"Com golos de Otamendi, Rafa e Neres ainda na primeira parte, o Benfica bateu o Dynamo Kiev e conquistou uma das vagas para a fase de grupos da Liga dos Campeões. A eliminatória contra os ucranianos terminou 5-0 para os lisboetas
Às vezes, o adepto escuda-se em teorias várias. Sinaliza teimosias de treinadores, incoerências de dirigentes ou até, com uma memória eterna, identifica os ventos e desabafos de cronistas e comentadores. Ama jogadores, esquece jogadores. Castiga homens, endeusa futebolistas. Tem, por vezes, aquelas conversas de ministro das Finanças, glorificando certas verbas de certas vendas, como se as contas fossem da sua responsabilidade, ou até assina aquelas defesas cegas de certas abordagens e táticas de treinadores, mesmo que aborrecidas, se for na teoria para o bem do clube.
Mas há uma coisa em que o adepto, seja de que clube for, não tem mão: no encanto e juvenil entusiasmo quando a equipa que lhes enche a alma mira para a frente e dá com a tecla dos golos. Aí, devolvem-no à juventude, à feliz bebedeira futeboleira, enfim, à mais tenra verdade que existe. Os cânticos, os saltos e a ola mexicana parecem comprovar que os adeptos benfiquistas vivem atualmente nesse estado de levitação. No relvado, o Benfica venceu o Dynamo Kiev, por 3-0, e qualificou-se para a fase de grupos da Liga dos Campeões.
Pouco tempo antes do jogo, aos microfones da Eleven Sports, Roger Schmidt já se repetira: “Temos de mostrar qualidade, mentalidade. Temos estado bem nas últimas semanas, temos confiança, temos de estar focados nos 90 minutos”, começou por dizer. Questionado se pode ou não desfrutar do jogo, a resposta foi tão boa quanto lógica: “Se a equipa estiver a jogar bem, eu desfruto”. O alemão garantiu que não havia relaxamentos e, por isso mesmo, apostou na equipa do costume, aproveitando para comprovar a seriedade da noite mas também afinar a maquinaria. Em início de época, esse é o A do ABC de uma equipa de futebol. Afinal, e idealmente, os olhos e os corpos começam a falar mais do que as bocas.
O jogo não foi muito diferente da primeira mão do play-off, que terminou com um 2-0 para os lisboetas, com golos de Gonçalo Ramos e Gilberto, que tinha um enviado de Tite, selecionador brasileiro, a vê-lo na bancada do Estádio da Luz. Uma primeira parte a alto ritmo, com veneno a escorrer das botas, para depois haver uma segunda parte onde a gestão entrou, ainda que com bola, pois sem ela a rotação foi a mesma. Foi, aliás, uma nota interessante: com 3-0, a pressão pós-perda mantinha-se, a ideia está já a ruminar debaixo da pele dos atletas.
O Dynamo de Mircea Lucescu, que faltava ao arranque da Liga Ucraniana e que ainda se ressente de todos os constrangimentos resultantes da guerra no território, voltou a tentar jogar desde trás, ainda que tenha procurado mais bolas longas nas costas dos homens de vermelho. Shaparenko, o craque com a camisola 10, esteve apagado. Viktor Tsygankov, porventura o melhor na primeira mão, esteve ausente. De regresso, estava Serhiy Sydorchuk, um rapaz de 31 anos e com 190cm, com muitos jogos pela Ucrânia, que estacionou na zona do 6. Depois de um massacre de pressing (que força erros) e triangulações fluídas dos caseiros, quando este médio recuou para perto dos centrais, para começar as jogadas, sacudiu um pouco a pressão do Benfica, atrofiando momentaneamente a lógica da pressão.
Rafa, visivelmente ON e feliz com o papel e ambiente que se vive no balneário, estava naquelas noites em que poderia fazer tudo, assim esteve do princípio até aos 70', quando foi substituído. As acelerações repetem-se, os gestos técnicos improváveis, idem, com uma roleta zidaniana a sacar uma falta perigosa, que deu num tilintar do poste esquerdo da baliza do Dynamo, cortesia de Grimaldo. Enzo Fernández, muitíssimo elogiado pelo colega de profissão e de posição Fernando Meira, na transmissão da Eleven, voltou a encher o campo. Florentino não esteve tão fino com bola, mas foi acertando o passo. David Neres, que até tentou marcar de pontapé de bicicleta, parece capaz de tudo ou da irrelevância, o que o transforma no jogador que assume o risco de assumir o risco. O erro funciona quase como a sombra… às vezes, é mais rápido do que a sombra e do que o erro e do que as pernas contrárias, então promete o céu a quem o lambe com os olhos.
O Benfica tinha muita facilidade em chegar à área rival, ainda que nem sempre tinha condições para bater na baliza. Mas foi um abafo. Gonçalo Ramos, que saíria tocado na segunda parte após choque com Rafa, já participou mais no jogo, servindo de pivô muitas vezes. Apesar de tudo, o golo surgiu mais uma vez de bola parada: canto curto, Neres cruzou para o segundo poste; Otamendi, que vai afinando a sociedade com o aliado das dobras Morato, meteu a cabeça e fez o 1-0. Nesta altura, aos 27’, revelava o Playmaker do Zerozero, a equipa de Roger Schmidt somava 27 ações na área contrária… contra zero dos ucranianos.
O segundo e terceiro golos surgiram ainda antes do intervalo, aos 40’ e 42’. Tal como acontecera na Polónia, um defesa errou na construção da jogada – desta vez foi Syrota – e Rafa, ligado como nunca, aceitou aproveitar-se do erro e bater de primeira na baliza. Pouco depois, após contra-ataque dividido entre Neres, Rafa e Ramos, o esquerdino brasileiro rematou como rematam os que sabem o que fazem, para o poste mais longe e com força. O Dynamo deixava muito espaço para o Benfica navegar à vontade. Pela terceira vez na Luz, a equipa da casa chegava ao descanso com o marcador a cantarolar um três-zero.
Na segunda parte, com menos vertigem, embora com a mesma fome para recuperar a bola, o Benfica abrandou, mas contou com Petar Musa, que se mostrou e que teve três boas oportunidades para se estrear a marcar pelo novo clube. Neres ameaçou o 4-0, fora da área, com o guarda-redes Buschan congelado, a ver a bola a sair ao lado, perto do poste. Também João Mário quase inaugurou a goleada, que parecia inevitável. Mas não foi.
Schmidt lançou ainda Weigl, Diogo Gonçalves e Henrique Araújo. Mais tarde, perto perto do apito final, foi Paulo Bernardo que permitiu a Enzo Fernández ouvir como toca o amor das palmas do Estádio da Luz, que passou a ser o seu Monumental. Apito final: o Benfica, fiável e ambicioso (sexta vitória em seis jogos, com 17 golos marcados e 2 sofridos), está apurado para a fase de grupos da Liga dos Campeões."