Últimas indefectivações

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

E até o general sorriu...

"Um dos dérbis mais abracadabrantes para a Taça de Portugal teve lugar em Junho de 1952. Final no Jamor. Golpe e contragolpe. O Benfica ganhou no último minuto: 5-4!

'O Chefe do Estado e alguns ministros assistiram ao jogo no estádio que registou de uma grande enchente'.
Era a manchete de um periódico lisboeta.
O Chefe de Estado...Ah! Era de abrir a boca de espanto.
Claro que, em 1952, estas coisas se levavam muito a sério. Um Chefe de Estado, assim mesmo com maiúsculas, não andava por aí a tirar fotografias com a malta a torto e a direito. Havia um certo recato. Uma certa cerimónia.
O jogo era o Benfica - Sporting.
Mais ainda: primeira final da Taça de Portugal entre Benfica e Sporting. Com o nome de Taça de Portugal, claro! Deixemo-nos de bizantinices: antes da Taça era o Campeonato de Portugal e ponto final. O revisionismo já deixou de ter espaço nas sociedades que se querem democráticas.
Final e que final: o Benfica venceu por 5-4!
Foi com jogos destes que se fez a lenda dos dérbis.
'Pode dizer-se que esta final da Taça traduziu um fecho magistral para as grandes competições nacionais de futebol'.
Fecho, sim. A Taça disputava-se a partir do momento em que o campeonato já tinha terminado. O campeão desse ano fora o Sporting. Mais um motivo para puxar pelo brio dos jogadores encarnados.
Há, sobre a relva, praticantes de suprema qualidade: Carlos Gomes, Juca, Travassos, Albano, Rola, Martins, do lado dos leões; Félix, Francisco Ferreira, Arsénio, Águas, Corona, Rogério do lado das águias.
O povo entusiasmado transbordava nas bancadas.
Havia até gente dependurada nas árvores à espreita dos golos.
E foram nove! Ah! Nove golos num Benfica - Sporting...
E com o sr. general Craveiro Lopes a não perder pitada.

Pontualmente!
Um rigor de pontualidade: 17 horas e 35 minutos, a bola começa a rolar.
Nunca mais ninguém teve descanso.
Bola cá, bola lá. Ritmo, imagens, emoções!
Albano chuta a centímetros do poste; Arsénio responde com uma arrancada feroz.
Fernandes derruba Martins na área de Bastos. 'Penálti!', grita a multidão em ovação. 'Rapaziada, a vitória será nossa...', cantam os adeptos verdes-e-brancos.
Albano faz 1-0 aos 9 minutos.
O Sporting ataca mais, mas agora há quezílias constantes. O árbitro adverte, aqui e ali. Precisa de estar atento. O ambiente ferve. Afinal, trata-se de um Benfica - Sporting.
24 minutos. Mão de Juvenal. Mais um penálti! Agora na outra baliza. Rogério garante o empate.
Não ficaria por aqui.
Águas tem na cabeça o 2-1. Falha. Carrega Carlos Gomes. Este queixa-se. Mais tempo perdido.
41 minutos: novo penálti. Mas Rogério não consegue repetir o que fizera minutos antes. A bola sai ao lado.
O início do segundo tempo é frenético! 49 minutos, e Corona com um pontapé rasteiro, engana o keeper do Sporting.
Esperem. Quase não há tempo para comemorações. Dois minutos mais tarde, e é Rola, com um remate vistoso, que bate Bastos.
Ninguém está disposto a ceder.
Passam-se mais três minutos. Martins vira o jogo. Os leões estão na frente. 3-2.
E agora, Benfica? Que resposta?
Tremenda. Forçando até ao limite as fraquezas contrárias. Rogério é o autor do empate. Falta jogar vinte minutos, talvez nem isso.
O ardor posto na refrega é impressionante. O povo, em redor, rói as unhas de nervoso miudinho. Não há quem consiga estar sentado. Tudo se desenrola por entre sobressaltos.
Rola, de imediato, faz o 3-4.
Exige-se tudo da alma encarnada. Águas é de uma classe impressionante: dribla Passos, espera pela saída de Carlos Gomes e concretiza nova igualdade.
O que falta para o fim é abracadabrante! Os jogadores de um lado e do outro vão ao ponto mais alto da sua resistência. E da sua capacidade de vergar o Destino.
Disputam-se os segundos derradeiros. Rogério recebe uma bola à entrada da área do Sporting, adianta-se um pouco, aplica-lhe o golpe definitivo.
É golo! Golo do Benfica!
A Taça já não tem como fugir das mãos dos encarnados.
Francisco Ferreira subirá à tribuna de honra para recebê-la. Até o sr. general Craveiro Lopes, chefe do Estado, sorri. E alguns ministros com ele..."

Afonso de Melo, in O Benfica

Uma mulher de muitos títulos

"Isabel Rocha chegou, venceu e contribuiu para fazer do Benfica 'a maior referência' do badmínton dos anos 60 e 70.

No final da década de 1950, o badmínton chegou ao Sport Lisboa e Benfica. Então ainda pouco divulgada em Portugal, a modalidade teve no clube 'encarnado' um pilar preponderante para a sua implementação. De 'águia ao peito' equiparam alguns dos nomes mais marcantes da história do badmínton nacional e, com eles, o Benfica tornou-se 'a maior referência' dos anos 60 e 70.
Maria Isabel Rodrigues Rocha foi um desses nomes. Mais conhecida simplesmente por Isabel Rocha, foi, a par de Alegre dos Santos e José Bento, a atleta mais representativa da secção de badmínton do Clube, em actividade entre 1957 e 1979. Isabel começou a praticar badmínton aos 1 anos quando, como referiu a própria, 'a brincar com uma raqueta e um volante (...) verifiquei que não era desajeitada de todo'. Aos vinte e um anos vencia o seu primeiro Campeonato Nacional de singulares femininos e, daí em diante, foi um constante somar de títulos ao seu palmarés.
Chegou ao Benfica em Janeiro de 1964 e, poucos meses depois, Isabel já figurava na imprensa como 'a primeira benfiquista como 'a primeira benfiquista campeã nacional de badmínton'. Sairia em Dezembro de 1973, depois de quase dez anos ao serviço das 'águias'. Ao longo da sua carreira representou também emblemas como o Lisboa Ginásio Clube e o Grupo Desportivo Estoril Praia, entre outros, mas foi de 'encarnado' que equipou mais tempo e conquistou mais títulos. Pelo Benfica venceu diversas provas, entre elas 23 campeonatos nacionais (4 na categoria equipa-mistas, 6 em singulares-senhoras, 5 em pares-senhoras e 8 em pares-mistos). Foi também como atleta do Benfica que integrou a primeira selecção nacional em Março de 1972 em Lausanne, na Suíça.
'Considerada (...) a melhor jogadora nacional', a antiga atleta do Benfica e dirigente da Federação Portuguesa de Badmínton dá nome a troféu do Campeonato Nacional de Equipas Femininas Seniores - a Taça Isabel Rocha - desde 1985.
Na área 3 - Orgulho Ecléctico do Museu Benfica - Cosme Damião encontraram-se expostos os troféus referentes a títulos colectivos conquistados pelo Sport Lisboa e Benfica no Campeonato Nacional de badmínton. Entre eles, os Campeonatos Nacionais de equipas mistas de 1966/67, 1968/69, 1971/72 e 1972/73, em que, Isabel Rocha integrou as equipas vencedoras."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

O mérito e a excelência

"Começou a contagem decrescente para mais uma gala de aniversário – o 115.º – do Sport Lisboa e Benfica! O ponto alto da celebração anual será, como já vem sendo hábito, a entrega dos galardões Cosme Damião.
O simbolismo e a importância do momento foram ontem exemplarmente sintetizados por Luís Nazaré, presidente da Mesa da Assembleia Geral, na apresentação dos nomeados: “Reconhecer a Mística, o trabalho e os resultados faz parte do património da nossa instituição. No Benfica, somos assim. Temos memória e fazemos questão de a sublinhar.”
Os atletas que mais se destacaram durante o último ano vêem agora reconhecido esse desempenho de mérito e excelência em diversas modalidades. Os galardões Cosme Damião demonstram, de forma inequívoca, a vitalidade e a pujança de um clube e de uma organização sem paralelo em Portugal.
Há 36 nomeações distribuídas por sete categorias (Revelação, Revelação Modalidades, Formação, Modalidade, Treinador do Ano, Atleta de Alta Competição e Futebolista do Ano), devendo ser destacada a presença cada vez mais significativa de atletas femininos e também a afirmação em pleno do talento nascido dentro da nossa casa.
Os vencedores serão encontrados, como habitualmente, através de voto, mas o Benfica irá também homenagear – de forma directa e através da Direcção do Clube – quem mais se destacou noutras categorias. Gratidão é a palavra que todos os benfiquistas dedicam, nesta hora, a quem tanto fez e continua a fazer para honrar a memória de Cosme Damião.
Mais um motivo de orgulho: a prestigiada revista ‘France Football’ (que patrocina, desde 1956, a Bola de Ouro, que elege o melhor futebolista do ano), acaba de publicar a lista dos 30 maiores clubes do Mundo. O Benfica, no 19,º lugar, é o único clube português que aparece num ranking claramente dominado pelas equipas das principais ligas europeias.

