Últimas indefectivações

sábado, 31 de agosto de 2019

O admirável Bruno Lage

"1. O Benfica foi batido no clássico pelo FC Porto e Bruno Lage teve a ‘infeliz’ ideia de reconhecer o mérito ao adversário e até de dar os parabéns ao treinador rival pela vitória alcançada. A atitude do técnico dos encarnados foi tão impactante para larga franja dos adeptos como os três pontos perdidos, a surpreendente superioridade demonstrada pelos dragões e a falta de soluções das águias para contrariar o futebol mais compacto e fluído do opositor. Este é tão-só mais um triste exemplo de que quem vê o futebol da bancada ou sentado no sofá pouco ou nada gosta de desporto. Interessa apenas, em nome de um clubite acéfala, que o clube (seja ele qual for) destroce o antagonista, custe o que custar. Ou por que Sérgio Conceição não teve a mesma atitude na hora da derrota frente ou Benfica, ou por que é humilhante reconhecer a supremacia alheia, como se alguém estivesse destinado a ganhar sempre, ou por que a claque adversário fez ecoar ‘olés’, tudo serve de argumento para criticar alguém que se limitou a reconhecer o óbvio. Bruno Lage é dos poucos a quem o lado perverso do futebol ainda não corrompeu e que sabe distinguir um rival do inimigo. Não é infalível, apesar do quase milagre operado na época passada, mas tem, porventura, o mais importante: uma noção de fair play que devia fazer corar muitos que se comportam como autênticos energúmenos quando os jogos não lhes correm de feição. Bruno Lage sabe ganhar, o que também não é fácil, e sabe perder.

2. Entre os vários problemas reais que a partida com o FC Porto colocou a nu destaca-se o subrendimento de Raul de Tomas, algo que, aqui sim, Bruno Lage tem obrigação de resolver rapidamente. O espanhol, pelo percurso e pelas características que apresenta, deveria ser concorrente de Seferovic e não apoio dele. A compatibilização é possível frente a adversários que actuem com o bloco defensivo muito baixo, caso contrário, como aconteceu no fim-de-semana passado, o reforço benfiquista, a jogar de forma contranatura dez metros mais recuado, nem promove o jogo entrelinhas nem alarga a frente de ataque. Neste defeso, aliás, o Benfica foi buscar um ‘João Félix/Jonas’ (Chiquinho, agora lesionado) e dois ‘Seferovic’ (De Tomas e Vinícuis). Conviria definir melhor as prioridades... e não gastar 37 milhões de euros numa opção e na ‘opção para a opção’.

3. Fernando Santos escolheu 25 jogadores para o duplo compromisso da Selecção Nacional e desse extenso lote não figura um único ponta-de-lança de raiz... pelo menos é discutível que Cristiano Ronaldo o seja. Entre tanta redundância no que diz respeito a extremos e segundos avançados, em que há até espaço para dar oportunidade a Daniel Podence, Gonçalo Paciência, por exemplo, está condenado a assistir aos jogos pela televisão."

Ganhar 1-0

"Há qualquer coisa de maravilhoso numa vitória por 1-0. Há um controlo de esforço, uma aparente certeza de eficácia que parece tornar as equipas mais fortes do que quando goleiam. Um 1-0 conseguindo perto do fim deixa-me a crer que a equipa estava só à espera de contar o final da piada, de que sempre soubera como tudo aquilo iria terminar. Já um 1-0 logrado no início, que se aguenta até final, transmite-me uma sensação de superioridade porventura ainda maior, pois se por um lado é implacável na forma como deixa um empate ali tão à mão do outro - o outro que no final perderá na mesma e com isso sofrerá ainda mais, porque achava que podia ter outro destino que não aquele -, por outro lado o 1-0 conseguido cedo é também misericordioso, na medida em que inflige tão-só o mal necessário.
Grandes treinadores, é bem verdade preferiam vencer por 5-4, desde logo Cruyff, que o disse exactamente assim, preferindo sempre o desfrute, e por isso lhe fizeram esta semana uma estátua em Camp Nou. Em todo o caso, outros grandes técnicos conduziram campanhas históricas de 1-0: o Chelsea de Mourinho em 2004/2005, com 11 vitórias assim na liga inglesa.
O treinador do Atl. Madrid, Diego Simeone, é um treinador de 1-0, que por isso admiro. Os madrilenos gastaram €120 M em João Félix e venceram os dois primeiros jogos da liga dessa forma. Desde que orienta os colchoneros, a partir de 2011/2012, 78 das 265 vitórias que conseguiu foram por 1-0, 29,4%. Pode facilmente entender-se isto como pensamento defensivo, medroso, incapacidade para mais ou negação do sentido do jogo claro que pode. Mas no 1-0 reside um controlo de emoções, uma capacidade para fazer apenas o que tem de ser feito, por fácil ou difícil que seja, nem mais nem menos. Se o futebol é magia, a ilusão e a fantasia, o 1-0 é a ciência que tudo suporta. Golear é a bonita travessia de barco até à margem do triunfo. O 1-0 é usar a ponte."

