Últimas indefectivações

sábado, 8 de novembro de 2025

Honrai agora


"Quem se candidata à presidência do Benfica enfrenta sempre uma grande dificuldade: criticar a direção e o presidente é entendido como "dizer mal do Benfica". Essa ideia é absurda, evidentemente. Criticar o Governo de Portugal não é "dizer mal de Portugal". É, aliás, um gesto bastante patriótico. É assim que se avança. Conformar-se com um Benfica que ganha muito menos do que devia é que é dizer mal do Benfica
Foi por volta de 1928. Um homem que costumava escrever sobretudo textos humorísticos confrontava-se com o problema de compor um poema – um trabalho muito diferente daqueles a que estava habituado. Felizmente, tratava-se de um homem extraordinário. Trinta e dois anos mais tarde, a 6 de Janeiro de 1960, o Diário de Lisboa daria a notícia da sua morte, lembrando que o homem tinha obtido "alguns dos mais estrondosos êxitos do teatro cómico", mas também tinha sido muito bem-sucedido na prática de vários desportos, tendo feito "parte da representação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Antuérpia, em 1920, e de Paris, em 1924", na modalidade de tiro. O jornal referia ainda que o homem tinha sido "fundador do popular clube desportivo Sport Lisboa e Benfica", do qual tinha sido presidente em 1916 e em 1945. O homem chamava-se Félix Bermudes e, naquele dia de 1928, estava ocupado a conceber um hino para o clube que tinha ajudado a fundar. O refrão dessa canção, que é ainda hoje o hino oficial do Benfica, diz: "Avante, avante p'lo Benfica, / Que uma aura triunfante Glorifica! / E vós, ó rapazes, com fogo sagrado, / Honrai agora os ases / Que nos honraram o passado!"
Não é fácil saber o que se ama quando se ama um clube. É como o navio de Teseu: o clube que hoje conhecemos como Sport Lisboa e Benfica já mudou de nome, já mudou de emblema, já mudou de estádio, já mudou de presidente, já mudou de jogadores. Quando os sócios e adeptos de hoje (que também já não são os que enchiam o estádio há 80 anos) cantam "Eu amo o Benfica", referem-se exactamente a quê? É possível que se refiram a uma ideia – à ideia de Félix Bermudes, porque é ela que faz do Benfica o Benfica, é ela que liga o Benfica de hoje ao de 1904: a missão de honrar agora os ases que nos honraram o passado.
Nasci no dia 28 de Abril de 1974. Um ano depois, a 29 de Março de 1975, Eusébio fez o seu último jogo pelo Benfica. O que significa que o primeiro Benfica que conheci, o dos anos 80, tinha acabado de ficar órfão do melhor jogador de sempre. Nessa década, o Benfica foi campeão cinco vezes, e ganhou seis taças de Portugal. As camisolas de Eusébio, Coluna, José Augusto, Águas, Simões, Germano, Costa Pereira, Ângelo, Cavém, Mário João, Cruz, Torres, Jaime Graça, vestiam agora Chalana, Shéu, Nené, Bento, Alves, Carlos Manuel, Diamantino, Humberto Coelho, Veloso, Pietra, Bastos Lopes, Álvaro, Rui Águas, Valdo, Mozer, Ricardo Gomes – ases que honravam os ases que nos tinham honrado o passado.
Quem se candidata à presidência do Benfica enfrenta sempre uma grande dificuldade: criticar a direção e o presidente é entendido como "dizer mal do Benfica". Essa ideia é absurda, evidentemente. Criticar o Governo de Portugal não é "dizer mal de Portugal". É, aliás, um gesto bastante patriótico. É assim que se avança. Conformar-se com um Benfica que ganha muito menos do que devia é que é dizer mal do Benfica. É considerar que está bom assim, que não temos capacidade para mais.
João Noronha Lopes reuniu uma equipa de gente séria e competente. Propõe uma gestão racional, e não de navegação à vista, de dar o dito por não dito, em que um treinador volta a ser aposta cinco anos depois de se ter concluído que não servia. Quer um plano que estanque a permanente entrada e saída de jogadores, que faz com que todos os anos sejam um novo começo, uma nova estaca zero, um constante agora é que é. Pretende definir um rumo que evite a saída, no início da época, de um treinador que era sem dúvida nenhuma a aposta certa no fim da época anterior – e que sobretudo evite que isso aconteça dois anos seguidos.
Nos 25 anos que o século XXI já leva, o Benfica ganhou três taças de Portugal. Metade das que ganhou na década de 80. Nos últimos seis anos, o Benfica foi campeão uma vez. Insistir no mesmo modelo de gestão e esperar resultados diferentes não é muito sensato. E como, sinceramente, não me parece que os ases que nos honraram o passado se sintam especialmente honrados com este palmarés, no sábado vou votar em João Noronha Lopes."

Sem comentários:

Enviar um comentário

A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!