Nota final: estão esgotados os bilhetes disponibilizados para os nossos adeptos para o jogo de 2.ª feira, na Vila das Aves. Aí está a onda vermelha!

PS: A notícia de que os Super Dragões estão a fazer segurança à família do hacker diz tudo sobre o crime organizado. As ligações, a segurança ilegal e a impunidade de quem se sente acima da lei."

A farsa burlesca...

"Tal como nos tempos do "antigamente" é preciso o exterior para observar, lucidamente, o sítio em que vivemos. Um resultado bem sucedido, histórico, deveria ser a apologia das virtudes, especialmente quando combina irreverência, talento, rigor, alegria. O bem deste Benfica é a generosidade do jogo pelo jogo. Desarmes, passes, dribles, desmarcações, remates. Exemplares. Jogadores tantas vezes desvalorizados, tais como André Almeida, Rafa, Gabriel, Samaris, Seferovic, Pizzi, sublimaram as críticas em lances consecutivos de classe. Fizeram-no porque existe uma identidade colectiva que lhes dá confiança e oportunidades.
O treinador, em mês e meio de trabalho, atingiu o ponto em que a sua prestação equivale a uma densa interrogação sobre a competitividade do futebol português. Notável.
A singularidade deste futebol é o Benfica. Sem o Benfica, o futebol português seria outro. Não atrairia a atenção dos benfiquistas e dos anti-benfiquistas. Seria o equivalente aquelas modalidades em que o Benfica não compete. Em termos mediáticos é como se não existissem. Só o Benfica e a sua negação agregam. Uma tristeza, esta concepção do desporto.
Um feito extraordinário transforma-se numa depressão colectiva. Convocam-se as vozes da estupidez, da mesquinhez, da inveja, da ignorância, da má fé para um coro de protesto contra... o mérito. Abrem-se as cortinas para minutos de vulgaridade. E é isso que se transmite! No mínimo, é hilariante. O golo de Ferro, a estreia de Florentino, o regresso de Jonas, a homenagem a Chalada, o estádio cheio. Nada disso interessa ao guião desta farsa burlesca em que se transformou o comentário desportivo nacional.
No final, saiu reforçada a marca Benfica e impulsionada a luta pelo título. A três.
Na segunda feira todos estes soldados cercarão a sua antítese. Cabe-nos ser Benfica e enfrentá-los com coragem, lealdade e ambição. Força, Benfica!"

“Pensei que o meu pai estava a andar à porrada e quando lá cheguei ele tinha os olhos revirados. Levaram-no, nunca mais o vi. Tinha 12 anos”

"Aos 31 anos, Sílvio recorda com saudade o pai, que faleceu durante um treino seu na formação do Benfica quando tinha apenas 12 anos e revela que no dia do funeral foi na mesma ao treino. Casado e pai de dois filhos, depois de várias intervenções cirúrgicas quer provar no Vitória de Setúbal que ainda não está acabado para o futebol. Confessa que se arrepende de decisões que tomou na carreira e afirma que a passagem pelo Atlético de Madrid o marcou, até pelas amizades que criou. Quanto ao futuro, vai passar pelo imobiliário, actividade que já ocupa boa parte do seu tempo, mais do que o surf, o hóbi que pratica desde miúdo

Quais as suas origens?
Sou natural de Lisboa, cresci em Campo de Ourique, na rua dos Sete Moinhos. A minha mãe era empregada de limpeza no externato do Parque, onde eu e os meus irmãos andámos. O meu filho anda lá agora. O meu pai faleceu quando eu tinha doze anos, era cantoneiro da câmara municipal de Lisboa.

Quantos irmãos tem?
Tenho dois, um mais velho, o Mauro com 34 anos e o Dino, que tem 25.

Quando se fala de infância qual é a primeira memória que tem?
O bairro.

Era problemático?
Nunca foi um bairro muito difícil. Ninguém tinha medo de sair à rua, ninguém era assaltado, era um bairro típico lisboeta. Havia coisas muito boas e tinha os problemas que os bairros têm, drogas e essas coisas. Mas sempre adorei viver no bairro, fazia coisas que o meu filho hoje não faz, nem vai fazer. Curte à maneira dele, mas não brinca na rua de manhã à noite, nem joga à bola na rua, como nós.

Foi aí que começou a bola?
Foi. Tínhamos acesso a um bocado de rua sem carros e jogávamos lá. Felizmente, também tínhamos um clube, onde comecei a jogar, o Andorinha Futebol Clube. Saía de casa e tinha o Andorinha à frente. Na altura o presidente era o meu tio, irmão da minha avó. Mais tarde a minha mãe também trabalhou lá, no bar. Aquilo era nosso, era uma colectividade, toda a gente parava ali. Ainda existe, mas já não se joga futebol, é só um barzinho. Foi lá que começamos a jogar nos Jogos de Lisboa. 

Torcia por que clube?
Pelo Benfica, sempre. O meu pai era benfiquista ferrenho e os meus tios também.

Quem eram os seus ídolos?
Nunca fui de ídolos... Gostava do Roberto Carlos quando era mais novo. No Benfica gostava do Gamarra e do João Pinto.

É canhoto?
Não sou canhoto, mas sempre joguei no lado esquerdo. Fiz a minha formação toda a extremo-esquerdo e depois a lateral. Lembro-me que gostava muito de ser canhoto (risos) e forçava jogar com o pé esquerdo. Acabei por melhorar esse aspecto.
O seu irmão mais velho também jogava futebol?
Jogava. O Mauro fez formação num clube de Campo de Ourique, o Desportivo Domingos Sávio e depois jogou no Moscavide. Podia ter seguido carreira, mas na altura faltava dinheiro e ele teve que ir trabalhar.

Como é que o seu pai faleceu?
A ver um treino meu no Benfica. Não sei se foi durante o treino ou se foi depois de ter acabado. Lembro-me de ter saído do balneário e ver um aparato. Pensei logo que tinha sido o meu pai, mas não naquela situação. Pensava que tinha havido alguma confusão, não que ele fosse de arranjar confusões, mas como ele era nascido e criado no bairro, de vez em quando havia confusão e alguma porrada. Pensei: será que o meu pai andou à porrada? Quando chego lá perto e vejo-o no chão, já o vejo com os olhos revirados... Foi duro. Com 12 anos, foi duro. A primeira sensação que tive foi, o meu pai já foi... Foi duro para caraças. Levaram-no dali e nunca mais o vi.

Passou-lhe pela cabeça desistir do futebol ou antes pelo contrário, deu-lhe uma força maior?
Desistir nunca. Era miúdo e lembro-me que no dia do funeral houve um treino e eu fui treinar. Senti muito a perda dele, mas nunca tive a ideia de desistir. Ele em tempos também tinha sido jogador de futebol, não a nível profissional; fez as camadas jovens todas no Sporting e jogou no Belenenses. Era capitão e jogou contra ex-treinadores meus. O António Bastos Lopes, que foi meu treinador nas camadas jovens do Benfica conhecia-o e mais tarde o Jesus também me falou dele. Ele era um craque nas camadas jovens, só que depois não teve cabeça, não seguiu. O meu pai acompanhava muito de perto a minha carreira de jogador jovem e eu sabia que era um sonho dele e meu. Isso até deu-me força para continuar.

A morte do seu pai é que leva o seu irmão mais velho a ter de ir trabalhar?
Sim, claro. O Mauro tinha 16 anos e podia subir a sénior no Moscavide, mas teve de optar entre uma coisa ou outra e… Nunca ninguém lhe exigiu que fosse trabalhar mas ele, por ele, resolveu ir.

O seu irmão mais novo lembra-se do seu pai?
Tinha seis anos. Custa-me falar com ele, porque sei que ele não tem grandes recordações do pai. Custa-me isso.