Miguel Cardoso Pereira, in A Bola

Cadomblé do Vata (Cut Your Head Idiot !!!)

"Cá pelo burgo, a claque do Vitória de Guimarães é vista como o pináculo da vida Ultra. Aplaudem-lhes a fidelidade, gabam-lhes a criatividade, invejam-lhes a quantidade e desvalorizam-lhes a violência. Basicamente só há 2 tipos de adepto de futebol em Portugal: os que pertencem aos White Angels e os que queriam pertencer aos White Angels.
Ontem o Vitória recebeu o Steaua depois do dono do clube romeno ter passado uma semana a rebaixar os vimaranenses, chegando inclusive a afirmar que se a sua equipa sofresse um golo dos portugueses, podiam lhe cortar a cabeça. Como era de prever, porque os deuses da bola não brincam em serviço, os jogadores de Gigi Becali saíram da Cidade Berço vergados ao amargo sabor da derrota.
Foi então que terminado o jogo, os Reis das Bancadas portuguesas puderam responder ao inefável romeno e fizeram-no... exibindo uma tarja com as palavras "Cut Your Head Idiot"... Fica assim o aviso aos mais desatentos: da próxima vez que quiserem libertar o habitual chorrilho de elogios aos White Angels, lembrem-se... o melhor que os adeptos do clube que tem no emblema o Maior Português da História empunhando um épico espadalhão mata mouros conseguem fazer para vingar as provocações de um palerma, é um farrapo branco com 4 palavras inglesas."

Ronaldo, o homem que tem passado a vida a dobrar os cabos e a levar-nos às ilhas imaginárias nunca antes vistas

"Sempre que vejo Cristiano Ronaldo lembro-me de um discurso de Felipe González antes da sua primeira vitória eleitoral: “Que cada um faça o que tem a fazer com convicção moral; que o romancista escreva a novela com convicção moral; que o pedreiro trabalhe a pedra com convicção moral; que o cirurgião opere com convicção moral.” E por aí fora. Talvez seja esse o segredo de Cristiano. O miúdo que veio aos 11 anos para Lisboa e chorava com saudades da mãe, foi dia a dia, com a ajuda de Aurélio Pereira, fortalecendo o espírito. Digo assim, porque mais do que o talento (que é muito), mais do que os músculos, a arte da finta, a velocidade e a potência do remate, a força de Cristiano está na cabeça, na confiança em si mesmo, na convicção moral com que treina e joga. Antes das Bolas de Ouro, ele teve de vencer-se muitas vezes. Nos treinos de madrugada, em dias cinzentos e chuvosos, nas noites de insónia e solidão, ele dava um pontapé no desalento, na rotina, no fatalismo, na ideia tão portuguesa de que não é possível e não vale a pena. Para ele está sempre tudo por fazer, há sempre mais um impossível a alcançar. Falta-lhe sempre mais um golo, mais um título, mais uma bola de ouro. Diz que já não tem nada a provar. Falso. Cristiano está sempre a provar que ainda pode ir mais além. Por isso é diferente.
Procurei e procuro ver todos os seus jogos. No Manchester, no Real Madrid, na Juventus, na Selecção. Vi-o marcar 3 golos à Suécia, mais tarde outros 3 à Espanha, recentemente à Suíça. Vi-o levar muitas vezes o Real Madrid às costas, marcar 3 e às vezes 4 golos em vários campos de Espanha. Vi o fantástico golo contra a Juventus, que os próprios adeptos italianos aplaudiram. Foi nesse dia que o conquistaram, porque há um miúdo em Cristiano que precisa de palmas, carinho, e de que gostem dele. E vi-o eliminar o Atlético de Madrid em Turim, fazendo uma vez mais o inesperado: 3 golos que eliminaram os madrilenos.
Tivemos grandes jogadores. Mas nunca tivemos ninguém como Ronaldo. Ele tem passado a vida a dobrar os cabos e a levar-nos às ilhas imaginárias nunca antes vistas. Tem-nos sobretudo ajudado a descobrir, como dizia Torga, as Índias de dentro, que são as mais difíceis. Cristiano é muito mais do que um grande jogador de futebol, um daqueles, raríssimos, em que, como em certos artistas, o talento e a técnica se transformaram numa segunda natureza. Inscreveu o nome do país no seu próprio nome. E anda a escrevê-lo por todos os continentes.
Cada golo marcado foi muitas vezes concebido antes, dentro de si, na sua cabeça, na sua auto confiança, na sua visão optimista sobre si mesmo e sobre o jogo da vida. Ele liberta-nos, pelo menos a mim liberta-me, de velhos fantasmas onde tantas vezes nos perdemos. Com Cristiano não há jogos impossíveis de ganhar nem batalhas irremediavelmente perdidas. Nem negro fado fatal. Ele entra em campo para ganhar. Não é pecado. Marca um golo, salta, bate no peito e diz: “Eu estou aqui.” Significa que vai vencer. E nós com ele.
É claro que ele também abana o “país quietinho”, criticado por Teixeira de Pascoaes, o país cinzento, o país da inveja, última palavra de “Os Lusíadas”. Camões sabia porquê. À sua maneira, Ronaldo também sabe. Cada sua vitória é uma derrota da mesquinhez, um pontapé ou uma cabeçada na apagada e vil tristeza. A sua epopeia é escrita no campo, em cada jogo, pela sua alegria, pelo seu talento, mas, sobretudo, pela confiança que o inspira e nos inspira. Cristiano liberta-se e liberta-nos. Devemos-lhe isso. E não tem preço."

