"Desde pequeno com a 'águia' empoleirada no coração, o eterno capitão do Benfica brilhou de 'encarnado' com a alma de lutador que lhe viria a garantir um lugar na história do clube e do País.
1949. Nesse ano, o Benfica comemora o seu 45.º aniversário e tem cerca de 15 mil sócios. A equipa de futebol é, então, comandada por Ted Smith, técnico inglês vindo do Charlton em 1948. As alterações na equipa técnica não produzem, porém, resultados imediatos, e as 'águias' quedam-se pelo segundo lugar no campeonato.
Já na Taça de Portugal, a história seria outra, com o Benfica a registar o seu quarto triunfo na prova, após vitória, por 2-1, sobre o Atlético. O jogo disputa-se no Jamor, palco onde todos os benfiquistas e, em particular, o capitão Francisco Ferreira sentem ainda, bem viva, a memória do 'Grande Torino'. E quem era, então, Francisco Ferreira?
O TIGRE DO TELHEIRO
'O mais popular jogador português do momento actual e aquele que melhor sabe encarnar as virtudes do verdadeiro atleta benfiquista', assim se descreve, à época, no jornal do clube, o capitão do Benfica e da Selecção Nacional.
Jogador que encarna a genica e a alma, o apurado espírito de camaradagem de Francisco é um dos seus traços distintivos. Na revista Stadium, em publicação na altura, é apelidado de 'o mais popular e simpático jogador do futebol português'. Num plano mais vasto, é um ídolo e um símbolo do clube e do desporto nacional. Xico, diminutivo por que era tratado, nasce em Guimarães a 28 de agosto de 1919. Aos 12 anos passa a viver com a mãe em S. Mamede de Infesta. Mas as dificuldades económicas da família empurram-no para o mundo do trabalho, ficando, no entanto, livre para o futebol no tempo excedente. Por essa altura incita os camaradas de jogo a fundarem com ele um clube, para o qual propõe o nome de Tigres do Telheiro.
O então treinador húngaro do FC Porto, Jesef Szabo, assiste um dia a em encontro dos Tigres e não consegue desviar os olhos do extremo esquerdo. No fim do embate, lança-lhe o isco da camisola azul e branca e o jovem jogador, então com 15 anos, é incorporado nos escalões inferiores. Em 1937, é promovido à categoria de reserva. Metódico, disciplinado e cultivador de uma vida regrada, só não alcança a titularidade na equipa de honra porque tem três internacionais a taparem-lhe o caminho. Mas estrear-se-á ainda nesse ano, no Campo do Ameal, em jogo com a Académica de Coimbra para o Campeonato de Portugal. Em breve disputará a final da prova, contribuindo para a vitória, por 3-2, sobre o Sporting e conquistando, assim, o seu primeiro título.
Quando se reconhece como uma aposta ganhar, tenta, junto dos responsáveis do clube, melhorar as suas condições. Os dirigentes portistas não mostraram, porém, grande abertura nesse sentido. A sua atenção acaba por se focar no Benfica, emblema que desde pequeno o atrai. E é depois de ver gorada nova tentativa de acordo com os nortenhos que acaba por se transferir para o grémio encarnado.
A perda do promissor Francisco Ferreira para o Benfica é vista como uma falha de gestão do FC Porto. Na tentativa de colmatar o erro, o jogador portista Carlos Pereira desloca-se a Lisboa para demover o jovem Xico. Mas este não cede. E nem mesmo uma posterior tentativa do Sporting é bem sucedida. Cativa-o a 'águia'. Tem-na altivamente empoleirada no coração. De vermelho vestido, Francisco Ferreira faz a sua estreia no Campo Grande, em 18 de setembro de 1938, num jogo frente ao Belenenses para a Taça Preparação, torneio que visava a 'afinação' dos clubes para o Campeonato de Lisboa.
Depressa cimenta o seu lugar na equipa, de que não tarda a tornar-se ídolo.
A 'camisola das quinas' veste-a ainda na plenitude dos seus 20 anos. Algo que não estranha, pois nessa altura tem já lugar na Selecção de Lisboa.
Em fevereiro de 1942, diz-se dele no jornal do clube que 'foi um jogador feito para o Benfica, porque tem (...) todos os predicados que recomendam um atleta que sabe vestir uma camisola encarnada: energia que não cede, vontade que não quebra, dedicação que não cansa, generosidade que não hesita. Francisco Ferreira é o tipo verdadeiro do atleta do Benfica. Luta enquanto dura a competição. Não sente o esforço, nem recua diante das dificuldades. Finca os dentes - e marcha em frente'.
Efectivamente, o popular Xico veria, com natural justiça, a sua carreira reconhecida em todo o País. E, 1952 abandonaria os relvados, depois de conquistar, no Jamor, a Taça de Portugal, numa final considerada ainda hoje, a mais emocionante de sempre, com o Benfica a vencer por 5-4 o arquirrival Sporting.
Feitas as contas, Francisco Ferreira somou com a camisola do Benfica um total de 522 jogos e marcou 60 golos. Venceu quatro vezes o Campeonato Nacional e seis vezes a Taça de Portugal. A estes títulos acrescentou ainda 25 internacionalizações, número significativo para a época e que constituiu recorde durante alguns anos."
Luís Lapão, in Mística