"Reencontrei recentemente, lendo o livro 'Planeta Futebol', do jornalista e comentador Luís Freitas Lobo, uma memorável caracterização do futebol europeu e do sul-americano. Essa caracterização foi feita, de forma magistral, pelo escritor e cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, assassinado em 1974. Dizia ele que o futebol europeu é prosa e o sul-americano poesia.
Pensa-se no estilo e na carreira de grandes nomes do futebol destes continentes e percebe-se o sentido das palavras de Pasolini, poeta que, como quase todos os poetas, conseguiu ter um inexcedível poder de síntese em relação àquilo que outros precisam de explicar escrevendo ensaios e tratados.
Na realidade, se compararmos Pelé, Maradona ou Zico a Platini, Van Basten ou Gulit, percebemos a diferença. Enquanto uns versejam com a bola, criando com ela uma relação de cumplicidade e intimidade, os outros constroem a geometria do rigor e da eficácia, visando muito mais o resultado do que o espectáculo. Claro que estas comparações são quase sempre grosseiras e falíveis, mas servem para sublinhar tendências e sistemas.
As melhores páginas sobre a arte do futebol têm sido escritas, ao longo das décadas, por escritores amantes do futebol, embora os verdadeiros protagonistas dessa 'escrita' tenham sido, como é natural, os jogadores de génio, como Eusébio, que chegam a dar-nos a ilusão de que aquilo que se passa no relvado é coisa natural e está ao alcance de qualquer um. Nada mais ilusório e enganador.
Com frequência, a pouca flexibilidade dos dispositivos tácticos amputa os jogos da sua componente espectacular, para prejuízo dos jogos, dos espectadores e, naturalmente, dos jogadores.
É em época de episódico defeso que sobra tempo para estas fugazes reflexões. Entretanto, outros jogos estão à porta, num ano que se anuncia difícil socialmente, e todos sabemos que a única alegria de muitos é dos campos de futebol que deverá vir, entre prosa e poesia."
José Jorge Letria, in O Benfica