"O segundo ato eleitoral está a chegar. Os sócios do Benfica voltarão a encher as urnas com esperança e nervosismo. Votarão com o coração, mas também com a memória. E é aí que, na minha opinião, Rui Costa volta a partir à frente
Os últimos tempos têm sido marcados por televisores em loop. Com enormes diferenças entre si, é certo. Nalguns casos, essas imagens repetidas mostram a grandeza de um clube. Noutros, expõem a pequenez de quem toma determinadas ações.
A primeira volta das eleições do Benfica mostrou o que é um clube vivo, forte e vibrante. Foram dezenas de milhares os sócios que participaram, transformando este ato eleitoral no mais participado da história de um clube desportivo a nível mundial. Uma demonstração de vitalidade, de pertença e de fé coletiva, contrariando o que vai acontecendo no futebol moderno, onde muitos clubes perdem identidade e passam a ser posse de empresas, milionários ou fundos soberanos.
Se foi um ato eleitoral altamente participado, foi também amplamente acompanhado. Durante dias, os órgãos de comunicação social repetiram imagens, diretos, declarações, filas intermináveis, votos e emoções. Um verdadeiro loop mediático, mas com sentido. Porque, ao contrário de outros loops que servem apenas para pressionar árbitros, este serviu para mostrar o que o Benfica tem de maior: o seu povo.
Rui Costa e Noronha Lopes passaram à segunda volta. Se a passagem dos dois não surpreendeu, o resultado de cada um surpreendeu alguns. Havia quem acreditasse na vitória imediata de Noronha Lopes, havia até quem vaticinasse um triunfo esmagador. Esqueceram-se de que o Benfica não é apenas uma empresa e de que o que está em disputa não é o cargo de CEO.
Há quem diga que o clube precisa de um gestor. Que o futebol moderno já não se faz apenas de símbolos, mas também de contas equilibradas. É verdade. Mas um gestor contrata-se, um líder elege-se. E essa é a diferença que Noronha ainda não percebeu. O Benfica não é meramente uma empresa cotada. É uma nação emocional. Tem milhares de sócios e milhões de adeptos que não se inspiram em relatórios, que não se guiam por gráficos, mas por golos. Que não querem ver o clube numa folha de Excel, querem vê-lo num relvado a correr atrás da glória.
A vantagem de Rui Costa é isso mesmo: ele representa o instinto, a paixão, a memória. O homem que levantou troféus e chorou derrotas. O miúdo da Damaia que se fez símbolo mundial e regressou à casa onde sempre pertenceu. A desvantagem de Noronha não está no currículo, mas na distância. Não seduz um candidato que fala de sustentabilidade e governance com o mesmo tom com que um contabilista fala de IVA. Não é de conhecimentos técnicos que Noronha Lopes carece. Falta-lhe o Benfica. Falta-lhe alma, paixão, falta-lhe que a maioria dos sócios o veja como um deles. Falta-lhe o essencial num líder de um clube: ser a voz do seu povo.
Houve, contudo, um momento em que Noronha podia ter virado o jogo e a sua imagem. Quando surgiu a notícia de que não abdicaria do salário a que o presidente tem direito, podia ter feito diferente. Podia ter dito que não abdicava e que não concordava com quem faz disso bandeira eleitoral. Podia ter dito que o Benfica não pode ser liderado apenas por quem tem fortuna, e que essa não pode continuar a ser uma barreira para que um sócio comum, que precisa do seu salário ao fim do mês, possa candidatar-se a liderar o seu clube. Que num clube democrático, como o Benfica se orgulha de ser, isso é inaceitável.
Poderia, assim, ter-se misturado com os sócios comuns, mas preferiu recordar os milhões que ganhou na sua vida de gestor de topo. Pode sobrar dinheiro, mas faltou noção. E a imagem que passou é a de que, para ele, o maior clube do povo continua, afinal, reservado a uma pequena elite.
A segunda volta foi dura. O debate subiu de tom, as máquinas voltaram a trabalhar, as redes incendiaram-se. E no meio desse ruído, muitos voltaram a esquecer-se do essencial: o Benfica não precisa apenas de alguém que apresente o seu currículo de gestor, precisa de alguém que inspire. Rui Costa ainda não é perfeito, mas é autêntico. E essa autenticidade é cada vez mais rara num futebol que se enche de fórmulas e se esvazia de alma.
Há quem tente que se veja nesta eleição uma luta entre o passado e o futuro. Eu vejo outra coisa: uma luta entre quem fala como querendo ser presidente do Benfica e quem fala como querendo ser presidente da SAD. Entre quem fala com o coração e quem fala com o PowerPoint. O futuro do Benfica não está em regressar ao romantismo cego, nem em entregar-se ao cinismo empresarial. Está em encontrar o equilíbrio entre paixão e competência. E Rui Costa, com todos os seus defeitos, parece ser o único capaz de tentar essa síntese.
O segundo ato eleitoral está a chegar. Os sócios voltarão a encher as urnas com esperança e nervosismo. Votarão com o coração, mas também com a memória. E é aí que, na minha opinião, Rui Costa volta a partir à frente. Porque a maioria dos sócios ainda se lembra de um golo seu, de um passe seu, de um gesto seu, da coragem com que assumiu a liderança do Benfica num dos momentos mais difíceis da sua história. Sentem que estão a votar em alguém que já lhes deu alegrias reais. A maioria dos benfiquistas não quer um gestor que prometa lucros. Quer um líder que lhes alimente a paixão e a mística do clube.
No fim, o Benfica escolherá quem quer ser. E talvez esta eleição não seja tanto sobre Rui ou Noronha, mas sobre o que cada um de nós quer ver quando olha para o emblema. Se queremos ver apenas uma marca ou uma paixão. Se queremos um presidente que fala de EBITDA ou um que fala de Eusébio. O resultado da primeira volta já deu uma pista: o coração ainda bate mais forte do que o Excel. E enquanto assim for, o Benfica continuará a ser Benfica."

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