Qual é a imagem mais presente que tem do seu pai?
Tenho muitas. De vez em quando estou a dar a papa ao meu filho e lembro-me que uma vez, tinha jogo no Benfica, ele deu-me os Chocapics à boca. Não era comum, era mais a minha mãe a dar, ou eu mesmo, mas daquela vez foi ele que me deu à boca. Hoje em dia faço muitas vezes isso ao meu filho e lembro-me dele a dar-me os cereais antes do jogo, para me motivar. Depois dos jogos nunca me disse que eu tinha jogado mal. Estava sempre bem.
Como e quando vai para o Benfica?
Vou com seis anos, por iniciativa do meu pai. Sabia que eu tinha jeito, via-me a jogar lá na rua, nos Jogos de Lisboa, as pessoas gostavam de ver-me jogar. Um dia leu num jornal que havia captações para as escolinhas do Benfica, perguntou-me se queria, eu todo contente disse que sim e fomos. Fiquei logo.

Quem lhe deu o primeiro treino?
Foi o mister José Morais que mais tarde esteve com o José Mourinho. Foi uma pessoa muito importante para mim. Era ele que me acompanhava mais de perto. Quando entrei foi muito importante nos meus primeiros anos de Benfica e, mais tarde, quando o meu pai faleceu, disse que ia ser um segundo pai para mim no Benfica. É uma pessoa de quem gosto muito. Eram centenas de miúdos, todos os dias iam embora uns e eu fui ficando. Era o mais pequenino e o mais novo, mas falaram com os meus pais e com a minha avó. Disseram-lhes que era o mais pequenino e o mais franzino mas para não ir embora porque era possível que resultasse. Eles lá fizeram o esforço de ir todos os dias para o Benfica comigo. E resultou.

Dos tempos de formação no Benfica quais são as memórias mais fortes que tem?
Os tempos de formação no Benfica foram os tempos mais felizes. Estive lá dos 6 aos 17 anos, das escolinhas aos juniores. Tive muitos momentos bons e tive o pior da minha vida, o falecimento do meu pai, que também foi lá.

Que amizades é que ficaram desses tempos?
O Tiago Gomes, que está no Feirense, o Manuel Fernandes, o Pedro Correia, que jogou no V. Guimarães. Os mais conhecidos são estes, são os que vingaram. Depois há outros com quem também fiquei com uma boa relação.

Entretanto sai do Benfica para o Atlético do Cacém.
Mas primeiro fui à experiência ao Chelsea.

Com quantos anos?
Com 17 anos.

Conte lá isso.
Tenho um tio que tinha um conhecimento, um assessor de imprensa do Mourinho, não me recordo do nome. Deve ter mexido os cordelinhos e eu fui lá treinar uma semana.

Com o Mourinho?
Fui treinar às reservas do Chelsea, o Mourinho treinava a equipa principal que tinha ido de estágio para os EUA se não me engano. Estive lá uma semana e acho que correu muito bem. Mas eles tinham o dobro do meu tamanho (risos). Acho que só dei o pulo depois dos 17 anos, até lá sempre fui o mais magro, o mais pequeno. Não senti dificuldade nenhuma, joguei bem e tive uma semana boa, mas acabei por não ficar.

Que justificação lhe deram?
Disseram que era muito franzino, que não chegava para aquela liga que era muito competitiva. De Londres ainda fui ter com o Manuel Fernandes, ao Portsmouth. Já que estava por lá, tentei. Estive um mês e tal com ele, a viver no mesmo quarto de hotel, a dormir na mesma cama. Também correu muito bem, cheguei a fazer um ou dois jogos de treino, mas disseram-me que os direitos de formação no Benfica não permitiam que eu ficasse. Não sei se foi uma história que inventaram. Regressei a Portugal só em Setembro e já estava tudo fechado na I e II Liga. Então fui para a III divisão, para o Atlético do Cacém.
Custou-lhe ter de ir jogar para a III divisão?
Custou, mas tive sorte porque no Cacém o treinador-adjunto era um grande amigo meu, o mister Eduardo. Tinha sido meu treinador nas camadas jovens no Benfica. Ligou-me mal soube que as coisas em Inglaterra não tinham dado certo. “Sílvio, tens aqui as portas abertas”. O mister Eduardo era adjunto e o mister Pedro Valido, que trabalha no Benfica agora, era o treinador principal. Não podia dizer que não, senão ficava sem jogar, mas custou-me. Cheguei a chorar. A primeira semana foi complicada. Tinha tido a formação toda no Benfica, que é um mundo à parte, onde não falta nada ao jogador. Fui para Inglaterra treinar no Chelsea e no Portsmouth, onde treinava todos os dias com os seniores, craques da Premier League e depois vir para o Cacém... Vinha com uma pedalada de Inglaterra e quando lá cheguei, pensei “Vou atropelar esta gente toda, com a pedalada com que venho e como estou fisicamente vou sair daqui facilmente”. Mas passadas duas semanas estava igual a eles. O ritmo baixou, o treino não tinha nada a ver, era um ritmo baixo e estava igual a eles.

Quando é que recebe o primeiro ordenado?
No Benfica não recebia. Tinha um contrato de formação, davam-me dinheiro para o passe e mais algum, uns €200 no máximo. O primeiro ordenado foi no Cacém, eram €400.

O que fez a esse primeiro ordenado?
Fui jantar fora, pagar à família, aos meus irmãos e à minha mãe. Isso é que me dava prazer. Ainda hoje é o que me dá prazer, pagar jantares ou almoços.

A seguir vai para o Odivelas.
Sim. Sempre que joguei as coisas correram bem mas em Janeiro apareceu-me um empresário, já nem sei o nome, nem quero saber, que não me tratou muito bem. Disse que tinha o Maiorca interessado em mim. O Maiorca estava na I Liga e também tinha uma equipa B. Eu todo entusiasmado por me ir embora do Cacém... As pessoas lá trataram muito bem, mas eu queria outro campeonato. Fui ter com as pessoas do Cacém, disse-lhes que havia interesse, pensava eu do Maiorca, mas afinal era do UD Vecindario, de Santa Lucia de Tirajana, que ficava na Gran Canaria. Cheguei lá, veio um senhor ter comigo: “Boa tarde, és o Silvio?”. “Sou, sou. Venho para o Maiorca”. “Para o Maiorca?! Não, vens para o Vecindario”. Eu nem conhecia o Vecindario. Fiz os treinos, mas nem treinei a lateral esquerdo, treinei a extremo esquerdo, a médio esquerdo, mas acabei por não ficar e regressei ao Cacém. O treinador foi meu amigo e voltou a convocar-me e correu bem a última fase do campeonato.

Isso tudo na mesma época?
Tudo na mesma época. Depois surgiu o interesse do Odivelas e eu fui. Deixaram-me sair e nem me pediram nada, foram impecáveis. Na altura foi um salto muito bom, passei de um clube da III divisão que nem estava muito bem, para o Odivelas que apesar de ser um clube de IIB, já era um clube em que treinávamos todos os dias de manhã, com ordenados melhores, fui ganhar €800 e foi um salto bom no meu início de carreira.

Segue-se o Rio Ave.
Quando fui para o Odivelas joguei desde o início da temporada. Entretanto a meio o treinador muda; eu gostava do Rui Gregório mas os resultados não apareciam e veio outro treinador, tive sorte com ele, o António Pereira, que agora está no Real de Massamá. Na altura era o Mourinho dos pobres, subia sempre as equipas ou mantinha aquelas que estavam para descer. Gostou muito de mim, esteve sempre a dar-me muito moral. Vamos fazer um jogo para a Taça de Portugal, com o Rio Ave e as coisas saíram-me bem. Desde aí o Rio Ave começou a seguir-me. No final da época eu já tinha empresário, tinha assinado com o Paulo Madeira e com o Paulo Barbosa, falaram com o Paulo Madeira que falou comigo e fui para o Rio Ave na época seguinte.
Foi sozinho ou com alguma namorada?
Fui sozinho. Namorava desde os 16 anos com a Marta, que é a minha mulher, mas ela ainda estudava. Estava na faculdade a tirar Ortoprotesia, próteses, tudo menos dentárias.

E o Sílvio estudou até que ano?
Até ao 10.º ano. Larguei a escola quando era júnior no Benfica. Estava na Josefa de Óbidos, mas entretanto começo a ir à selecção e começou a ficar complicado. Comecei a faltar. Levava na cabeça da minha mãe: “Olha que o futebol pode não dar”. Mas eu dizia-lhe sempre que ia dar. Comecei a chegar cada vez mais tarde à escola e a faltar, até que chegou um ponto em que deixei de ir. No ano seguinte a esse, a minha mãe ainda pensava que eu ias às aulas, mas não. Foi quando comecei a jogar como sénior no Cacém. Acabou a escola.

