Últimas indefectivações

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O poema e o cesto

"D. Palhaço julga-se um mamífero culto. Pois está regiamente enganado. Burla meia-dúzia de parolos alarves com a sua falácia, mas a verdade é que roça o analfabetismo como se comprova pela errada utilização dos verbos. Ouçam-no bem, embora seja repugnante ouvi-lo: D. Palhaço fala com erros de ortografia! Mas sabe um poema. Ou melhor: sabe uns bocados de um poema que tritura à bel talante. Pobre poeta que o escreveu. Dará hoje, pela certa, pulos na cova por se ver vítima de tamanhos vilipêndios... Perguntarão vocês: mas como sabe ele um poema se até a ler lhe custa sem auxílio? Há uma expressão comum na estudantada quando é preciso saber de cor e salteado matéria na véspera dos exames: encornar.
Há quem diga que D. Palhaço encorna muito e bem. E de tudo um pouco. Já o poema, coitado do poema, passou-lhe ao lado. Troca rimas, desfaz métricas, mas continua a dizê-lo naquela voz monocórdica e chocarreira própria de quem possui um cérebro caliginoso. Quem o vê declamar o cântico julga que foi ele quem o escreveu, se escrever soubesse.
Ah! E que dizer daquelas pobres almas basbaques de queixada caída grotesca do seu pai espiritual? Ou daquelas pobres almas fardadas aspirando o seu bafo fétido? E então não é com poema que grita, é a expressão autêntica da sua ordinarice. D. Palhaço acha-se dono do mundo como se acha dono do poema. E trata ambos da mesma maneira, o poema e o Mundo: corrompe-os, manobra-os, vilaniza-os.
Ao longe, assistimos a essa infecta degradação. Só um País manso suporta comportamentos tão rascas, exibições tão gratuitas de violência e de incivilidade.
E por nada, ou quase nada. Por apenas um cesto."

Afonso de Melo, in O Benfica

Selecção para mim é Nélson Oliveira

"É mentira que a clubite abrande com a chegada do período em que há jogos da selecção. São raros os casos em que os adeptos, dedicados, ferrenhos ou fanáticos conforme a semântica que se quiser utilizar, não olhem para a selecção com um olhar clubista. Foi sempre assim e assim será no futuro. Aos meus olhos a selecção será muito... Nélson Oliveira.
Não tenho expectativas nada elevadas na prestação da nossa selecção. Gostava de me enganar, mas não ser eliminado na fase de grupos para mim será uma surpresa. Um jogador fantástico, três ou quatro de muita qualidade e um excelente seleccionador são matéria prima escassa para resolver os problemas do grupo que nos caiu em sorte.
Desejo toda a sorte a Paulo Bento, pela selecção e também por ele próprio, mas Alemanha e Holanda são dose dura.
Confesso desde já, que isto do Benfica não jogar pré-eliminatórias tem o seu quê de insosso, para um benfiquista a época a sério começa muito tarde. Este ano falta aquela deslocação ao Twente, aquele perigo em Copenhaga ou aquele arrepio de Viena de Áustria. Está tudo muito planificado esta temporada.
Faz falta um jogo a doer, daqueles com adrenalina a valer. Torneios de pré-época não chegam para aquecer motores, e capas de jornais com jogadores a entrar e sair (quase todos mentira) já me irritam como adepto. Festejo apenas quando chegar aquele lateral esquerdo que nos tranquilize.
Assim, nos próximos tempos aquilo que há de mais excitante será o sorteio no próximo Julho. Um adepto tem que planear a vida.
Dou comigo torcer pelos Santo António Spurs até bem tarde de madrugada, talvez porque este ano o basquete parece ser o desporto mais importantes a avaliar pela azia reinante, e no desporto eu gosto de tudo o que é importante. Este Tony Parker dá uns ares de Carlos Lisboa. Sem ofensa claro."

Sílvio Cervan, in A Bola

A terra treme

"Em Itália a terra treme, sucedem-se os pequenos sismos, assustam-se as pessoas, tomam-se precauções, tenta-se prevenir o pior. Com uma frequência preocupante, em Itália a terra treme. Em Itália o futebol treme. Depois do escândalo do Totonero, nos inícios dos anos 80 – que levou à descida de divisão do Milan, Lazio, Avellino, Bologna e Perugia, e incluiu a prisão de um dos melhores futebolistas italianos, Paolo Rossi – surgiu o escândalo do Calciocaos, em 2006. Como resultado, desceu de divisão a Juventus, e clubes como o Milan ou a Fiorentina começaram o campeonato seguinte com uma considerável supressão de pontos. Houve dirigentes, efectivamente, suspensos; houve dirigentes banidos do futebol; houve dirigentes a cumprir penas de cadeia.
Em Itália a terra treme novamente e o futebol treme com ela. Surgiu agora mais um escândalo relacionado com a viciação da verdade desportiva, com a combinação prévia de resultados, com a negação da ética, com a afirmação do crime como prática quotidiana. A este novo escândalo deram o nome de Calcioscommesse. Já há detidos e entre estes está Stefano Mauri, capitão de equipa da Lazio. O treinador da Juventus, Antonio Conte, já foi alvo de buscas e o lateral esquerdo Criscito foi afastado da selecção italiana.
Em Itália a terra treme com alguma frequência e tomam-se medidas. Em Portugal toda a gente finge acreditar que os tremores de terra só acontecem no futebol dos outros. Em Itália as investigações acontecem, os criminosos são punidos e tenta-se evitar novos tremores de terra. Por cá habituamo-nos a conviver com os criminosos, a agraciá-los, a promovê-los e a louvá-los. Todos fingem que a terra por cá não treme e todos balançam ao ritmo dos abalos."

Pedro F. Ferreira, O Benfica