Últimas indefectivações

quinta-feira, 26 de março de 2015

As grandes fugas são a deslizar

"O Porto acabou com carrada de nervos porque quem dá a última barraca fica mais exposto. Além da frustração suplementar que daí advém. Isto não é estrelinha de campeão?

1. CORRENDO, e com muito gosto, o risco de uma deficiente interpretação por parte do público em geral venho afirmar perentoriamente que este Benfica de 2014/2015 tem estrelinha de campeão.
E faço questão de o repetir. Tem estrelinha de campeão, tem.
Se tem estofo ou não, veremos mais tarde. Mas estrelinha tem.
É que, excepção feita ao Benfica propriamente dito, correu tudo maravilhosamente bem para os interesses do Benfica no último fim-de-semana.
Veja-se, por exemplo, o que se passou de extraordinariamente benfazejo para as nossas cores entre as seis da tarde e as dez e picos da noite no sábado passado.
Calhou até ao Benfica ter a sorte do jogo em Vila do Conde onde, antes ainda da meia hora, já ganhava por 1-0 e tinha visto Marcelo e Hassan, dois dos mais influentes jogadores da casa, a sair de maca do relvado depois de terem caírem redondos no chão sem que ninguém lhes tocasse.
Foi o Benfica a Vila do Conde, é verdade, desprovido do seu mais influente jogador, Nicolas Gaitán, mas não demorou muito o Rio Ave, em desvantagem no marcador, a ver-se privado dos seus esteios da defesa e do ataque como que por artes mágicas.
E que equipa de futebol no seu perfeito juízo não se aproveitaria de uma benesse destas?
A nossa, precisamente.
E, no entanto, no jogo que se seguiu no Funchal continuaram as coisas a correr com muita felicidade para o lado do Benfica.
O Porto, que era suposto ganhar, acabou empatado e com uma gritante carrada de nervos em cima porque, nestes transe, quem dá a última barraca fica mais exposto à crítica. Já para não mencionar a frustração suplementar que daí advém.
Isto é ou não é ter estrelinha de campeão?
Perguntar-me-ão e com toda a propriedade:
- Mas se correu tudo assim tão bem para o Benfica em Vila do Conde e na Região Autónoma da Madeira, por que bula papal é que veio o Benfica a perder o jogo com o Rio Ave?
O que correu mal afinal ao Benfica?
A explicação é simples.
Ser-vos-á comunicada no ponto 5 deste artigo.
Agora preciso de desanuviar com temas ligeiros.

2. A UEFA recomendou vivamente às oito equipas em prova na Liga dos Campeões que evitem pressionar os árbitros nos jogos que se avizinham.
E tão vivamente recomendou a UEFA, pela voz de Pierluigi Collina que é a autoridade na matéria, que chegou ao ponto de ameaçar com sanções os emblemas prevaricadores. Posto isto, quase de certeza que a Europa não vai ouvir o Lopetegui a falar latim.
O espanhol é atrevido mas só de Badajoz para a esquerda (isto se tivermos à frente o mapa).
De Badajoz para a direita, na Europa, não se atreve.

3. A evidência da semana a intrometer-se sem pedir licença:
- Mas não há “Manel” que faça de Gaitán?
- Não. Não há.

4. DE volta a assuntos fúteis: Entre os três assumidos candidatos ao título apenas o Sporting ganhou no último fim-de-semana. Foi uma festa, naturalmente.
Não só porque os rivais não ganharam como também porque, mais do que uma bela vitória em Alvalade, tratou-se de uma goleada por 4-1 sobre o adversário que, na primeira volta do campeonato, tinha imposto ao Sporting uma derrota por 3-0.
No entanto, se no lugar de contarem para o campeonato estes dois jogos entre o Sporting e o Vitória de Guimarães contassem, por exemplo, para uma meia-final da Taça de Portugal o resultado prático seria a eliminação do Sporting e a consequente qualificação do Vitória de Guimarães graças ao golo “fora” de Kanu aos 83 minutos de jogo.
Utilizando despudoradamente a imaginação uma pessoa pode sempre pairar acima, muito acima, dos estrondosos sucessos dos rivais.

