"Quando, num gesto infantilóide dos que lhe são frequentes, o ogre verde desatou a bater palminhas ao árbitro e viu, logo aí, o cartão vermelho, percebeu que aquele não era um dos que se lambuzam com jantares de marisco lá para os lados de Matosinhos com dirigentes castigados por tentativa de corrupção. Foi, para o incrível Shrek, uma grande surpresa. Uma enorme surpresa.
Afinal, fora-lhe ensinado que podia fazer tudo o que lhe desse na real gana. Destruir a pontapé túneis de acesso a relvados, fazer num bolo a cara de qualquer steward que cruzasse o seu caminho, assinar no fim de uma época o extraordinário recorde de 10 golos marcados de penálti mesmo que para aí nove deles não tenham passado de um gesto generoso da classe que continua a passear-se de cócoras sem um pingo de decência para amostra.
O pequenino cérebro do incrível Shrek (e toda a gente que viu o filme sabe que até o burro é mais esperto) não conseguiu absorver tamanho atrevimento por parte do senhor que lhe erguia, voluntariosamente, um cartão vermelho no topo do braço levantado aos céus. Há coisas que não fazem parte da sua vida, e não voltarão a fazer. De regresso ao país que o mar não quer, como dizia Ruy Belo, tudo volta a estar no seu lugar. Ou seja: de cócoras. O incrível Shrek não terá novas surpresas. Pode atirar-se para cima dos adversários que ficará seguro do penáltizinho maroto. Pode bater palminhas e agredir inocentes no exercício da sua profissão que não levará mais do que um ou dois jogos de castigo, criteriosamente escolhidos por D. Palhaço. Umas doses reforçadas de marisco de bocas borradas de bâton no quarto de hotel, um cafézinho lá pela meia noite num subúrbio sinistro da capital da província com envelopes à mistura, e eis o incrível Shrek outra vez à solta na sua Disneylândia de pacotilha. O Futebol em Portugal, às vezes, parece um desenho animado. Sem graça."
Afonso de Melo, in O Benfica