Estávamos a falar do Rio Ave. Vai viver para onde?
Mesmo para o centro de Vila do Conde. Fui sozinho mas tinha lá muita gente. A minha mãe quando podia ia lá passar o fim de semana, a Marta também. A minha avó também, às vezes até aos dias de semana. No início fui para a casa de um amigo meu, o Miguel Lopes, que fez carreira no FC Porto, no Sporting e agora está na Turquia. Conhecia-o das camadas jovens do Benfica, da equipa B. Fiquei a viver na casa dele cerca de um mês, o tempo de procurar uma casa. Depois arranjei um apartamento e tive de desenrascar-me (risos). Nunca tinha feito nada, tinha a minha avó que fazia os almoços e os jantares em Lisboa, por isso quase sempre ia comer fora. Mas não cozinho mal, aos poucos fui-me aventurando a fazer bifes, arroz e massas.

Adaptou-se bem a Vila do Conde?
Muito bem. Eu nunca tinha saído de Lisboa. Sou alfacinha de gema e sempre pensei, o norte é só “bimbos” (risos). Na minha cabeça o norte era província. Lembro-me que no caminho do Porto para Vila do Conde havia muito verde à volta da A28 e só pensava, mas para onde é que eu vim. Pensava na família e nos amigos, que ia sozinho e estava a deixar tudo. Mas quando lá cheguei e vi que havia praia, que eu adoro, pensei, se calhar isto até não é assim tão mau. Depois fui ter com o Miguel Lopes que já lá estava a jogar e adaptei-me muito bem. Gostei muito das pessoas.

Que treinadores teve nas duas épocas em que lá esteve?
O João Eusébio, que foi embora a meio da época, e o Carlos Brito. Quando ele chegou eu estava lesionado, tinha feito um estiramento e estive um mês sem jogar. Estava a treinar à parte para recuperar, mas assim que recuperei, ele falou comigo e disse para eu continuar a trabalhar bem, que assim que surgisse oportunidade iria entrar. E aconteceu. Quando entrei, nunca mais sai.

A seguir vai para Braga.
O SC Braga surge no início da terceira época no Rio Ave. O Paulo Barbosa, que era o meu empresário, dizia-me desde o final da segunda época que havia o interesse do FC Porto e eu fiquei a pensar que ia para o Porto. Mas não aconteceu. Fiz a pré-época toda no Rio Ave. Estava um bocado desmotivado porque já era a terceira época e queria dar o salto, mais um salto. E não era justo estarem sempre a falar do mesmo, FCP, FCP e afinal… . Fiquei um bocado chateado e frustrado com o Paulo Barbosa. Entretanto apareceu uma pessoa da parte do Jorge Mendes a dizer que havia interesse do SC Braga e não pensei duas vezes. Foi tudo muito rápido. Quase no último dia das inscrições. Assinei contrato. Mudei de empresário, decidi pela minha cabeça.

Essa época correu-lhe bem?
Correu muito bem. Entrei com o mesmo pensamento com que tinha ido para o Cacém, o Odivelas e do Odivelas para o Rio Ave: aprender. Sempre que subi de patamar meti na cabeça que tinha de ter calma e aprender. Tinha uma época para aprender, mas o que é certo é que comecei logo a jogar nas equipas todas. No Braga, não. Estive um mês sem jogar, mas sempre a ser convocado pelo Domingos Paciência, sempre a treinar, até que há um jogo com o Sevilha, em casa, em que o Miguel Garcia levou um amarelo e o mister Domingos tirou-o para não levar o segundo amarelo. O jogo estava muito pelo lado dele, e meteu-me a mim. Estava 0-0 e na primeira vez que toco na bola, faço assistência para golo. Isso motivou-me e na segunda-parte as coisas correram-me muito bem. Depois viemos aqui jogar e ele meteu o Miguel Garcia e depois lá, contra o Sevilha, meteu-me a mim outra vez. Ganhámos, correu-me muito bem o jogo e nunca mais sai. O lateral-esquerdo lesionou-se, fui para a esquerda e o Miguel Garcia para a direita e jogamos os dois assim até ao final da época. 
Gostou de Braga?
Adorei. Não sei de que cidade gostei mais se Vila do Conde, que tem praia logo ali, ou Braga, uma cidade mais movimentada, com mais pessoas e coisas para fazer. Gostei das duas. A verdade é que quando as coisas nos correm bem profissionalmente, a cidade parece que fica mais bonita.

A época correu-lhe tão bem que surge o interesse do Atlético de Madrid.
A primeira vez que o Jorge Mendes me fala do Atlético foi muito cedo, as pessoas nem sonhavam. Foi logo em Janeiro que surgiu o interesse, assinei o pré acordo com o Atlético muito antes da época terminar. Nunca falei disso com ninguém, a não ser com a minha família mais próxima. Nunca ninguém soube e ainda bem. Ainda bem para mim e para o clube. O clube sabia, o presidente, mas os adeptos não.

Estava entusiasmado por ir para o Atlético?
Estava. Tinha mais algumas equipas, onde ia receber até mais, na Rússia, mas não quis. Falei com jogadores que tinham jogado no Atlético de Madrid e todos falavam bem, por isso foquei-me no Atlético e assinei contrato. Depois do meu último jogo da Liga, que foi contra a Académica, viajei de carro de Coimbra para Madrid, para fazer exames médicos e assinar o contrato. No final da época, no final do jogo da Liga Europa, quando saí estava lá a imprensa toda e aí sim, já não tinha nada a esconder. Acho que o pessoal todo soube pela minha boca, não foi pela imprensa. Disse que tinha sido o meu último ano no Braga.

Qual foi o título que mais o marcou?
Talvez o primeiro título do Benfica, em 2014/15. O Benfica já não ganhava há algum tempo. Foi por tudo, porque sou benfiquista, a minha família, os meus irmãos são ferrenhos pelo Benfica, o meu pai era do Benfica. Marcou-me por ser o meu primeiro ano de sénior no Benfica e ter ajudado a equipa a ser campeã. Levei uma camisola com o nome do meu pai. Mexeu comigo e com os meus irmãos.

Vamos primeiro ao Atlético. Foi para Madrid sozinho também?
Sim. A minha mulher já tinha acabado o curso, estava a trabalhar, a exercer a profissão.

Ainda não eram casados?
Não, não. Só casei depois. Mas Madrid é uma cidade incrível. Considero-a a minha segunda casa, vou lá todos os anos com a família passar uns dias. Lisboa comparado com Braga e com Vila do Conde é muito maior, mas Madrid é gigante, tem muita gente. É uma cidade que não dorme, há sempre coisas para fazer. Na altura tinha 23 anos e se um jovem não tiver cabeça e não quiser ser mesmo jogador de futebol, pode perder-se numa série de coisas. Há muita oferta em Madrid, de tudo. Mas sempre estive muito focado no futebol.
As saídas à noite começaram em Madrid ou já tinham acontecido antes?
Comecei a sair com uns 15 anos em Lisboa. Comecei cedo.

Nunca foi apanhado?
Nas camadas jovens. Hoje em dia liga-se mais a isso. Antigamente ninguém me conhecia. Se tivesse jogo no domingo, ia sair na sexta-feira. Sei que nem devia dizer isto, mas sentia-me bem assim. Os meus amigos iam todos beber um copo e eu também ia. Depois ia para casa cedo. Sábado não tinha nada para fazer, não tinha filhos, não tinha namorada, podia dormir as horas que quisesse, estava bem para o jogo e no jogo voava. Hoje em dia se for sair sexta e tiver um jogo no domingo, nem me mexo (risos), não acordo para ir jogar. Hoje praticamente já não saio, só nas férias.

Estava a dizer que Madrid é uma cidade muito apelativa.
Sim. Quando podia ia beber um copo. Muitas vezes iam amigos meus de Lisboa para lá, os meus irmãos também sempre me acompanharam muito e a minha mulher, namorada na altura, sempre que podia ia ter comigo.

Como é que correu a experiência futebolística no Atlético?
Foi época e meia. Fui para lá com o Gregorio Manzano, um treinador de quem gostei muito, apostou em mim e joguei sempre que estive bem fisicamente. Com a confiança que ele me dava, as coisas saíam-me naturalmente no jogo. Estava mesmo bem nessa altura. Depois começaram a aparecer alguns problemas de lombalgia que nunca tinha tido. Dores na púbis que começaram a massacrar-me mesmo. A dor começou no lado direito, depois foi para o esquerdo, depois já me apanhava tudo e eu não conseguia fazer dois jogos seguidos. Fazia um jogo no domingo e depois tinha que estar praticamente uma semana a recuperar e ao não treinar, fisicamente também não estava bem para o jogo seguinte. Jogava quase só de 15 em 15 dias. Mas sempre que estava bem, ele metia-me a jogar. Em Novembro tive a infelicidade de ter uma lesão no joelho e aí tive mesmo de parar.

