"Exportamos treinadores, não ideias. Somos camaleões, não criamos obras de autor. Aquele que mais perto esteve de imortalizar a assinatura largou a estrada. A revolução ficou a meio
Os portugueses criaram metodologia própria. Chama-se periodização tática, tem como autor Vítor Frade e o seu conhecimento espalhou-se pelos alunos da atual FADEUP (Faculdade de Desporto da Universidade do Porto). Grosso modo — e estarei sempre a ser demasiado redutor, não é, professor? —, defende que o treino deve ser 100 por cento inspirado no jogo e, como tal, a bola estará sempre presente. Parte do princípio de que se a equipa estiver bem taticamente o resto chegará depois: os jogadores correrão não mais, porém melhor e estarão mais confortáveis nas ações. Haverá uma abordagem mais coletiva, logo mais consistente e forte.
Foi apresentada ao mundo por José Mourinho e Rui Faria, desde logo nas conquistas europeias do FC Porto e logo depois no Chelsea, que saciou meio século de jejum.Unida às ideias e ao magnetismo brutal, ao controlo absoluto da narrativa e à inteligência estratégica do Special One, tornou-se uma revolução. Mourinho atingiu rapidamente o Olimpo enquanto melhor treinador do momento e o mais brilhante de sempre do país.
A periodização tática — uma das várias metodologias que os treinadores nacionais utilizam — é apenas alicerce para a ideia. E aí voltamos à velha dicotomia: ser proativo ou reativo? Sê-lo sempre? Ou gerindo, consoante adversário ou momento? Há técnicos de equipas pequenas que querem ser sempre proactivos, mesmo que por vezes não tenham os jogadores certos. Outros, de equipas grandes, não se importam de baixar o bloco, mesmo contranatura, se acham que os aproxima do resultado que procuram.
Os treinadores que jogam como equipa grande mesmo treinando conjuntos de média ou baixa dimensão estão claramente a apontar para os outros voos, a afinar a ideia, a prepararem-se para o futuro. Um que, mesmo assim, é impossível de antecipar por completo, por culpa do contexto: a exigência fará disparar a pressão, um mau resultado roubará discernimento, os jogadores são melhores, mas mais exigentes. Mais difíceis. Distantes. Aqueles que jogam apenas para os pontos pensam no imediato, na sobrevivência e dificilmente subirão de patamar.
José Mourinho evoluiu (ou involuiu) de proativo para reativo, tal como o seu antecessor Bruno Lage, ainda que este possa só ter querido ser dominador por ter um fora de série nas mãos: João Félix. Não sei. Também não se pode dizer que Mou esteja com abordagem puramente defensiva no Benfica quando arrisca na pressão alta com referências individuais, mas sim que se senta no banco mais preocupado em anular o adversário do que em criar um fio de jogo que o aproxime da baliza. O tal ataque posicional. Nas suas palavras é clara a ideia, assim que diz que, por vezes, quando recuperam a bola, os seus jogadores passam para o lado, em vez de atacarem de imediato a baliza. Com alguns jogadores com dificuldades na resistência à pressão (aqui, contrapressão), é natural que a definição continue o problema que sempre foi.
Se a maior bandeira do que é ser um técnico português — e que tantas portas abriu, durante a sua fase revolucionária, para muitos compatriotas por todo o planeta — caminhou para esta dimensão, reforçada com o compromisso com a organização defensiva que há em nomes como Marco Silva, Nuno Espírito Santo, Abel Ferreira e Sérgio Conceição, naturalmente o estereótipo muda. Ainda que Jorge Jesus, em exílio não reconhecido na Arábia Saudita, e os discípulos Ruben Amorim e Paulo Fonseca persigam outra dinâmica no ataque.
Pergunta-se a um treinador luso o que o treinador luso tem de especial, de diferenciador, e este falará, quase sempre, na capacidade de adaptação. O facto de conseguir trabalhar, com resposta positiva, em todos os contextos. Isto, obviamente, não é uma identidade, embora reflita a nossa sociedade. Adaptamo-nos a qualquer cultura e país, mesmo fora do futebol. É valência adquirida nas dificuldades, geração após geração. Só que sermos camaleões não ajuda quando o objetivo é encontrar o homem do leme certo para uma identidade de clube grande e uma filosofia marcante e apaixonante.
De um treinador neerlandês, espera-se pressão alta, mentalidade ofensiva e acentuada posse no 4x3x3 de quase sempre; de um espanhol virá quase sempre um 4x2x3x1 e a qualidade de passe na retenção da bola e no domínio do jogo através da mesma; um alemão procura a pressão agressiva, a reação feroz e um futebol vertical e ofensivo, despreocupadamente desequilibrado na hora de defender; e o italiano apresenta sempre a organização defensiva como prioridade e um ataque com poucas unidades, já que a revolução de Sacchi foi curta e a influência de De Zerbi ainda se enraíza. Os franceses foram perdendo influência e serão hoje mais gestores de egos como Deschamps e Zidane, as principais referências. Os britânicos perderam expressão, todavia, com o melhor campeonato à porta de casa e tantas influências de onde beber, talvez a recuperem nos próximos anos.
Em Portugal, recentemente, tivemos exemplo de como nos vemos a nós próprios. Quando se quis mudar de um selecionador defensivo e já ultrapassado, tendo também em conta a qualidade da matéria prima, para um com ideias mais frescas e maior atrevimento com bola, escassearam os nomes em português. Não temos profissionais com esse perfil. O escolhido, para o mal e para o bem, que já identificámos tantas vezes aqui, foi o espanhol Roberto Martínez. Não mais o reconhecimento de que já formamos jogadores para todas as posições, mas poucos treinadores que os consigam pôr a jogar o que sabem e o que queremos ver. A classe levou a mal, porém não o entendeu como um aviso.
Em cima da tábua do crónico desenrascanço, o portuga fica assim depois com o rótulo dessa identidade dos principais representantes, cabendo ao melhor posicionado de todos, Ruben Amorim, a responsabilidade não só de rejuvenescer um gigante moribundo, mas também de impedir que se estenda o preconceito a esta e a gerações futuras. Será que um dia criaremos um Guardiola ou um Klopp? Mourinho percorreu muito tempo esse caminho, porém, iludido pelo resultado, afastou-se demasiado da berma e não voltou."