5. O que correu mal ao Benfica em Vila do Conde foi o facto de o propriamente dito Benfica não ter corrido rigorosamente nada ao longo de 90 minutos de jogo contando com os 5 minutos do tempo de compensação.
Nos primeiros 5 minutos do jogo o Benfica ainda correu uma vez e logo marcou. Salvio correu, Pizzi lançou-lhe de longe uma bola em perfeitas condições e, sem parar de correr Salvio enganou o guarda-redes adversário fazendo o golo.
Foi uma grande alegria no campo e nas bancadas. Depois disto o Benfica parou. Na época passada o Benfica até tinha equipa para parar o jogo sempre que lhe apetecesse, trocando a bola entre os seus elementos até ao desgaste total do adversário e para nosso enorme deleite.
Mas metade dessa equipa partiu e, actualmente, o Benfica não se pode dar ao luxo de gerir resultados tangenciais só à base de intelecto. Esta é uma temporada trabalhosa em que o Benfica se perde velocidade, perde o jogo.
Estas coisas do futebol só podem correr mal a quem não corre e a quem, aparentemente, confia de modo excessivo na tal estrelinha de campeão que tão generosamente brilharia na Pérola do Atlântico duas horas mais tarde.
Sobre o pormenor de Gaitán não ter jogado nem em Paços de Ferreira nem em Vila do Conde conhecendo-se os resultados, recomendo que voltem ao ponto 3 deste artigo.
Se, pelo contrário, vos continua a interessar o tema já estafado das correrias e da ausência delas, recomendo o ponto 8 deste artigo.
Talvez possa contribuir modestamente para a clarificação destes assuntos tão aborrecidos de que me pretendo distrair regressando, rapidamente, a tópicos ligeiros de cariz filosófico e internacional.

6. O Arsenal de Londres foi eliminado pelo Mónaco e o treinador do Arsenal veio clamar pelo fim da regra de desempate através do número de golos marcados 'fora'. Arsène Wenger apelou à UEFA para pôr cobro a 'essa regra obsoleta' de que o próprio foi vítima na semana passada.
Obsoleto estará o Wenger, com o devido respeito. A invenção desta eficientíssima regra de desempate premiando a ousadia em circunstâncias adversas veio conferir um imenso interesse às provas com eliminatórias.
Para além de o momento da sua cognição plena marcar a passagem do estado intelectual de adepto infantil para o estado intelectual do adepto adulto. Dá-se, normalmente, entre os 9 e os 11 anos de idade.
- O Fulaninho já percebeu aquilo do golo fora valer a dobrar.
- Está um homem feito.
É sempre, sempre uma alegria para a família.
Ou seja, o adepto passa directamente da infância à idade adulta sem passar sequer pela adolescência graças a esta maravilhosa regra toda ela em prol da inteligência.
É também por coisas destas que o futebol arrasta multidões e é disto que o Arsène Wenger quer dar cabo. 

7. O Benfica deslizou em Vila do Conde, é verdade que deslizou ao comprido.
Confio, não obstante, com firmeza na ginástica e na literatura para a revalidação do título.
Em primeiro lugar porque vai ser precisa muita ginástica para se lá chegar depois destes últimos deslizes e em segundo lugar porque Victor Hugo escreveu numa página de Os Miseráveis que «as grandes fugas são a deslizar».
Frase que sempre me foi enigmática e de que só atingi pleno o alcance depois dos acontecimentos recentes de Paços de Ferreira e de Vila do Conde.
A realidade é que já deslizámos o que havia para deslizar. Agora só falta mesmo é fugir. Para a frente, evidentemente.

8. CORREM os adeptos do Benfica às centenas, aos milhares de quilómetros por estradas e caminhos e eles sempre a correr atrás de um objectivo, correm o país todo, correm para as bilheteiras, almoçam a correr, pagam tudo do bolso (e não é pouco) e o mínimo que esperam, em retribuição disto tudo, é que a equipa corra não tanto quanto eles, porque isso é impossível, mas que corra o suficiente para fazer valer esta correria louca de milhares atrás de uns poucos.
Quanto a ter ou não ter estofo de campeão, os adeptos têm.

9. É pura superstição, reconheço-o envergonhadamente, mas ninguém me consegue fazer desacreditar que, por si só, a presença do avançado Jonathan Rodriguez no “banco” seria uma poderosa motivação para o onze em campo, nomeadamente para os titulares das linhas média e ofensiva da equipa eleita pelo treinador. 
E não me refiro à equipa B"

