"Uma simples peça, bem mudada, pode levar a que tudo volte a fazer sentido
É em Aursnes, para lá do meio-campo e descaído sobre a esquerda, próximo do canal entre lateral e central adversários, que parece morar o ponto de equilíbrio do Benfica. Um centro de gravidade que absorve todo o peso do modelo da equipa e que é consequência da subida no campo do norueguês, uma das unidades nucleares mais influentes da última temporada, depois de meia-época reduzido a mediano porém cumpridor lateral, primeiro à esquerda e, por fim, à direita.
Poucos são os que nas bancadas não desejariam ver Neres, por exemplo, com Di María do outro lado e Rafa pelo meio num all-in ofensivo de vertigem e talento atrás do ponta de lança, hoje Arthur Cabral, eventualmente daqui a algum tempo Marcos Leonardo. Uma ideia que, apesar de toda a tentação que provoca, deixa, acrescento eu, muito poucos obstáculos até à baliza de Trubin. Já foi tentada por Schmidt e as fragilidades estiveram à vista de todos.
No entanto, se com João Mário a paciência andava no limite, dada a dificuldade dos adeptos em encontrar racionalidade naquele tricotar de aparente menor rasgo e velocidade, que para os próprios pouco serve porém para os técnicos é determinante numa perspetiva mais organizacional, já com Aursnes a ideia é vista com bem melhores olhos. Há muito que o norueguês caiu no goto do Terceiro Anel.
Com o antigo 6 do Feyenoord a jogar como 11 do Benfica se adotarmos essa numeração que já não se usa, o ataque posicional dos encarnados lança a âncora onde o norueguês está, permitindo que a equipa troque a bola com segurança, envolva os adversários e também se posicione de forma mais correta para reagir à perda (Morato, Aursnes e Neves desse lado, com Otamendi preparado para encurtamentos; Florentino mais à frente sobre a direita, Bah metido por dentro e António Silva quase como um líbero).
Claro que Bah encaixa melhor com a interioridade de Di María porque é mais rápido e mais técnico, e a equipa ganhará certamente, com combinações entre ambos, largura e profundidade que, apesar dos esforços do norueguês, não havia até aí. Também dada a atração do argentino pela bola e por passes diagonais longos para o outro lado, Aursnes terá liberdade para movimentar-se sem esta nas costas da defesa.
Quem pode perder espaço é Kokçu. O talentoso turco não encaixou no 4x4x2 e só fará sentido no lugar de João Neves, que entretanto atingiu estatuto de intocável, ou mais à frente, onde agora mora Aursnes. No duplo-pivot, carrega o jovem de duelos, ao não se sentir confiante na pressão e, assim, chegar sempre tarde. Por sua vez, Florentino liberta o jovem para que este seja o organizador. E o médio defensivo só deveria discutir o lugar com Aursnes, que no entanto, naquele posicionamento, está demasiado exposto ao pressing, que não o deixa nada confortável. É na esquerda que faz mais sentido.
Uma peça ou duas, bem mudadas, podem fazer com que tudo bata certo outra vez. Terá percebido Schmidt – e acredito que Aursnes na frente fosse o plano desde sempre, ou melhor, desde que viu o seu rendimento aí – tudo o que ganhou com estas decisões?"
Luís Mateus, in A Bola