Bento vai numa aventura!

Bento vai numa aventura from Bakero on Vimeo.

"Manuel Galrinho Bento. Um dos mais épicos, fantásticos e memoráveis jogadores da História do Sport Lisboa e Benfica. Defendeu a baliza do clube durante 20 anos, entre 1972 e 1992 fazendo 465 jogos de águia ao peito. Apesar da sua baixa estatura, tinha uma agilidade incrível e uma coragem como poucas vezes se viu num guarda-redes: colocava literalmente a cabeça onde os outros nem o pé colocariam.
E depois tinha o seu quê de louco, como todos os ídolos. Em 1982 deu um famoso empurrão ao Manuel Fernandes que nos custou o título. Mas quantos nos deu por outro lado? A Bento tudo se perdoa. Até pelas coisas que fazia como podemos ver no vídeo. Num Braga-Benfica de 82/83, já com o Benfica campeão, Bento achou que era altura de fazer uma "graçinha" e começou a correr. E correu e correu até mais não poder. A baliza tinha ficado para trás, mas Bento era Bento..."

Viva o Jorge Fonseca! Viva a nova Lisboa! Viva nós!



"Ontem, em Tóquio, uma senhora de cabelos brancos ergueu-se, livrou-se de uma écharpe que lhe embaraçava as palmas e desatou a ovacionar um campeão do mundo. Havia algo de seu naquela vitória, a senhora Sashiko era filha de Kiyoshi Kobayashi, o mestre. Este fora ensinado para piloto kamikaze durante a II Guerra Mundial, mas a mais radical das formas de combater não estava no seu destino. A mais delicada das artes marciais, sim: conduzir, com técnicas delicadas, o adversário à perda. Que forma nobre de lutar! Kobayashi emigrou para Lisboa em 1958 e inventou o judo português.
A Federação Portuguesa de Judo organiza um torneio internacional - o anual Memorial Kiyoshi Kobayashi - e muitas vezes Sashiko regressa a Portugal para assistir à homenagem ao seu pai, que faleceu em 2013. Quis esta história entre dois países longínquos, que o momento mais alto desta relação, ocorrido ontem, tivesse sido no ponto de origem, Tóquio. Era o que a senhora aplaudia, emocionada. O semear do seu pai deu como fruto, pela primeira vez, um campeão do mundo, Jorge Fonseca. Plantar longe, num hemisfério; para colher no outro, lugar de partida. Parece tirado do Fernão Mendes Pinto.
Um mundo novo, como deve ser, expresso por wazari, golpe quase perfeito. Seguiu-se um ippon, golpe perfeito. Tão perfeito, que aconteceu depois da vitória (já lá vamos). Entretanto, eis uma pequena e enorme lista dos herdeiros de Kiyoshi Kobayashi, que o são, mesmo quando não o conheceram: Nuno Delgado, lisboeta filho de cabo-verdianos, campeão europeu, medalha olímpica; Telma Monteiro, filha da Outra Banda, vice-campeã mundial, campeã europeia e medalha olímpica; Bárbara Timo, nascida carioca, vice-campeã mundial (também esta semana) e o já referido Jorge Fonseca, desde ontem campeão mundial, nascido em S. Tomé.
Então, Jorge Fonseca, aplaudido pela filha do Mestre, proclamado campeão do mundo pela juíza, passou a explicar isto tudo. Segundos depois da vitória, com o tal ippon, com o gesto perfeito. Poderoso, fechou os punhos, abriu os braços ao mundo. Pausa. Então, ele convocou a nova Lisboa. Essa, a cantada por Dino D"Santiago, que é da ilha de Santiago como os seus pais, mas todo ele da Quarteira, por nascimento e tudo o mais. Lisboeta de ginja, pois. Em Tóquio, o judoca dançarino - a música e a letra não se ouvindo (os locutores e as bancadas estavam aos gritos de alegria e espanto) - pôs os seus passos de Nureyev de mais de cem quilos.
Dizia a dança: "Qualé ideia? Qualé a ideia? Mas qualé a ideia?". E respondia a dança: "Vem, sente, sente, sente esta quente Lisboa/ Sente, sente, sente esta nova Lisboa." E mais umas ashi-waza (técnicas de perna), e outras koshi-waza (técnicas de quadril), entrecortadas por te-waza (técnicas de braço) com este pano de fundo: "De onde veio toda essa gente, eu não sei/ Dizem que tamos na moda, ma n ka krê sabê"... O queremos saber é que o negro Jorge, cabeça rapada e suada, sorriso aberto, dizia que quer ser recebido na sua cidade, a nova Lisboa, a dançar.
Quem se opuser é tolo. Toda a técnica do judo é levar-nos, firme e docemente, pelo que de fundo temos nós. Chega-nos o pai da delicada Sashiko e oferece-nos a arte que nos trouxe de tão longe. Chega o pai do Dino D"Santiago e vai pescar atuns algarvios, porque já os conhecia de Chão Bom. E aproveita o judoca campeão, são-tomense da Damaia, e dá-nos uma lição, perdão se estou a ser otimista, sobre o mundo moderno, sobre o mundo como deve ser. O Mundo Nôbu que canta Dino D"Santiago. Ou peço perdão coisa nenhuma: se "tamos na moda" é exactamente porque somos mesmo mais como o mundo deve ser do que pensamos, escrevemos e não sabemos."