Leonor Pinhão, in A Bola

Ainda a linguagem

"Retomo o tema de ontem. Agora em versão bélica.
Começo por expressões, de cariz guerreiro para o movimento da bola: tiro, em vez de pontapé e arremesso para um lançamento lateral. Os braços tornam-se letais, com a curiosidade de, através das mãos, a imprevisibilidade do arco ser acrescida. Maxi Pereira pode abrir escolinha só para arremessos quando deixar de jogar à bola. Até lá que continue a dar trabalho aos adversários que, à míngua de argumentos sobre a eficácia do dito arremesso, o acusam de uma das chuteiras estar um milímetro que seja acima da relva.
O tiro também pode ser petardo ou em versão mais impiedosa, bomba. Ou, para marcar um golo com raiva, fuzila-se o guarda-redes, depois do intenso fogo cerrado. Até os postes mudaram de matéria-prima: agora são, em jeito belicista, os ferros. Há ainda a versão futebolista do míssil terra-ar: pontapé para a atmosfera. Ou dos desajeitados contendores com chutos de meia bola e força! Ou, ainda, dos distraídos que pontapeiam de bicicleta! Ou dos que, prevenidos, antes de pontapear fazem um túnel. Um jogo pode ser uma batalha ou, pior um massacre, sobretudo quando se alcandora o adversário à categoria de inimigo. Os treinadores escondem a estratégia de ataque. Às vezes para furar o bloqueio, lançam mãos de armas secretas ou metem a carne toda no assador. Por isso, há quem deixe a pele no terreno. Como última solução: uma chicotada.
Se entrincheirado na defensiva, reage-se com contragolpe mortífero que apanhe o adversário fora das posições. É fatal num prolongamento, pois pode originar a morte súbita.
Aguenta coração!"

Bagão Félix, in A Bola

Benfica já sente os tempos de crise

"O Benfica está ansioso pelo regresso de Gaitán. De facto, as estatísticas parecem confirmar a excepcional importância do internacional argentino, de 27 anos, na equipa liderada por Jorge Jesus. Foi nos jogos em que não esteve presente, quer por lesão, quer por castigo, que o Benfica perdeu todos os pontos neste ano de 2015. É demasiado evidente para se tratar, apenas, de uma coincidência.
O facto, pois que é de um facto que se trata, demonstra a qualidade do jogador, mas também a exiguidade de soluções deste Benfica. Para alguns lugares, Jesus tem conseguido bons disfarces. Basta ver os casos de Pizzi e de Samaris. Mas a verdade é que este plantel do Benfica está mais pobre e com mais limitações nos momentos em que precisa de substitutos à altura dos titulares.
A explicação não está na menor atenção dos responsáveis da SAD e, em especial, do seu presidente. Vieira tem a noção clara de que é preciso começar a desinvestir em jogadores consagrados, porque nenhum clube, em Portugal, pode continuar a virar as costas à crise financeira do País, em especial, num tempo em que não pode continuar a haver ambiguidades na relação com os bancos e em que os fundos financeiros têm forçosamente de deixar de ser meios de colocação de grandes jogadores em trânsito.
O aviso que ouvimos do presidente do Benfica era mesmo a sério. O Benfica vai ter de apostar mais na formação e menos na escolha de futebolistas internacionais com qualidade já comprovada. O clube não pode gastar tanto dinheiro com o seu futebol profissional por puro realismo. Nestas condições, a reconquista do título de campeão seria épica, tanto mais que o FC Porto ainda pretende adiar o inevitável impacto da mesma crise."

Vítor Serpa, in A Bola

A mão invisível

"Maxi Pereira fez o óptimo lançamento lateral de que resultou o primeiro golo do Benfica no Dragão; mas fez também o péssimo e descuidado lançamento de que resultou a derrota do Benfica em Vila do Conde.
Del Valle, jogador do Rio Ave, marcou um golo difícil que deu a vitória à sua equipa contra o Benfica; Lucas João, jogador do Nacional, falhou escandalosamente duas horas depois um golo facílimo que daria a vitória ao seu clube contra o FC Porto.
O futebol é feito destes momentos, sorte e azar, inspiração e desinspiração, concentração e desconcentração - e isso é incontrolável. As previsões e análises 'científicas' que se fazem sobre os jogos serão sempre incompletas, porque não podem ter em conta os imponderáveis resultantes da condição humana. Uma táctica pode ser perfeita, mas basta um lançamento lateral mal feito ou um pé mal colocado no momento do remate, para deitar tudo a perder. E nenhum treinador do Mundo, nem nenhum comentador, pode prever os lances que por vezes decidem os jogos.
Neste campeonato, o Benfica já teve o título na mão, depois da derrota do Porto contra o Marítimo, o FC Porto já teve o título à mercê, depois da derrota do Benfica contra o Rio Ave, e tudo continua em aberto.
Quando o título parece prestes a decidir-se, acontece uma cambalhota e tudo volta atrás. Uma mão invisível parece mexer os cordelinhos do campeonato com um objectivo preciso: fazer com que o Benfica e FC Porto entrem no Estádio da Luz, para disputar o superclássico, com a possibilidade de serem campeões. Tal como numa prova a eliminar, o campeonato decidir-se-á num só jogo."

Pizzi 360º