"Pode Vitória não ter perdido muitas batalhas mas estava na cara que perderia a guerra. Pelo que fez e como fez e pelo que disse e como disse
Estava mesmo a ver-se que a corda partiria ao primeiro desaire: Vitória durou apenas mais um mês como treinador do Benfica desde que esteve quase despedido. Era tão frágil a sua condição de treinador na Luz que à primeira derrota acabou, mais ou menos como se esperava, por cair de vez.
Há um mês, mais dia mesmo dia, quando Rui Vitória esteve despedido e deixou de o estar em apenas 12 horas, talvez só mesmo o presidente do Benfica acreditasse numa nova luz ao fundo do túnel que pudesse, súbita e surpreendentemente, renovar a relação de Vitória com a equipa, a relação da equipa com Rui Vitória e, sobretudo, a relação de Vitória e da equipa com os adeptos.
O que o presidente do Benfica devia ter percebido e, pelos vistos, não conseguiu na altura perceber é que ao ter mantido Rui Vitória depois de quase o despedir ainda o deixou num cenário pior. E, com isso, apenas adiou o inevitável. No fundo, talvez o próprio Vieira o soubesse e talvez tenha querido apenas ganhar tempo. Mas era, como foi, inevitável este fim.
Quase tão difícil como entender a decisão de Vieira de manter Vitória foi, porém, a decisão de Vitória de se ter deixado manter por Vieira.
No que terá, há um mês, acreditado Rui Vitória que já não fosse capaz de acreditar agora, a crer na verdade, como creio, que foi o próprio Vitória, desta vez, a pôr o lugar à disposição?
Acreditou no inacreditável?
Acreditou que ter apenas o presidente do seu lado seria suficiente para voltar a cair em graça?
Sim, admito que será mais fácil criticar agora a decisão que Vieira tomou há um mês.
Mas a verdade é que mesmo a ganhar (e o Benfica do repescado Rui Vitória só perdeu um jogo, este de quarta-feira, em Portimão) foi sempre mais ou menos evidente que a decisão de Vieira não teria grande futuro.
Há muito que a questão no Benfica deixou de ser ganhar ou perder; a questão, no Benfica, foi sempre o modo como a equipa foi ganhando, e o modo como, mais tarde ou mais cedo, a equipa voltaria a perder. Como perdeu.
O problema no futebol, como sempre, não é ser derrotado; o problema é como se é derrotado.
Ganhar e perder faz parte.
Mas o Benfica ganha muitas vezes mal e perde quase sempre bem. E é isso que os adeptos já não suportam.
E não suportam que o treinador ache tudo isto normal como se o futebol fosse isso mesmo, apenas um jogo de futebol, onde tudo acontece porque acontece, porque é assim mesmo, porque se foi feliz ou infeliz, se teve sorte ou azar, porque querer não é sempre poder ou poder nem sempre é querer.
Pode Rui Vitória gostar do estilo e desse discurso e podem muitos dos seus defensores a apreciar bastante o estilo e o discurso de Rui Vitória.
Mas a realidade é outra: ganhar como o Benfica ganhou em Montalegre e perder como o Benfica voltou a perder, desta vez em Portimão, torna-se facilmente inaceitável para quem, como os adeptos, exige a uma equipa como a do Benfica que dê sempre tudo em todos os jogos. E para quem, como os adeptos, esperam que o treinador lhes explique o que se vê e lhes mostre que podem confiar na mudança. Nada que Rui Vitória já conseguisse fazer.
É difícil compreender como pode o Benfica jogar tão pouco depois de dar 6 ao Braga. Mais: já não tinha sido muito fácil de compreender, aliás, como pôde o Benfica jogar tão pouco como jogou na Vila das Aves, para a Taça da Liga, meia dúzia de dias após a goleada aos bracarenses. E quase tão difícil como entender o jogo da equipa foi sempre perceber o modo como o treinador o explicou.
Por mais estranho que possa parecer, aliás, talvez o melhor exemplo da frágil situação de Rui Vitória tenha sido o continuado discurso cinzento do treinador mesmo após ver a equipa esmagar o Braga, com uma exibição que sem ter sido deslumbrante foi, ainda assim, do melhorzinho que se viu o Benfica fazer esta temporada. O que deveria esperar-se?
Que o treinador viesse dizer: «É este o Benfica que eu quero; é este o Benfica que o presidente quer e é este o Benfica que os adeptos querem. É este o Benfica que temos de ser e é este o Benfica que vamos ser!»
