"Já lá nos séculos XV e XVI as opiniões divergentes eram o pão nosso de cada dia, como por exemplo quando se espalhou pela Europa a leyenda negra española, propaganda dos países do centro e norte do continente contra a política colonial repressiva dos então reis de Espanha. Em resposta, as cortes de Madrid lançaram a leyenda blanca, uma versão exageradamente positiva e acrítica dessa mesma política.
O mês de outubro no futebol do Brasil, que começou com a chegada de um novo treinador ao Flamengo, lembrou essa controvérsia medieval, com opiniões muito pro e muito contra Filipe Luís, ex-treinador dos sub-20, nove meses de profissão, que substituiu Tite, o melhor técnico brasileiro dos últimos anos e com décadas de futebol nas costas.
Primeira, a imprensa animou-se muito, muitíssimo, com a escolha do, até ao ano passado, lateral-esquerdo do clube, jovem de 39 anos, 14 deles vividos na Europa, a maioria sob as ordens de Diego Simeone, um dos seus mestres, e, de volta ao Brasil, um ano e meio passado com, talvez, a sua a maior referência, Jorge Jesus.
E, como no Fla os elogios (ou as críticas) e as euforias (ou as depressões) acompanham a dimensão mediática do clube, Filipe Luís foi tão elevado à condição de profeta do novo (e tão carente) futebol brasileiro, que fez lembrar a leyenda blanca em torno dos reis espanhóis.
O colunista Alexandre Alliatti considerou-o, desde logo, uma «ótima notícia», independentemente do que fizer em campo, «porque tem potencial para ser uma figura diferente das demais». «Não é todo o dia que vemos o clube mais popular do Brasil ser treinado por um cabeludo apaixonado por astrofísica, cubo mágico, cinema e bandas de rock».
Mas a leyenda negra também não se fez esperar. «Ele foi bom jogador, é gente boa, mas já está parecendo que desceu Deus para dirigir o Flamengo, o cara estava no sub-17, era jogador até ao ano passado mas se ganhar uns jogos a imprensa carioca já vai colocá-lo na seleção brasileira, os caras acham que ele vai ser o maior treinador de todos os tempos...», assinalou logo Neto, glória do Corinthians e animador de um programa popular a partir de São Paulo.
Entretanto, no jogo de estreia, ele ganhou mesmo ao Timão e, no encontro seguinte, ao Bahia, candidato a um lugar na Libertadores de 2025, em Salvador; em ambos, com ideias próprias, Léo Ortiz de novo a central, Gabigol importante outra vez, o regresso da pressão muito alta.
Mas será o tempo — e só ele — o melhor avaliador do valor do treinador, assim como foi daqueles monarcas espanhóis do século XVI, por acaso, todos eles também chamados Filipe."