Fez rotura de ligamento?
Acho que ninguém sabe ao certo o que é que eu tive para aqui. No início pensavam que era rotura de ligamento cruzado. Fui fazer ressonância e não era. Estive dois meses a recuperar, disseram que era só um estiramento lateral interno, mas eu nunca aceitei isso bem porque já tinha tido vários estiramentos. No Rio Ave, no Odivelas, no Braga e nas camadas jovens do Benfica. Sempre fui muito propício a estiramentos. Não sei se era a maneira como jogava, havia sempre um movimento que fazia, um carrinho, deixava sempre o pé para trás e estirava. Estava três, quatro semanas no estaleiro, como se diz. Tinha tido vários estiramentos e em nenhum deles, eu sentia aquilo. Quando me disseram que era um estiramento pensei: pode ser um estiramento um bocado mais grave, inchou-me o joelho, nos outros nunca tinha inchado, pode ser um bocado mais grave. Comecei a recuperar e no final da recuperação mandavam-me para o campo. Mas eu que já tinha tido outros estiramentos, por essa altura já me sentia bem, só o bater na bola é que doía e daquela vez não.

Sentia o quê?
A correr sentia que o joelho abanava, não tinha estabilidade nenhuma. Mais tarde, veio a saber-se que eu tinha rompido também o ligamento cruzado posterior. É grave, muito grave. Disseram-me que tinha rompido o posterior e o lateral todo. E agora o que é que eu vou fazer? Já estava a treinar com a equipa, tinha estado dois meses parado, a treinar à parte, depois regressei com a equipa mas de Janeiro a Abril sempre mal, não me sentia bem, até que há um lance num treino em que senti o joelho outra vez. E disse: acabou, já não consigo mais.
O que fez?
Fui pedir uma segunda opinião ao Porto, ao dr. Noronha. Ele viu que um ligamento estava solto e o outro também não estava bom. Um deles não dava para operar, mas ao outro, abriu e meteu-me uma “cavilha”, parecia uma anzol, a colar o ligamento ao osso. Depois da operação comecei a sentir-me bem, até que no último dia de recuperação, o preparador físico me diz para fazer um movimento, para bater forte na baliza, e eu quando bato forte na baliza, não sei o que é que aconteceu, fiquei com a mesma sensação que tinha antes de ser operado.

Qual era a solução?
Pensei em terminar a carreira. Eu era um jogador que apesar de ser destro jogava muito com o pé esquerdo, e não podia bater, sentia dor. Era uma tristeza, ia para casa e chorava, fiz tudo pelo joelho e o joelho não estava bem. Tinha 24 anos, mas pensei que não dava mais. Se não conseguia ir para o campo e chutar com o esquerdo o que é que andava ali a fazer, num futebol de alto nível, no Atlético de Madrid? Falei com os meus amigos, com os meus irmãos e a minha namorada. Eles diziam que eu não podia desistir, que tinha de fortalecer o joelho. Continuei a treinar. No Atlético já não deu para jogar muito porque tinha sido operado em abril, depois meteu-se o verão, ainda comecei lá a pré época, mas não estava bem do joelho.

Foi operado outra vez?
Não, mas mesmo fortalecendo não me sentia bem. Entretanto surgiu o Paris Saint Germain que já tinha mostrado interesse quando eu estava bem, antes de me ter lesionado. Saí do Atlético, fui para Paris, estive só lá uma noite, não passei nos exames médicos do joelho, porque quando o médico mexeu, viu que não estava bem. Foi duro, porque tinha-me despedido das pessoas todas em Madrid, dos meus colegas que adorava, do treinador, e sai de lá um bocado a mal com ele, com o Simeone, porque ele não queria deixar-me sair, mas eu forcei porque queria ir jogar. Saí a mal com ele e com alguns directores. E no dia seguinte estava lá outra vez, porque me rejeitaram no PSG.

Como é que foi recebido?
Saber que tinha de encarar outra vez as pessoas... Custou-me muito. Quando cheguei de Paris, só queria ver as pessoas de quem gostava, a minha namorada, os meus irmãos. Eles estavam à minha espera. Fartei-me de chorar. Em termos desportivos foi das situações mais complicadas que vivi e mais tristes. Era um contrato de empréstimo com opção de compra. Mas era uma equipa muito boa e chumbar nos exames médicos e ter de regressar a Madrid... Por incrível que pareça, a pessoa mais sincera e mais pura que senti em Madrid, foi o Simeone. Foi a pessoa com quem discuti para ir embora e quando cheguei nem me disse nada. Deu-me uma palmada no rabo e disse: “Anda, anda. Vá, começa a treinar outra vez”. Deu-me uma oportunidade. Joguei a Liga Europa, joguei a Taça do Rei, mas isto não andava como eu queria. Queria fazer coisas que já não conseguia e sentia-me muito frustrado, até que ele sentiu que eu não conseguia ultrapassar aquilo e emprestaram-me ao Deportivo da Corunha. Era outro tipo de clube, um clube que lutava para não descer e isso libertou-me um bocado em termos de pressão. Era o Domingos Paciência que estava a treinar o Deportivo e as coisas já saíram melhor.

Antes de irmos ao Deportivo da Corunha, no Atlético com quem se dava mais?
O Tiago, o Pizzi, que era mais miúdo mas esteve lá connosco também, o Miranda, o Diego Costa, o Diego Ribas que jogou no FCP que está agora no Flamengo, o Falcão, o Diego Forlan, o Diego Godin… .

Alguma amizade em especial?
Tínhamos um grupo muito forte em termos de amizade e ainda hoje temos esse grupo no WhatsApp. Foi o melhor grupo que tive. Eram eu, o Pizzi, o Tiago, os portugueses; depois eram os brasileiros Paulo Assunção, Filipe Luís, Miranda, Diego Costa e Diego Ribas. Cada um foi para seu lado mas o grupo mantém-se e todos falam. Passámos por outros clubes mas nunca mais vivemos o que vivemos ali.

O que viveram de tão especial?
Convivíamos muito. Estávamos muitas vezes juntos em casa uns dos outros.
Voltemos ao Deportivo. Dizia que as coisas começaram a correr bem outra vez.
Sim. Havia mais um ou outro clube a que poderia ser emprestado, porque eu queria ficar em Espanha, mas aceitei ir para o último classificado, o Deportivo da Corunha, porque pensei que ia ter mais oportunidades, estava lá o Domingos Paciência e ele ligou-me várias vezes para ir para lá. Mas estive pouco tempo com o Domingos porque um mês e meio depois ele foi embora, joguei dois jogos com ele. Veio o Fernando Vázquez, que também apostou em mim e joguei os jogos todo. Falhei um jogo que se não me engano foi contra o Atlético de Madrid.

Entretanto recuperou a confiança.
A confiança voltou, percebi que havia alguns movimentos que não conseguia fazer porque tinha dor e deixei de os fazer. Comecei a fortalecer bem e a defender-me. Na altura pensava que era só eu mas falei com mais jogadores que tinham tido lesões e eles disseram-me: "Tens de adaptar-te". Eu antes jogava na direita e vinha muito para a esquerda para chutar e deixei de fazer isso, pelo menos depois dos primeiros dois anos após a lesão. Agora já faço, porque o joelho está bom. Não digo que está a 100% porque quando se mexe num joelho nunca fica a 100%, mas já consigo fazer praticamente tudo do que fazia antes de ser operado.

Como surge o Benfica novamente na sua vida?
A época no Deportivo não correu bem à equipa porque descemos de divisão, mas a mim as coisas correram bem, estive lá meia época, fiz dois golos, algumas assistências. Entretanto, o Jorge Mendes, que é o meu empresário, ligou-me porque surgiu o interesse do Benfica. A minha intenção era voltar ao Atlético, mas se ainda não havia esse interesse da parte deles, claro que aceitava ir para o Benfica. 

Já lá estava o Jorge Jesus. Gostou de trabalhar com ele?
Até me lesionar gostei muito de trabalhar com ele. Na primeira época do Benfica, apesar de ter feito muitos jogos, tive muito tempo lesionado. Nos primeiros treinos o joelho começou a inchar, fui operado ao menisco e estive um mês a recuperar. No meio desse tempo em que estive parado, comecei a sentir dor na cicatriz e fui operado outra vez - tiraram-me aquele grampo que o Dr. Noronha me tinha colocado. Depois comecei a treinar e o mister Jorge Jesus confiava em mim, meteu-me a jogar e joguei praticamente os jogos todos até abril, altura em que parti a perna.

