"Senhor Toni: obrigado por tudo, e que possamos celebrar juntos esta felicidade que é ser do Benfica, com muitos títulos e alegrias já este ano e nos que hão-de vir
Há 78 anos, nasceu em Mogofores, no concelho de Anadia, um Benfiquista como mais nenhum: António José Conceição Oliveira, o Senhor Toni, que celebrou mais um aniversário ontem, a 14 de outubro, uma data que não posso deixar de assinalar, ainda que o faça nesta página com um dia de atraso.
A história de Toni começa assim: 13 temporadas como jogador ao serviço do Benfica, oito campeonatos nacionais, quatro Taças de Portugal e 33 internacionalizações. Mais tarde, treinador adjunto, treinador principal e diretor desportivo, tendo conquistado dois campeonatos e uma Taça de Portugal. Mas isto é só uma parte da história. O futebol moderno, que vive de métricas e análise, ainda não conseguiu medir o carisma e a afinidade natural de um jogador e treinador com os adeptos desse clube. Por isso, acho que os conhecedores compreenderão se disser que estes números, sendo muitíssimo respeitáveis, não são a exacta medida da importância da passagem de Toni pelo Benfica, uma viagem que dura há mais de 56 anos.
A sua passagem pelo Benfica, como a de alguns atletas e dirigentes do clube, poderá parecer uma coisa desinteressante num tempo retalhado em memes, highlights, goals and assists. Mas é uma história valiosa para quem, de forma romântica, ainda procura outro tipo de referências no futebol. Para mim, Toni representa a imagem de um gentleman do futebol português, nascido num tempo em que o Benfica já era grande, mas parecia crescer desportivamente a dois dígitos, ao contrário do crescimento mais tímido a que assistimos hoje. Chamo-lhe um gentleman porque, desde cedo, me habituei a ver no Senhor Toni uma pessoa com níveis de lucidez e uma forma de estar que contrastavam com a maioria dos protagonistas do futebol que cresci a ver.
Ontem, enquanto escrevia este texto, pensei que podia ser a memória a trair-me, e fui aos arquivos da RTP e ao YouTube para verificar. Há um pouco de tudo: do Toni jogador ao Toni que liderou jogadores. Confirmei a imagem que construí na infância e na adolescência. Não era nascido quando Toni vestiu o manto sagrado, mas acompanhei-o como treinador e segui de perto todos os seus passos desde essa altura, precisamente por sentir que Toni sempre foi e será, mesmo sem ocupar atualmente um cargo no clube, uma representação fiel do que é o Benfica.
Algumas histórias dizem muito sobre uma pessoa, e há muitas assim sobre Toni. Vou recordar apenas uma. No dia em que aceitou ser despromovido para que Eriksson voltasse a assumir o cargo de treinador principal, Toni explicou que o seu lema era servir o Benfica enquanto as pessoas assim o quisessem. Quantos fariam isso hoje? Nunca me pareceu que tenha dito ou feito o que disse por uma aspiração calculada a um lugar na história do clube. Felizmente, a nossa história foi muito mais afortunada.
O Benfica teve a sorte e o engenho de trazer Toni da Associação Académica de Coimbra e, dia após dia, retribuiu o amor demonstrado pelo então jogador. Ao longo destas décadas, Toni limitou-se a fazer uma coisa simples: ser aquilo que é, uma pessoa de invulgar decência, que sempre soube representar os valores da maior instituição que este país já viu. Não sou apenas eu que o digo. São os milhões de adeptos do Benfica que tiveram a sorte de acompanhar o Toni jogador, o Toni treinador e o Toni Benfiquista para toda a vida. São também os muitos que, não sendo adeptos do Benfica, reconheceram em Toni uma daquelas raras figuras que estão no futebol português desde sempre, mas que souberam ser superiores ao que o futebol português tem de pior.
56 anos de Benfica é muito tempo, como o próprio explicou há uns meses, quando aceitou o prémio de carreira na gala Cosme Damião. São 56 anos em que Toni se viu como apenas mais um de nós, fiel a um propósito. A sua intervenção nessa gala, que está nas redes sociais e merece ser vista ou revista, foi mais dedicada aos outros do que ao próprio Toni. Não me lembro de outro momento numa gala do Benfica em que os presentes tenham gritado tão entusiasticamente o nome do clube. Os outros, a quem Toni agradeceu, são todos aqueles: dos funcionários anónimos às lendas do clube, passando pela Dona Maria e pelo Sr. Ventura, os pais de Toni, sem nunca esquecer os adeptos do Benfica. O sentimento é recíproco. Ser uma lenda viva de um clube tão grande como o Benfica é uma bênção, mas também deve ter as suas dificuldades. Dificilmente estes adeptos darão um minuto de descanso a uma lenda do clube como Toni, esteja ele onde estiver por esse país fora. E não é caso para menos.
São 56 anos a representar um clube de gente humilde como o próprio Toni, que aspirou a um lugar mais alto e o conquistou com muito trabalho. 56 anos em que defendeu sempre o Benfica exatamente como o Benfica merece ser defendido, dentro e fora de campo. Nunca se deixou cegar pelo futebol e nunca se esqueceu de onde veio. É uma raridade que hoje faz 78 anos e me recorda uma coisa simples: nem sempre passamos tempo suficiente a celebrar os nossos heróis quando temos o privilégio da sua companhia. E é, também, muito por eles que devemos lutar por mais e melhor futuro no Benfica.
Senhor Toni: obrigado por tudo, e que possamos celebrar juntos esta felicidade que é ser do Benfica, com muitos títulos e alegrias já este ano e nos que hão-de vir.
Parabéns, Senhor Toni! Parabéns, Senhor Benfica!"