"Da mais recente polémica produzida no interior da Selecção ninguém ficou a ganhar. Pelo contrário, ambos deviam ser penalizados com derrota. O primeiro, Ricardo Carvalho, por atitude reprovável; o segundo, Paulo Bento, por ter descido ao nível do subalterno e reagido sem a elegância que deve exigir-se ao principal responsável técnico pela equipa lusa. Se um errou, o outro imitou-o, sendo altura de perceber que um país como o nosso, de limitado campo de recrutamento, não pode dar-se ao luxo de, entre renúncias, exclusões, dispensas, opções, ou o que queira chamar-se-lhe, deitar fora praticantes de qualidade. Uns saíram por iniciativa própria, outros por caprichos de quem manda, outros ainda por motivos que nem a inteligência enxerga. Transmite-se assim para o exterior, além da indisfarçavel bagunça, um sinal de abundância de talentos que, em rigor, não existe.
O problema não está nas decisões frontalmente tomadas, mas sim nas ambiguidades que uma Federação amorfa e fora de prazo de validade foi permitindo, por não ver, não saber ou não fazer a menor ideia... Deixa-se andar, até ao esquecimento... Por exemplo, ainda ninguém enfrentou com verdade a expulsão de Vítor Baía e a troca por outro guarda-redes de divisão inferior. Nem o significado da sucessão de renúncias, desde Rui Costa, no Euro-2004, a Simão, Tiago, Paulo Ferreira ou Deco. Mais as inatingíveis medidas técnicas, como a proscrição de João Moutinho com Queiroz ou o esquecimento de Bosingwa, com Bento, apesar deste anunciar o contrário. Não sei, nem estou interessado em saber se falaram ou não com ele em relação a esta última convocatória, mas era dispensável o ralhete do seleccionador a propósito de uma interpelação alicerçada no interesse jornalístico do caso. O que se sabe é que o lateral-direito, ultrapassados alguns impedimentos físicos, atravessa um momento de forma espantoso. E desde o Portugal, 3 - Dinamarca, 1, no Estádio do Dragão, o primeiro jogo da era Paulo Bento, em Outubro de 2010, Bosingwa só foi visto nos particulares com a Espanha, como lateral-esquerdo, e com a Argentina, sentado na bancada por causa de dores no joelho. O resto é pura divagação e... a mania que se está a instalar nos treinadores de que não devem satisfações a quem quer que seja.
O sucesso da contratação de Paulo Bento pela FPF é inatacável. Os resultados não admitem duas interpretações: primeiro lugar no grupo, quatro jogos oficiais, quatro vitórias, doze pontos, onze golos marcados e dois sofridos. Cem por cento de eficácia, o mérito de ressuscitar uma selecção e fazê-la voltar a acreditar nas suas imensas capacidades. Trabalho que é fruto da obra fantástica do actual seleccionador, daí que tudo deva ser tentado no sentido de proteger este percurso vitorioso de percalços que o diálogo e a sensatez ajudam a solucionar. Não estou a sugerir aproximações, embora aplauda a disponabilidade do presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, nem a branquear a acção de Ricardo Carvalho. Se não mais for convocado, já conhece a razão. Foi ele quem a provocou, ficando sem margem para contestar seja o que for. De toda a maneira, a última coisa de que a Selecção precisava era de mais um desconforto como este, que volta a trazer à colação o delicado tema das duplas nacionalidades, mais o tique de autoritarismo que tem atacado os seleccionadores, ao colocarem o poder acima da razão: desde Scolari, o qual se deu ao desplante de agredir um adversário e de ofender jornalistas em público com vocabulário de taberna. Quanto à agressividade do discurso, aliás, as semelhanças são preocupantes: Queiroz, em desespero, convidou os jogadores a irem com ele para a selva combater fantasmas; Bento fala agora em virar de costas, em deserção e ateia a fogueira para queimar em lume brando mais uma das referências da Selecção, por acaso o seu melhor central. É o que eu penso.
O caminho não pode ser por aqui. Nem os futebolistas profissionais e generosamente pagos devem comportar-se como meninos mimados, nem os treinadores julgar-se no direito de pôr e dispor sem prestarem contas, nem a equipa nacional ser tratada com tamanho desrespeito. É urgente mudar, com nova Federação... Não vejo outra saída."
Fernando Guerra, in A Bola