Como é que partiu a perna?
Foi num encontro da Liga Europa contra o Az Alkmaar, logo nos primeiros 30 segundos de jogo. A primeira bola que recebo em qualquer jogo, ainda hoje é assim, eu tenho que estar bem, vou forte. A bola veio meio aos trambolhões, vêm dois adversários e o Luisão também, eu vou com tudo, o Luisão dá um toque na bola e eu bato com a minha perna na perna dele pouco abaixo do joelho, onde temos um osso, que vim a saber depois, é dos mais rijos ou o mais rijo que temos no corpo. Bati e a minha perna partiu. Quase de certeza que ia ao Mundial e perdi isso tudo, como perdi a última fase da época que estava a ser a mais bonita, era a fase das decisões, perdi tudo.

Foi muito frustrante.
Muito. Mal bati na perna dele percebi que tinha feito qualquer coisa... Não tive dor, mas senti que alguma coisa se passava porque senti logo que não podia meter o pé no chão. Depois começou a vir uma dor mais forte e estava qualquer coisa a picar, e quando olhei tinha a perna um bocado torta. Mas o meu choro não foi pela dor, foi porque veio-me um flash daquilo que eu ia perder.
Mas andou a festejar o campeonato de muletas e tudo.
Sim. Estive no estádio, vesti uma camisola com a foto do meu pai e estive a festejar. Não fui para o Marquês de Pombal. Ainda subi ao autocarro, estive lá em cima, mas estavam todos já muito alegres e eu tinha dores ainda e ao mínimo empurrão... Decidi não arriscar, foram levar-me a casa. Na altura vivia no último andar das Twin Towers de Lisboa e vi os foguetes da festa no Marquês. Queria lá estar, mas estava melhor e mais confortável em casa.

Continuou emprestado ao Benfica.
Se não tivesse partido a perna o mais certo era regressar ao Atlético de Madrid. Quando começou a pré-época tive que ir a Madrid para eles verem a perna e disseram-me que estavam à procura de um lateral e que a primeira opção deles era o meu regresso, mas com aquilo da perna... Como desde cedo houve interesse do Benfica, tanto o Jorge Jesus como o presidente disseram-me que queriam ter-me ali para recuperar e começar a jogar com o Benfica outra vez, assinei mais um ano de empréstimo. 

Como é que correu?
Esse foi o meu pior ano no Benfica. Porque eu parti a perna em Abril e pensava que ia ficar parado só uns seis ou sete meses. Chega dezembro, começo a treinar com a equipa, mas não me sentia bem. Eu treinava e precisava de muito tempo para fazer a recuperação. Enquanto eles treinavam num dia e estavam bem para treinar no outro, eu treinava e sentia muito a perna, parecia que latejava. Os primeiros dois meses custou-me muito. Na segunda época no Benfica só fiz quatro jogos, foram três na Taça da Liga ou de Portugal e no último jogo do campeonato o Jorge Jesus resolveu meter-me em campo para ser campeão.

Não sabe ao mesmo ser campeão assim, pois não?
Não. Claro que fico contente pela equipa e até por mim porque é sempre bom ser campeão. Naquele momento podemos estar tristes por não termos jogado mas mais tarde as pessoas lembram-se que fui tricampeão pelo Benfica. Sinto que contribui muito na primeira época; na terceira contribui um bocado, mas na segunda não contribui praticamente nada, mas sou tricampeão. Agora em termos de sabor não teve nada a ver com o primeiro ano, até porque estava um bocado chateado com o mister. 

Porquê?
Porque houve ali uma fase em que eu já me sentia bem da perna, sentia que merecia oportunidades e ele nunca me deu. Fiquei chateado com ele.

Falou com ele?
Sim. Ele foi sincero comigo. Na cabeça dele eu não estava a trabalhar o suficiente para jogar, eu achava que sim. E ficámos assim. Acabou a conversa e ele voltou a não contar comigo.
Nessa altura tem um filho e casa, certo?
Eu casei em 2016, na terceira época do Benfica. O meu primeiro filho, o Gustavo, nasceu no final da primeira época do Benfica, quando parti a perna.

Assistiu ao nascimento do Gustavo?
Assisti. No meio do mal que estava a viver o nascimento dele foi uma coisa muito boa. Não fui ao Mundial e fique triste por isso, mas ao mesmo tempo pensava que se estivesse no mundial não o via nascer, ele nasceu em Maio. Foi bom, passei as férias com ele.

A terceira época no Benfica já é com o Rui Vitória.
Sim.

Muito diferente de Jorge Jesus?
Muito. Em tudo. Tanto do ponto de vista humano como de treinador. Acho que são mesmo o oposto um do outro. O Jesus como treinador técnico-táctico é incrível, foi possivelmente o melhor que apanhei ou ao mesmo nível do Simeone. O Rui Vitória tem os métodos dele, que acha que serem os melhores porque confia neles, em termos humanos é fantástico. Eu já tinha trabalhado com ele no Benfica, dois anos como júnior e sempre o adorei. Gostava mesmo do Rui Vitória, quando surge a oportunidade de ele vir para o Benfica fiquei feliz e ele fez força para eu ficar. Mas é isso, são o oposto. Um muito bom tacticamente e tecnicamente, outro tem as ideias dele, mas do ponto de vista humano muito melhor. Apesar de não ter nada contra o mister JJ, tem a maneira dele ser.

Que amizades ficaram do Benfica?
Com quem me dava mais era com o Paulo Lopes, André Almeida, Pizzi, Samaris. Tenho uma relação muito boa com o Luisão, e Jardel, Siqueira, Rúben Amorim.

Como acontece a ida para o Wolverhampton?
Ainda tinha mais um ano de contrato com o Atlético, portanto teria de regressar, mas acabou por não acontecer porque entretanto surgiu o interesse do Wolverhampton. Não pensei muito, apesar de vir do maior clube português e ir assinar com um clube da Championship de Inglaterra, a segunda divisão de lá. Ao início estava a fazer-me um bocado de confusão, mas depois explicaram-me o projecto da equipa, que estava ligado ao Jorge Mendes e ele fez força para eu ir para lá. Em termos monetários também era muito bom. Rescindi com o Atlético para assinar com o Wolverhampton. Havia muitas dúvidas em relação ao meu estado físico então só me deram um ano de contrato, com outro de opção. 
Mas não gostou muito dessa experiência em Inglaterra.
Fui sempre muito bem tratado. Mas, que me desculpem os ingleses, a cidade não é bonita, não tem grande vida. Quando fui, em Agosto, até enganou, porque estava muito sol, mas depois começa a chover e nunca mais pára, sempre cinzento, neve, chuva, às três e meia da tarde já é de noite. Depois, mal cheguei, eu não tinha feito pré-época, comecei a treinar logo ao ritmo deles e fiz uma rotura na coxa. Estive parado um mês e tal. Em Novembro as coisas estavam a começar a sair bem e, parti o pé. Só voltei a jogar em Abril. Tive pouco tempo de jogo.

Foi isso que o fez vir embora?
Eu tinha uma cláusula no meu contrato em que se fizesse 20 jogos, renovava automaticamente. Não atingi esse número nem de perto nem de longe. Mas nos últimos dois jogos da época, joguei bem. Assim que acaba o jogo, o Valdir, que é meu empresário da GestiFute, ligou-me a dizer que eles queriam renovar contrato, porque queriam subir de divisão. Mas eu não estava feliz. Pedi desculpa e disse que não queria renovar. Além de que para renovar eles queriam baixar um bocado o ordenado. Mas mesmo que me tivessem dado o mesmo ou um bocado mais eu não aceitava porque não estava feliz. Não gostava de viver ali.

Arrepende-se?
Hoje arrependo-me um bocadinho dessa opção, mas eu não sabia que ia para o lá o Nuno Espírito Santo, nem outros portugueses e outros jogadores de qualidade. Pensava que ia ficar na mesma e assim não havia hipótese nenhuma de subirmos de divisão.

Foi-se embora sem clube?
Sim. A pensar que surgiria algum clube, não digo de top, mas porreiro. Falava-se na altura no Deportivo da Corunha, eu gostava de ter ido para lá outra vez. Não surgiu e fiquei sem clube. Mas decidi pela minha cabeça.

Como fez para se manter em forma?
Desde o momento em que acaba a época, até começar uma nova época há ali dois meses que é altura de decisões. Houve tempo suficiente para eu assinar um novo contrato com outra equipa. Mas por uma ou outra razão nunca chegou nada que me interessasse. Houve uma ou outra equipa, mas eu não quis ir para fora, para muito longe. Esse ano era importante para mim ficar com a minha família, num sítio de que gostássemos, por isso forcei muito para ir para Espanha outra vez. Fui ficando cá, passei o verão todo sem clube, começou a época e disseram-me: agora só em Janeiro. Comecei a treinar com um amigo meu, o Hugo Costa, que é personal trainer. Foi ele que me deu a pré-época que precisava. Treinámos tanto no ginásio, como na rua ou na praia. Depois surgiu o interesse do Braga.
Braga, mas a equipa B.
Sim. Não foi pelo dinheiro, a ideia era jogar o maior número de jogos possível, para depois ir para a equipa A. Também para o presidente e o treinador, o Abel, verem que eu estava bem fisicamente. Queria sentir que as pessoas confiavam outra vez em mim.

