e formas de controlo.
8. Mas, bem para além das qualidades do estudo, o que deve fazer pensar os dirigentes do futebol é que a União Europeia, mediante a realização destes estudos, não deixa de estar a marcar a sua agenda política no desporto. Ela não se limita, como pode parecer à primeira vista, a potenciar a análise dos problemas. Ela vai como que dirigindo orientações e guidelines ao movimento desportivo, de forma indirecta, é certo, mas que, mais tarde, acabarão por se projectar no juízo que alcançar sobre a dita governança desportiva, sem que seja ainda de desprezar a irradiação desta leitura científica naquilo que podem vir a ser, no futuro, as decisões dos tribunais da União Europeia.
9. É tempo de estudar e de agir. Vem a minha erudição: o tempo não se ocupa em realizar as nossas esperanças: faz o seu trabalho e voa (Eurípedes). E esta?"