Em vez disso, o discurso de Rui Vitória voltou a ser, pura e simplesmente, mais do mesmo: inócuo, de muita fala e pouco diz e, sobretudo, sem chama ou entusiasmo, incapaz de seduzir ou inspirar, como se a explicação de um jogo de futebol pudesse, repito, ser reduzida à simples condição de no futebol, como diria La Palisse, se ganha, se perde ou empata, porque o futebol é mesmo assim!...
No Benfica, Rui Vitória ganhou nos dois primeiros anos muito mais do que muitos (como eu) esperariam; e ganhou por muitas razões, entre as quais, por ter, naturalmente, sabido ganhar. Sem dúvida. Esses êxitos já ninguém lhos pode tirar.
Mas concordará Rui Vitória que ganhou também pode ter sido surpreendentemente feliz mesmo quando pareceu mais perto do insucesso; ganhou porque outros inesperadamente se deixaram perder; ganhou porque os astros se alinharam me muitos jogos, e ganhou, em última análise, porque nalguns momentos até Nossa Senhora de Fátima o protegeu.
Vitória soube ganhar, mas concordará que, nesses dois primeiros anos, a sorte também raramente lhe foi madrasta.
E mesmo num jogo de futebol onde muito do que acontece tem explicação, a sorte não nos virar costas pode fazer muita diferença.
Nestes últimos dois anos (que acaba por não cumprir), o percurso de Rui Vitória foi mais de acordo, afinal, com o que muitos (como eu) esperavam: quase sempre a descer. E chega o percurso de Vitória ao fim pelo fraco jogo da equipa e pelo fraco discurso dele como primeiro responsável.
Mesmo perdendo apenas algumas batalhas, Rui Vitória acaba, como já há muito se esperava, por perder assim a guerra. Perde pelo que fez e pelo que disse. Perde pelo modo como fez e que fez e pelo modo como disse o que disse.
Não sai por ter deixado de ganhar jogos, porque foi ganhando sempre mais jogos do que perdeu.
Sai porque falhou o penta, sai porque não ganhou mais títulos, sai pelo que a equipa foi jogando (mal) ou deixou de jogar (bem), sai pelo que a equipa foi sendo capaz de fazer ou de não fazer nos chamados jogos grandes, sai pelo folhetim Luisão, sai pelos reforços que afinal pouco reforçaram, sai, também, pela pobre e lamentável imagem que a equipa foi deixando, nestes últimos dois anos, na Europa, e sai, pelos vistos, porque já ninguém dentro do próprio Benfica (incluindo talvez mesmo os jogadores) é capaz de acreditar no treinador e de aceitar o que se vê: um treinador incapaz de pôr a equipa a jogar bom futebol.
Não imagino quem será, em definitivo, o sucessor de Rui Vitória. Mas acho piada a quem sugere que a larga maioria dos benfiquistas não quer que o sucessor de Rui Vitória seja Jorge Jesus. Há mesmo quem fale de 90 por centro contra o regresso de Jesus e apenas 10 a favor. Acho piada.
Terá sido perguntado a todos os benfiquistas se querem Jesus e não dei por isso? Terá sido feita alguma verdadeira sondagem e estive distraído?
Devo evidentemente admitir que muitos benfiquistas possam não querer Jorge Jesus de volta ao Benfica. Mas parece-me inaceitável que alguns ilustres comentadores falem nas televisões em nome dos adeptos do Benfica só porque alguns desses ilustres comentadores televisivos defendem que Jesus não deve voltar ao Benfica.
Não estou assim tão certo que a maioria dos benfiquistas não queiram Jesus e apenas o digo pelo que ouço de alguns adeptos do Benfica, do mesmo modo que ouço alguns adeptos do Benfica afirmarem não desejar o regresso de Jesus.
Daí concluir-se que um ou outro universo representa a maioria vai, naturalmente, uma enorme distância. Ou não vai?
Não sei, repito, se vai ser Jesus ou não o sucessor de Vitória. Defendo apenas a minha opinião, a de que esta equipa do Benfica precisa de um treinador como Jesus.
Uma única certeza, considerando o que nos habituámos a ver: a de que Filipe Vieira decidirá pela sua própria cabeça. Com ou sem luz. Queira ele ou não Jesus.
(...)"
João Bonzinho, in A Bola