Foi sozinho?
A família foi viver comigo para Braga. A minha filha, a Carlota, também já tinha nascido em Outubro de 2017.

Chegou a Braga em Janeiro e fica só até ao final da época.
Sim, correu bem. Fiz os jogos quase todos, safamos a equipa de descer de divisão, fiz dois golos. Falava-se que ia assinar contrato com a equipa principal, porque não iam renovar com o Marcelo Goiano. Entretanto houve um problema qualquer com um lateral que se lesionou e o Marcelo começou a jogar muito bem e renovaram o contrato com ele; ficaram com cinco laterais. Percebi que não estava ali a fazer nada. Vim para Lisboa outra vez a pensar que ia aparecer clubes porreiros porque já tinha uma época jogada. Apareceu um clube da I Liga, o Santa Clara, mas resolvi esperar. Entretanto apareceu interesse de um clube bom do Chipre e também não fui.

A sua ideia era ficar em Lisboa?
Queria ficar em Portugal continental ou Espanha. Também surgiu o interesse do Bolton, de Inglaterra. Estava tudo muito bem encaminhado, tinha falado com a família, que íamos para Inglaterra outra vez. Entretanto houve uma confusão qualquer no Bolton, com ordenados em atraso, os jogadores fizeram greve, e eu não fui para o Bolton. Entretanto quis ir para o Santa Clara mas já tinham fechado o plantel. E fiquei mais uma vez sem contrato. Passou essa janela de transferência de Agosto e aí custou-me um bocado mais. Estive duas vezes na mesma situação por más decisões minhas. Mas foi tudo pela minha cabeça.

Chegou a jogar na equipa onde joga o seu irmão?
Isso foi antes de vir para o Vitória de Setúbal. O meu irmão joga numa equipa, no campeonato do CIF. Todos eles têm empregos e vão ali brincar. Treinava com eles duas vezes por semana. Era o único momento na semana em que tinha treino com bola, porque com o Hugo era mais corrida e ginásio.

Quando surgiu o interesse do V. Setúbal não pensou duas vezes.
Não (risos). Fiquei contente. Já estava sem jogar há algum tempo. Entrei para o Vitória Setúbal com o interesse do mister Lito Vidigal e do director desportivo Rodolfo, que me ligou. Queriam ver como eu estava, se estava bem fisicamente. Com toda a humildade possível, disse que vinha e que não precisava de assinar já. Eu sabia que estava bem fisicamente. Vim para aqui à experiência e as coisas correram bem, tecnicamente as coisas saem. Assinei contrato ainda estava cá o Lito Vidigal, mas não pude ser logo inscrito. Agora já estou a jogar. Estou confiante.

É chamado a primeira vez à selecção de sub-16. Como foi?
Eu sempre soube que tinha qualidade e as pessoas demonstravam isso, diziam-me mesmo. Mas nunca me senti um jogador de selecção porque sempre fui o mais pequeno e o mais magrinho nas equipas onde estive. Jogava a titular nas equipas, mas olhava para a minha selecção da altura e o lateral esquerdo da selecção era o André Marques, que jogava no Sporting e tinha mais de 1,80m. Eu não tinha hipótese. Mas o que é certo é que numa época de juvenil, as coisas estavam a correr-me muito bem e chamaram-me. Fiquei contente. Aí o chip mudou, pensei logo que ia ser mesmo jogador. Foi um erro. Correu bem, mas podia ter corrido mal.

Porquê?
Porque foi nessa altura que larguei estudos e não o devia ter feito.

Se tivesse continuado os estudos, o que iria fazer?
Não sei. Se fosse hoje, depois da experiência de vida que tenho, se tivesse de escolher um curso ia para gestão ou economia. Na altura se calhar ia para desporto.

Voltemos à selecção. A primeira chamada é aos sub-16… 
..Mas nunca fui titular. Fui uma ou duas vezes chamado, fiz um jogo e depois estive muito tempo sem ser chamado. Quando já estava no Rio Ave fui chamado aos sub-23. Fiz um jogo. Só depois é que fui chamado para um estágio de final de época da selecção A, pelo Carlos Queiroz. Depois fui para SC Braga, fiz bons jogos na Liga dos Campeões e fui chamado à selecção A, para o apuramento para o Europeu. Fui chamado quase sempre até me lesionar no joelho e falhei o Europeu, dois anos depois falhei o Mundial por causa da perna. E deixei de ser chamado.
Essa é a sua maior frustração no futebol, nunca ter ido a uma fase final de uma grande competição? 
Sim. Não é bem frustração porque eu tive momentos felizes na selecção.

Foi praxado alguma vez?
Fui. Estava no quarto tranquilo, estava a ver uma série qualquer e entram para dentro do quarto uma série de jogadores. Lembro-me bem da cara do primeiro, o Rui Meireles (risos). Saltaram-me todos para cima, encolhi-me, tapei-me e fartei-me de levar porrada de todos os lados. Estava de cuecas a levar porrada e depois foram-se embora, desapareceram todos (risos). Mais tarde também fiz eu a outros.

Onde é que ganhou mais dinheiro?
Em Madrid, no Atlético.

Onde investiu?
Em imobiliário, em Portugal.

A sua mulher voltou a trabalhar?
Desde que foi ter comigo à Corunha não, acompanhou-me sempre. Agora sim, está aí com um projecto na área da ortopedia e vai voltar.

Tem ajudado a família.
Sim. O meu irmão mais novo neste momento trabalha para mim. Nós temos um negócio de alojamento local, em Lisboa, e para não estar a pagar a uma empresa, pago-lhe a ele e ele gere os nossos apartamentos. O meu irmão mais velho tem o seu emprego. A minha mãe, quando fui para Madrid, a primeira coisa que fiz foi tirá-la de empregada de limpeza do Externato. Era um sonho que eu tinha, tirá-la desse trabalho. Assim que assinei contrato disse-lhe para ela despedir-se. Ela sempre nos ajudou, está muito connosco a ajudar-nos com as crianças.

Tornou-se numa espécie de ganha-pão da família?
Desde que assinei com o Atlético de Madrid sim, mas o meu irmão mais novo já está aí com um projecto dele, vai-se lançar.

Tem algum hóbi?
Gosto muito de surf. Não sou um surfista profissional claro (risos), mas comecei a praticar com o Tiago Gomes, que agora está no Feirense. É raro praticar, basicamente é no verão. Mas o meu grande hóbi hoje é a logística dos apartamentos, remodelação de apartamentos, venda, aluguer, é o que gosto de fazer.

Quando pendurar as chuteiras é isso que se vê a fazer ou pensa manter-se ligado ao futebol?
Desde que parti a perna comecei a pensar de maneira diferente. O futebol é muito bom, ganha-se muito dinheiro, mas pode haver azares. Comecei a investir. Comecei com o negócio do Airbnb. Tinha um amigo em Lisboa que tinha alguns apartamentos e que me disse que era um negócio rentável, diferente do aluguer normal. Agora está diferente, porque o governo está a mudar as leis e já não é tão rentável, por isso já estamos às tirar alguns apartamentos desse negócio. Mas é isso que faço: quando saio daqui, almoço e vou tratar desses negócios e só depois é que vou para casa.

Qual foi a maior extravagância que fez?
Desde que comecei a ganhar dinheiro a sério que houve coisas que nunca fazia na vida e passei a fazer, como fazer férias fora, mas nunca fui de gastar milhares de euros em coisas que não valham a pena.

Nem em carros?
Comprei um Land Rover Sport em Madrid porque o meu Mini Cooper D se avariou de vez lá. Mas comprei em segunda mão. Nunca comprei carros novos. O primeiro carro novo que comprei foi este ano, para a minha mulher. Mas não foi um carro muito caro. O segundo carro que comprei em Madrid foi um Porsche 911 turbo e ainda o tenho. Mas também não foi novo e foi muito bem comprado. Talvez a maior extravagância foi um jantar nas Bahamas. Tenho um grupo de amigos com quem costumava ir de férias. Éramos um grupo de 10, 12 amigos. Houve um jantar nas Bahamas que fui eu que paguei e foi o jantar mais caro que paguei (risos).

Qual foi o país que mais gostou de visitar?
A Tailândia. Um dos meus filmes preferidos é "A Praia" com o Leonardo Di Caprio e quando fui à Tailândia visitei essa praia, Maya Bay. Quando entrei na praia, sentei-me e fiquei...Isto é o paraíso, é lindo.

