"Na sequência de uma temporada futebolística que ficou aquém das nossas ambições, a frustração dos adeptos tem levado a exageros que só a paixão e a grandeza (que se misturam e confundem entre si) conseguem explicar. Haverá quem se aproveite de uma e de outra para, com demagogia, construir uma teia de desestabilização que apenas serve os interesses dos nossos rivais. Independentemente disso, a verdade é que há muitos benfiquistas desgostosos, o que não deixa de ser normal atendendo a que o principal objectivo da época não foi atingido.
Insatisfação legítima
É preciso deixar aqui claro que a legitimidade dos sócios para exigirem um Benfica ganhador é um património inalienável do nosso Clube. É essa exigência que conduz ao sucesso, e é desejável que possa permanecer bem viva na forma como hoje nos vemos de uma década, ver um Benfica submerso no conformismo cumprir o nosso destino.
Esse grau de exigência não é conciliável com actos de desespero, e muito menos com obtusas manifestações de hostilidade, que são próprias de outros intérpretes, e um insulto para a maioria dos benfiquistas. Não é a gritar que nos ouvimos melhor uns aos outros. Mas, desde que expressa de forma civilizada, a contestação deve ser ouvida, servindo de alimento à ambição de todos os que trabalham na casa.
Os factos
Dito isto, importa analisar a temporada do Futebol Benfiquista, a frio, e sem dramas, nem ligeirezas de raciocínio. O balanço salda-se por um 2.º lugar no Campeonato, uma Taça da Liga, e uma brilhante presença nos quartos-de-final da Champions. Foi, pois, uma temporada ligeiramente melhor que a anterior, e bastante menos exuberante que a de 2009/10, quando fomos Campeões nacionais.
Se no contexto deste triénio, e atendendo às enormes expectativas que uma vantagem de cinco pontos a dada altura havia gerado, o pecúlio final sabe a pouco, há que lembrar, por outro lado, que no panorama das décadas mais recentes esta não foi, longe disso, uma das piores temporadas do Benfica. Nos últimos 15 anos, apenas terá sido superada pelos títulos (2004/05 e 2009/10), e eventualmente pela Taça de Portugal de 2003/04. Salvaguardando essas três excepções, em cerca de década e meia não vejo, infelizmente, nenhuma outra temporada muito melhor do que esta. Não é uma opinião. São factos, nem sempre tidos em conta, escondidos atrás do imediatismo e da superficialidade de um primeiro olhar.
Na verdade, em 18 anos, o Benfica teve 18 treinadores. Só venceu dois Campeonatos, um com Trappatoni (que tantos assobios ouviu), e outro com... Jorge Jesus. Todos os restantes técnicos entraram e saíram sem glória. Alguns terão constituído más escolhas, outros são hoje nomes acima de qualquer suspeita. Muitos foram Campeões Nacionais, e até Europeus, ao serviço de outros emblemas. No Benfica, nenhum deles teve vida fácil.
Uma história antiga
Esta triste evidência explica-se por motivos obscuros (um Sistema, que mantém as suas ramificações), por motivos desportivos (temos como adversário alguém que conquistou três taças europeias em menos de 10 anos), por motivos culturais (o regionalismo é uma arma poderosa contra a qual não temos encontrado antídoto), e também por alguns erros próprios (um dos quais o corrupio de treinadores e jogadores que demorou anos a sarar; e outro, a demora em perceber que, antes de ser um espectáculo para artistas de fino recorte, o Futebol é um desporto para atletas fortes e combativos). Não me parece que o principal desses motivos seja a colocação de um lateral-esquerdo em vez de outro, nem a pertinência de uma substituição ou de uma determinada táctica.
Subsistem no Benfica de 2011/12, questões técnicas que eu, como leigo, gostaria de ver explicadas - por exemplo, ao nível de gestão física do plantel. Mas, globalmente, não há como escamotear que o Benfica de hoje se situa num plano superior ao de há três anos, e incomparavelmente superior ao de há dez anos. É, de resto, essa elevada expectativa que está na origem do sentimento de frustração que agora nos aflige. É preciso, pois, termos cuidado com sentenças precipitadas, e com as consequências da nossa legítima desilusão."
Luís Fialho, in O Benfica