"Depois da explicação do FC Porto, que confirma um pagamento em data tão inoportuna, há, de facto, razões sérias para uma investigação oficial.
Quando o director de comunicação do FC porto comentou, com a ironia que tanto se esforça por herdar do seu presidente, a notícia acabada de sair na edição de A Bola e que dava conta da confirmação de uma queixa na Procuradoria Geral da República, que punha em causa a verdade desportiva daquela estranhíssima segunda parte com o Estoril, decidiu usar a forma de uma proclamação num visível registo de gozo: «Pronto, fomos apanhados!».
Nesta altura, FJM não saberia ainda - nem tinha de saber, porque é apenas um funcionário do clube - que o FC Porto tinha, de facto, pago uma verba de 784 mil euros ao Estoril, dias antes da realização desses quarenta e cinco minutos essenciais à caminhada liderente do FC Porto rumo a um muito possível título de campeão.
Hora depois, trocando a arrogante ironia por uma casta solenidade mais adequada à gravidade do assunto, viria a usar o principal canal do clube para anunciar um pagamento ao adversário, em nome de uma dívida documentada de quatro meses e justificando a data de pagamento pelo facto de ter sido nessa altura que o clube teve dinheiro para resolver a sua responsabilidade.
Foi o suficiente para disparar o gatilho das redes sociais com milhares de frequentadores noctívagos a incendiarem a noite e a madrugada com comentários diversos que, como acontece sempre nestes meios informais de comunicação, vão da natureza mais ingénua ao registo mais reles, próprio de uma marginalidade ululante que se banqueteia com os seus próprios dejectos intelectuais.
A coisa, no entanto, é simples.
Antes da comunicação solene do emissário oficial do FC Porto, o caso resumia-se àquilo que A Bola legitimamente e de acordo com as suas responsabilidades históricas publicou: uma notícia de que tinha havido uma queixa, confirmada pela Procuradoria Geral da República, sobre a hipótese daquela meia parte do jogo no Estoril ter sido indevidamente negociada fora das quatro linhas.
Depois da comunicação de FJM percebe-se que a notícia formal e eticamente inatacável, apesar do nervosismo e desconforto de alguns comentadores portistas, está ultrapassada, porque passa a haver uma óbvia razão para que o caso seja devidamente investigado.
Quer isto dizer que existem indícios claros de ter havido corrupção? Não. Quer dizer que existem indícios mais do que suficientes, para que a denúncia dê origem a um processo e que nele se averigue se se tratou apenas de uma infeliz e invulgar coincidência, que respeita a mera, mas indesculpável, imprevidência de quem pagou em data tão inoportuna, sem sequer cuidar de pensar que esse pagamento, naquela data, a um adversário pobre e carente poderia condicioná-lo e poderia ser mal interpretado.
Após o inesperado desenrolar dos acontecimentos é obviamente impossível não trazer da memória recente as duras críticas do treinador do Estoril, Ivo Vieira, após aquela lamentável segunda parte dos seus jogadores, acusando-os de nada terem feito para tentar ganhar o jogo. Tal como se torna mais inquietante que o clube, em vez de fazer comunicados tardios contra a hipotética assombração da dignidade dos seus profissionais, não tenha vindo no tempo certo e útil a fazer essa defesa, actuando directamente sobre quem mais abriu a porta de uma incontornável suspeição: o seu próprio treinador.
Vêm alguns portistas argumentarem que tudo isto procura desvalorizar um facto essencial: o FC Porto vai à frente por ser melhor. Aí, não podia estar mais de acordo, mas, mais uma vez, e como sempre acontece, a culpa nunca é do mensageiro.
(...)"
Vítor Serpa, in A Bola