"Está decrépito o papa eterno. Tão decrépito como o seu colega padre da Guerra Junqueiro. Balbucia em vez de falar. Solta incompreensíveis desatinos que deveriam fazer rir mas que fazem apenas sentir pena. Ou nem isso. Poucos lamentam a velhice do papa eterno. Poucos sentem misericórdia da sua decadência. Não uma decadência moral, porque o papa eterno é amoral. Sempre foi. Nada nele obedeceu às regras da civilização e da sociedade. Pelo contrário. O papa eterno foi, ao longo da sua mais do que longa vida, um espúrio irremediável e irreversível. Dobram ao longe os sinos. A sua decadência é física, visível, palpável. Careca, desdentado, rugas fundas rasgam-lhe a fronte néscia, pelancas espalham-se-lhe pela cara hedionda que provoca desconfiança e nojo. Fede.
Não fede de podridão do corpo, embora essa podridão seja tão autêntica como a outra, a podridão dos princípios que lhe vem do berço. Ainda assim reclama um espaço largo na atenção dos vivos, mesmo que nas suas costas aqueles que se dizem seus amigos, seus seguidores, seus apóstolos, afiem as adagas curvas que rasgarão o que lhe sobra de carne e quebrarão os seus ossos frágeis.
Olhamos para a sua figura deprimente, ordinária, baixa, e não há quem sufoque uma casquinada irónica. Do homem que nunca foi resta um amontado grotesco de inconveniências. O que diz não são palavras: é baba. Há nessa baba raiva, uma raiva enlouquecida. A baba enlouquecida de um boi no curro que sabe que o seu destino se levanta na ponta de uma bandarilha cruel, ali em frente, na arena inevitável da vida. E o toureiro não terá piedade...
P.S. - O Azeiteiro-da-Cabeça-d'Unto continua a falar, a falar, a falar, a falar. Vanitas vantitatum et omnia vanitas, é a primeira frase de Eclesiastes. Vaidade das vaidades e tudo é vaidade. Uma vaidade ridícula!"
Afonso de Melo, in O Benfica