Qual a sua maior ambição?
Em termos profissionais não tenho grandes ambições, não penso ir muito mais além do que isto. Agora quero jogar o maior número de jogos possível e quero que as pessoas olhem para mim como um jogador que ainda não está acabado. Eu sei que há muita gente que pensa que estou acabado. E quero demonstrar que não estou. Tive muitas lesões sim, mas não tenho muitos jogos nas pernas.

Não lhe vai custar pendurar as botas?
Não é uma coisa que me dê medo. Já tenho a vida organizada e dá-me muito gozo a vida que tenho para além do futebol. Estou a gostar muito desta actividade no sector imobiliário."

Uma vez Flamengo, sempre Flamengo

"8 de Fevereiro de 2019: data trágica para o futebol brasileiro.
Um incêndio no Ninho do Urubu, centro de treinos do Flamengo, provoca dez mortos.
O clube mais popular do Brasil – mais de 32,5 milhões de adeptos segundo uma recente pesquisa do Ibope – chora a perda de jovens futebolistas.
«A maior tragédia da história do Flamengo», como afirmou o presidente do clube, Rodolfo Landim, serve-nos de motivo para dar a conhecer um pouco mais sobre o centenário emblema do Rio de Janeiro – fundado há 123 anos.
Um livro, uma música e um filme é uma forma de exorcizar os dias negros que se abateram sobre o gigante carioca. Uma espécie de homenagem à nação rubro-negra.
Hoje, a Plateia é do Mengão. E há muito Fla para ver, ouvir e ler.

Ver:
«Flamengo Hexa – 100 anos de futebol»
Género: documentário
Produção: Diogo Dahl e Raphael Vieira
Realização: Diogo Dahl
País: Brasil
Duração: 78 minutos

Duas conquistas com um hiato de mais de três décadas.
O documentário de Diogo Dahl conta a história do triunfo na final do Campeonato Carioca de 1978 frente ao rival Vasco da Gama, que abriu caminho à geração de ouro do Fla, liderada por Zico.
Foi precisamente um canto de Zico para o golo de Rondinelli, «aos 41 minutos do segundo tempo», que decidiu esse «clássico das multidões» no Maracanã e marcou para sempre na história rubro-negra o dia 3 de dezembro de 1978.
31 anos e três dias depois, foi o canto de Petkovic para o golo de Ronaldo Angelim que entrou para a história.
De novo no Maracanã, aquele triunfo na derradeira jornada valeu a conquista do Brasileirão de 2009, o último campeonato nacional conquistado pelo Mengão, quebrando então um jejum de 17 anos.
A recordação das duas campanhas, com imagens inéditas e os testemunhos dos protagonistas servem de pano de fundo deste filme.
«Flamengo Hexa – 100 anos de futebol» foi lançado em DVD, mas a boa novidade é que o filme está também disponível na íntegra no youtube.

Ouvir:
«Saudades do Galinho»
Autores: Moraes Moreira
Género: MPB
País: Brasil
Duração: 3:05 minutos

E agora como é que eu fico
nas tardes de domingo?
Sem Zico no Maracanã
Agora como é que eu me vingo
de toda derrota da vida?
Se a cada gol do Flamengo
Eu me sentia um vencedor
Como é que ficamos os meninos, essa nova geração?
Arquibaldo, Geraldinos,
como é que fica o povão?
Será que tem outro em Quintino?
Será que tem outro menino?
Vai renascer a paixão ou não?
Falou mais alto o destino
e o Galinho vai cantar
láiá laiá
vai cantar noutro terreiro
no coração brasileiro
uma esperança
quem sabe o fim dessa história
não seja o V da vitória
o V da volta, volta
Volta Galinho
que aqui tem mais
carinho e dengo
vai e volta em paz que o Flamengo
já sabe como esperar
você voltar

A escolha de uma música sobre o Fla poderia naturalmente recair sobre o popular hino cantado pela poderosa voz de Tim Maia – «Uma vez Flamengo, sempre Flamengo…» – ou então em canções de Jorge Ben Jor sobre craques do clube, como «Fio Maravilha» ou «Camisa 10 da Gávea».
Porém, é esta homenagem menos conhecida a Zico que destacamos entre os inúmeros temas sobre o emblema carioca.
A saída de cena do ídolo-maior da história do Fla, que marcou as décadas de 1970 e 1980, foi um dos momentos de maior provação para os adeptos e o baiano Moraes Moreira captou com particular acerto a angústia da «torcida rubro-negra» na hora do adeus do camisa 10.
«E agora como é que eu fico nas tardes de domingo, sem Zico no Maracanã?» Era uma questão latente para os corações rubro-negros e serviu de mote para o tema sobre o «Galinho de Quintino», que tal como «Pelé Branco» era uma das alcunhas do craque.

Ler:
«Histórias do Flamengo»
Autor: Mário Filho
Editora: Mauad
Género: Crónicas
País: Brasil
Páginas: 336

Não há como falar de Flamengo sem falar de Mário Filho.
O jornalista que dá o nome ao Estádio do Maracanã cultivava com o seu irmão Nelson Rodrigues o talento pela escrita uma eterna rivalidade Fla-Flu.
Mário era Flamengo e neste livro conta a história do clube do seu coração com a mesma mestria que empregou em obras como «O Negro no Futebol Brasileiro».
Ler esta bíblia rubro-negra é como mergulhar bem fundo na história do clube mais popular do Brasil. Não é exagero. Este livro – que para o público português pode ser adquirido através da Amazon – foi publicado em 1945 e a sua quarta edição foi lançada em 2014 – quase sete décadas depois – pela editora Mauad.
Desde «O Berço», às origens do Fla-Flu, que, como dizia Nelson Rodrigues, «começou 40 minutos antes do nada», até aos episódios incríveis de personagens do imaginário carioca ou a capítulos como «Coisas que só acontecem ao Flamengo»."

Os odores do desporto

"A face escondida do desporto pode ler-se pela descodificação do suor. O suor é um signo de uma contorção necessária do corpo para a expressão do prazer. O suor das práticas energéticas (maratona, BTT, desportos colectivos, triatlo, etc.) exprime o calor do corpo e a acção que procura vida. Ele exprime o vitalismo e a respiração corporal, que desperta o indivíduo e o sentido. “Molhar o fato, transpirar grande gotas de suor…”, facilitam a circulação de fluidos e a extracção das impurezas interiores.
O suor é um indicador de intensidade, revelando o grau de investimento aceite no esforço. Apresenta-se como a presença de um ingrediente indispensável para as imagens efervescentes. Esta substância visível, que se procura eliminar, não surge como nefasta e inútil, socialmente falando.
A relação dos odores da natureza, dos vegetais, dos objectos (sapatos, saco de ginástica, fogo, etc.) é uma forma sensível pela qual se constrói as trocas entre si, os outros e os espaços de prática. 
Recordamo-nos que, em 2004, quando anunciámos que iríamos fazer um estudo sobre o karaté, um investigador nos disse: “vais passar a cheirar muitos balneários”. Sem dúvida! É preciso juntar a esta delação a dimensão do sensível pela qual se constrói os compromissos com uma determinada prática desportiva.
Lembramo-nos também de muitos praticantes de karaté nos dizerem: “se não suar no treino não fico bem comigo mesmo”. É como se o suor fosse um sinal de esforço, reconhecido pelos outros. O homem constrói-se em alteridade com os outros. Magnane, em “Sociologie du sport” (1964, pp. 67-68) conta uma história alusiva ao suor e à sua representação: “Numa tarde em final de Junho, fazia muito calor e nós estávamos a escorrer em suor. Um praticante, de profissão cozinheiro, antes do treino [de judo] já tinha transpirado enormemente no exercício do seu trabalho. Como o vi muito contente em suar, uma vez mais, fiquei admirado. Ele explicou-me: ‘É isto que eu gosto. Se fosse para um estádio, não fazer nada, seria para me divertir. Aqui [no centro de prática], eu venho trabalhar. Mas não é a mesma coisa que o trabalho. O que muda tudo’”.
De facto, o que muda tudo é a liberdade conquistada. Os praticantes vão treinar para suar, mas sobretudo para “trabalhar” na sua disciplina preferida. Nós ouvimos muitas vezes os praticantes de aikido dizerem: “no dojo chora-se [fazendo alusão aos duros e transpiráveis treinos] para depois nos rirmos no campo de batalha [os praticantes aludem a uma possível altercação de rua]”. Convencem-se e são convencidos que são invencíveis. Mas para isso é preciso suar.
Será que os marcadores socioculturais participam na declinação do campo odorífico, segundo os meios sociais de pertença?"