"O dia final das eleições trouxe uma nova afirmação de força do universo Benfica, mais uma vez amplo vencedor nas urnas de voto. Agora, é o recomeço em que todos contam e em que as forças se esperam novamente reunidas, para um novo ciclo que todos desejamos mais triunfante que o anterior.
Em dia de regresso à vida normal, faltava então a vitória no campo, que é aquilo de que, verdadeiramente, o adepto mais gosta e espera. Tudo se conjugava para que o final de uma semana atribulada fosse feliz e o Casa Pia parecia o visitante perfeito, tendo em conta as dificuldades que tem vivido. Conseguir um golo cedo, e ainda por cima vistoso, embelezado pela dupla atacante eleita por Mourinho, foi sentido como o início de um duelo tranquilo, em que o mais forte ditaria a sua lei.
Porém, aquilo que parece o mais difícil quando se defrontam equipas que defendem muito atrás — marcar cedo — acabou por ter um seguimento frouxo que, de resto, Mourinho assinalou no final do jogo. De acordo com o desfecho inglório deste jogo, recordo John Mortimore, o meu primeiro treinador no Benfica. Uma das ideias expressivas que transmitia ilustra bem aquilo que as equipas devem fazer quando chegam à vantagem e que o Benfica não fez, quer com o Casa Pia, quer com os outros adversários com quem perdeu pontos. Ele utilizava o boxe, muito popular em Inglaterra, e o momento em que se atinge o adversário, em que se deve aproveitar a fraqueza momentânea que um soco certeiro sempre provoca. Quem consegue atordoar o opositor deve aproveitar o momento seguinte para investir e para o derrotar, sem dar espaço à sua recuperação anímica. Muito ao contrário, o Benfica acabou por permitir a um adversário recolhido e tímido a impensável discussão do resultado.
A entrada de Prestianni no recomeço, sendo boa, acabou por não conseguir o habitual efeito que o jovem argentino normalmente acrescenta. Mais à frente, depois de finalmente o Benfica conseguir aumentar a vantagem, viria o golo do Casa Pia, resultante de uma falsa falta, que repunha, poucos minutos depois, a diferença mínima. O penálti incorretamente assinalado exaltava, então, público e jogadores, mas não da maneira mais positiva.
O VAR acabaria por ser negativamente protagonista, autêntico fora da lei, em claro prejuízo do Benfica, mas a equipa fica a dever a si mesma muita responsabilidade no insucesso.
Com meia hora ainda por jogar, não mais o Benfica conseguiria reassumir o comando claro do jogo. A necessária personalidade e segurança perderam para uma abordagem displicente de Ríos, na fase final em que qualquer erro pode ser fatal, como foi. Sobranceria ou eficácia e rigor? A escolha deveria ser óbvia. Podemos sempre recorrer à atenuante do desgaste físico, de quem vem de uma derrota, mesmo que injusta, na UEFA Champions League, mas exige-se bastante mais.
O PESO NA ÁREA
O peso na área, expressão muitas vezes utilizada, não se mede pelos quilos que cada jogador pesa, mas sim o que significa a presença atacante perto da baliza adversária, tendo em conta as caraterísticas e argumentos individuais dos avançados. Também o número de jogadores que uma equipa consegue fazer chegar à área adversária significa dificuldades acrescidas para quem defende. As equipas de perfil atacante procuram manter a segurança entre o investimento de mais unidades no ataque e o equilíbrio defensivo que importa garantir, quando o adversário recupera a bola.
Na área, onde tudo se decide, uma das qualidades que um avançado convém ter está na dimensão do seu jogo aéreo, sabendo que no centro da defesa normalmente habitam defesas altos. Por falar na arte de cabecear, o treinador do Benfica tem reconhecido alguma limitação dos seus avançados no que a essa ferramenta diz respeito, muitas vezes importante para ultrapassar adversários recuados. Julgo ter percebido que um dos alvos que o clube procurará assegurar no próximo mercado deverá ter obrigatoriamente essa importante caraterística. O melhor cabeceador do plantel atual acaba por ser Otamendi, cujo indesmentível poder aéreo, por ser defesa, fica limitado às situações de bola parada.
TROCA O PÉ
A moda dos alas de pé contrário mudou a realidade dos pontas de lança e, pelos vistos, veio para ficar. Hoje, os alas conduzem a bola para dentro, rematam mais e cruzam menos e pior, por utilizarem o pé menos forte. Alguns refugiam-se no meio, fugindo do confronto com o adversário direto. Também o cabeceador, que antes atacava a bola de frente, respondendo ao cruzamento tradicional, teve de se adaptar à nova trajetória que leva a bola no sentido da baliza. A potência do cabeceamento que se conseguia no ataque à bola deu lugar ao desvio de quem agora a persegue, tendo em conta o efeito contrário. A parte mais exterior dos corredores é agora mais frequentemente percorrida pelos defesas laterais, os extremos puros da atualidade. Outros tempos que vivemos.
MENTALIDADE
A capacidade das equipas vai muito além do talento e da qualidade técnica e física de cada um dos seus elementos. Ao contrário dos desportos individuais, as equipas de futebol dependem em muito da coordenação em campo e da liderança dos seus elementos, para a desejada força coletiva que ganha jogos. No caso do futebol, o rendimento divide-se por onze jogadores, sendo a dinâmica e a mentalidade positiva aquilo que une as peças e faz a diferença. É uma realidade exigente e um trabalho continuado e aturado para qualquer treinador. A incerteza dos resultados entre equipas de valores diferentes é, muitas vezes, fruto da concentração, rigor, esforço e também sorte de quem tem menos recursos, mas muita vontade. É essa incerteza em que navega a beleza do futebol que as equipas grandes procuram evitar, mas nem sempre o conseguem."
Rui Águas, in A Bola