"Internacional português pode vir a auferir cerca de 35 milhões de euros por duas épocas no Al Nassr e depois ficará livre; será que se apercebeu do que realmente fez?
E se João Félix tomou a melhor decisão da sua vida? Percebe-se que entre a Luz e o Seixal haja alguma frustração pelo facto de o internacional português ter decidido juntar-se ao Al Nassr, em vez de regressar ao Benfica. Mas como muitas vezes na vida, é preciso olhar para todos os ângulos, para lá do momento, do sentimento imediato, embora isso possa não ser fácil à administração encarnada, sobretudo, mas também àqueles adeptos que ansiavam pelo retorno do Golden Boy.
Desde logo, este não pode ser considerado um falhanço da direção, neste caso desportiva, de Rui Costa. O Benfica fez o que pôde para contratar João Félix, simplesmente não consegue competir com os números de outros campeonatos. Primeiro, os que o Chelsea exigia: uma gestão responsável impõe-se limites, embora todos saibamos que, em ano eleitoral, são cometidos excessos.
Como nenhuma proposta foi aceite pelos londrinos, não se saberia se o Benfica os ultrapassaria, mas ficou a certeza de que havia coisas que na Luz não se aceitaria apenas e só para trazer o jogador predileto do treinador e um que, seguramente, encheria de esperança as bancadas.
O viseense tem uma ligação sentimental ao Benfica, mas o que serviu para «pressionar» o Chelsea, dar a garantia que estava alinhado com Rui Costa e até distrair a opinião pública, na altura, da ausência de Ronaldo em Gondomar foi ‘tiro que saiu pela culatra’ na relação com o Terceiro Anel (usando o termo na sua forma abrangente de representar os adeptos do Benfica).
A declaração no Porto à CMTV de que queria voltar serviu para aumentar a expectativa e mesmo os benfiquistas mais relutantes no seu regresso à Luz teriam a escondida esperança de que João Félix viesse a ser a grande figura do campeonato.
O Benfica não vai ter Félix em 2025/26 e, apesar de todo o ruído em épocas anteriores, nunca esteve tão perto de o ter.
Agora, é preciso olhar os outros lados do negócio. O Chelsea conseguiu o que queria e, portanto, assunto encerrado pelo lado dos blues. Dizia-se antes que o Benfica não pode competir com números de outros campeonatos o que neste caso em particular significava o Public Investment Fund (PIF) saudita. O PIF decide em nome de quatro emblemas da Arábia (Al Ittihad, Al Nassr, Al Hilal e Al-Ahli) e tem uma capacidade que parece inesgotável para concretizar a Visão 2030 que o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman delineou para o país.
É preciso dar este contexto, perceber que se trata de uma fonte inesgotável de dinheiro vindo do petróleo árabe para conseguirmos compreender a dimensão do salário oferecido a João Félix: poderá chegar a 35 M€ em dois anos, contra 3M por ano limpos na Luz e 8M no Chelsea. Por si só, este argumento teria força suficiente para defender o título deste artigo. Porém, é preciso tentar ver para lá do dinheiro. O que nem sempre é fácil. Na sua maioria, os jogadores não são diferentes do comum trabalhador. Uma decisão profissional tem por base na vasta maioria das ocasiões a vertente financeira. Depois, a componente familiar e, por terceiro, a desportiva. Não sei qual foi a que desencadeou a reação de João Félix, apenas posso presumir, mas não desvalorizo os contactos de Jorge Jesus e Cristiano Ronaldo nesta súbita mudança de destino.
A maior crítica que se fez a João Félix desde que saiu do Benfica pelo valor recorde de 126 milhões de euros foi a falta de consistência. Uma ausência de foco, depois de inícios entusiasmantes por todos os clubes em que passou: Atlético de Madrid, Chelsea, Barcelona e Milan.
O viseense também passou por vários treinadores e, neste momento, é difícil não dar alguma razão a Diego Simeone. Mas…
O talento sempre esteve lá, desde aquele primeiro toque como jogador profissional na equipa principal do Benfica, um cruzamento fantástico, no Bessa, que só não terminou em golo porque Jardel cabeceou por cima. João Félix já passou por quase todos os contextos, e o que não terá estado, pelos vistos, foi o resto. A resiliência, a persistência, o tentar ser perfeito todos os dias.
1 - Florian Wirtz, médio ofensivo alemão ex-Leverkusen, rumou ao Liverpool por €125 M
2 - Hugo Ekitiké deixou o Eintracht Frankfurt para representar o Liverpool. O ponta de lança francês custou €95 M
3 - Bryan Mbeumo, extremo camaronês ex-Brentford, reforçou o Man. United por €75 M
Com esta decisão, Félix preferiu o conforto do dinheiro, o conforto desportivo [dificilmente não será titular] e ao lado de Ronaldo aponta já ao Mundial 2026 como parceiro do capitão.
Mas resiliência, persistência, tentar atingir a perfeição são coisas que João Félix também vai encontrar nos feitios [e carreiras] de Jorge Jesus e Cristiano Ronaldo.
O treinador amadorense vai puxar por João Félix, insistir com ele como insistiu e insiste com outros, e a Jesus sempre se lhe reconheceu a capacidade de elevar o jogo dos seus futebolistas (mesmo num campeonato do nível saudita).
Já o madeirense estará todos os dias no mesmo balneário de João Félix. E aquilo que acusam o beirão de não ter, Cristiano Ronaldo tem para dar e vender. Não haveria melhor exemplo, melhor companheiro para Félix ver, todos os dias. Observará como se comporta alguém que não só aspirou a ser o melhor do planeta como o foi durante vários anos. Ronaldo estará ali, a ser persistente mesmo com 40 anos, a mostrar-lhe que o que faz não chega, mas também que a ambição não tem de acabar aos 25 anos, como não acabará aos 27, que Félix completará no final do contrato com o Al Nassr.
Para alguns benfiquistas, Félix mereceria «a prisão», mas daqui a duas épocas e ao fim de 35 milhões de euros, poderá finalmente livrar-se de todas as etiquetas com preços que tinha e se propuseram a pagar por ele. Dito de outra forma, terá o passe na mão e a liberdade para decidir o futuro que lhe apareça à frente. Um futuro que dependerá outra vez da sua atitude, agora na Arábia Saudita: ver e aprender com o melhor naquilo que lhe falta, mudar de mentalidade e tentar outra vez, ou ficar-se pela vida confortável aos vinte e poucos anos e «desistir».
João Félix pode ter tomado a melhor decisão da sua vida. Só não tenho a certeza se o próprio se apercebeu. 35 milhões de euros turvam a visão de qualquer um."