"A pré-temporada benfiquista tem decorrido com um grau de serenidade que não é muito habitual verificar-se no Futebol português. Enquanto num passado recente, ao longo deste período, assistíamos a um rodopio de entradas e saídas de jogadores, agora - pelo menos por enquanto -, vamos tendo paz, não só ao nível do corpo técnico (desde que nasci, nunca qualquer treinador realizou quatro épocas consecutivas no Benfica), mas também no plantel. A crise económica que atinge o País não será completamente alheia a esta realidade. Mas, para além dela, e dos seus efeitos, parece existir hoje também um entendimento (a meu ver, correctíssimo) sobre o peso do factor estabilidade no desenvolvimento competitivo de uma equipa de Futebol.
Poucas mexidas
Até ao momento em que escrevo, dos habitantes titulares da última temporada, apenas saiu Emerson, jogador esforçado, mas que foi perdendo espaço com algumas exibições pouco conseguidas - ainda que, na minha opinião, pudesse ser um bom suplente. Em sentido contrário, entraram vários jogadores oriundos do mercado interno (aposta que também saúdo), como Hugo Vieira, Paulo Lopes, Luisinho ou Michel; e regressaram os antes emprestados Carlos Martins, Melgarejo, Perez, Kardec e Mora (estes dois últimos ainda com um ponto de interrogação quanto à sua quantidade). Contratações de monta? Apenas duas: o jovem holandês Ola John, e o argentino Salvio, este já conhecedor dos cantos da casa. Espera-se ainda um lateral-esquerdo, para solucionar um problema que permanece em aberto desde a saída de Fábio Coentrão. Acredito que ele acabe por chegar, e seria muito importante que se tratasse de um verdadeiro reforço, pois no Futebol actual qualquer posição deficientemente preenchida e suficiente para desequilibrar toda a equipa - por maioria de razão num plantel, como o nosso, em que os médios ala são predominantemente ofensivos.
Mais entrada, menos entrada, o que ressalta à vista é a manutenção da quase totalidade dos jogadores da primeira equipa. É importante salientar que na temporada passada, sem a ousada aposta na Liga dos Campeões (que a dada altura terá subvertido a ordem de prioridades no seio do grupo), e sem Pedro Proenças, o Benfica teria certamente arrecadado o título, pois demonstrou ao longo de meses, inteira capacidade para tal. Isso agora pouco interessa, mas não seria justo esquecermos o que este mesmo plantel fez no Campeonato entre Agosto e Fevereiro (quinze vitórias nas primeiras dezoito jornadas), e a força que foi capaz de mostrar ao longo de toda a temporada internacional. Essa deve ser, pois, a base de partida para a nova época, que com um ou outro reforço cirúrgico (os nomes acima referidos, mais o tal lateral-esquerdo) permitirá enfrentar o Campeonato com ambições superlativas.
Paraíso Perdido
Nasci e cresci para o Futebol nos tempos em que o 'onze' do Benfica se mantinha praticamente inalterado durante o prazo de validade da carreira dos seus principais jogadores. Bento, Pietra, Bastos Lopes, Humberto Coelho, Shéu, Carlos Manuel, Chalana, Diamantino ou Nené, vestiram o 'Manto Sagrado' desde que, pela mão, pelo voz, e pelo coração do meu Pai, aprendi o que era ser Benfiquista, até a um tempo em que já ia ao Estádio da Luz pelos meus próprios meios. Os nomes que referi não eram, para mim, os de simples jogadores de Futebol. Muito mais do que isso, eram os jogadores 'do' Benfica, autênticos deuses no templo da minha paixão. São nomes que ainda me causam arrepios sempre que os pronuncio.
Os tempos são outros, mas mesmo num contexto fortemente mercantilizado, vemos o Barcelona com Xavi, Iniesta e Puyol, o Chelsea com Lampard, Terry e Cech, o Real Madrid com Casillas e Ramos, o Inter com Zanetti, Júlio César e Stankovic, o Manchester United com Giggs, Scholes e Ferdinand. É assim que mantêm a identidade, como grandes equipas que são. Não sou, nem um pouco, entusiasta da volatilidade dos mercados de transferências (algum adepto o será?), e em muitos casos custa menos a perceber a pertinência de certas transacções, que trazendo soma nula às equipas, servem apenas para engrossar as contas bancárias dos agentes nelas envolvidos - figuras que, a meu ver, ajudando eventualmente os jogadores, não ajudam, certamente, o Futebol.
O Benfica (de Maxi, Luisão, Cardozo ou Aimar) tem sabido aprender, e está hoje a anos-luz do entreposto de atletas que chegou a parecer no passado. É este o caminho certo. É mantendo esta identidade que chegaremos aos títulos. Até final do mês, 'no news, good news'.
..."
Luís Fialho, in O Benfica