Vitória aos 94' !!!

Benfica 1 - 0 Estoril


Jogo fraquinho, com um golo nos últimos instantes, numa bola parada, após fífia de um estorilista!

Bem o Dylan na baliza, entre os postes, e a controlar a profundidade... e boas entradas do Serginho e do Csoboth - merecem a titularidade!

Golo...

Benfiquismo (MCCLXXVIII)

Joga o Benfica...!!!

Uma Semana do Melhor... e a Mourato!

Jogo Limpo... Seara, Coelho & Guerra

Era de vida que se tratava

"Benfica tirou o rival do seu estado comatoso. Esperemos que não se verifique a velha máxima «quem seus inimigos poupa às suas mãos morre»

O FC Porto venceu com justiça o clássico. Foi a melhor equipa e está de parabéns Sérgio Conceição. Como reflectia no passado domingo a capa de um jornal desportivo, com uma linha editorial afecta ao FC Porto: «Vivos». Era de vida que se tratava para o nosso adversário. Foi um Benfica irreconhecível que tirou o rival do estado comatoso em que se encontrava. Esperemos que não se verifique a velha máxima «quem os seus inimigos poupa às suas mãos morre».
É injusto procurar culpas individuais com tanto desacerto colectivo. É mais útil reconhecer as limitações, os erros e redobrar na ambição para voltar a ganhar. Centrar no Benfica, no que podemos e devemos fazer para continuar a vencer os adversários. No fim só interessam os títulos e este ano ainda só ganhamos tudo.
Este fim de semana, em Braga, vamos ter um jogo dos mais difíceis da Liga, uma oportunidade de mostrar que o último fim-de-semana foi a excepção.
Há uma vantagem que aprecio em Bruno Lage, mesmo quando erra e perde, vê os mesmos jogos que nós, assume e explica. Não são precisas justificações, são precisas correcções e Bruno Lage é o primeiro assumi-lo. É muito boa a razão porque a derrota na era Lage custa mais aos benfiquistas, é por ser muito rara. Mas se há uma análise correcta do jogo e da justiça da vitória portista há um gigantesco erro de paralaxe na análise do momento dos dois clubes. O excelente FC Porto está fora da Liga dos Campeões e em igualdade com o Benfica em pontos e golos. O limitado Benfica está na Liga dos Campeões com vitórias no prestigiado ICC de pré-época, com uma Supertaça conquistada e em igualdade pontual com o rival.
Ou se admite uma diferença muito grande de dimensão dos dois clubes ou há um erro de paralaxe monumental na análise efectuada esta semana. Reconheço, que pode até haver, um bocadinho de cada.
O resultado de um sorteio da Liga dos Campeões nunca pode ser fácil, estão as melhores 32 equipas da Europa. Mas ter o adversário mais difícil do pote 3 e o mais difícil do pote 4 é um sorteio madrasto. Vamos ter um grupo aberto, ironia talvez seja o clube oriundo do pote 1 ser aparentemente o menos forte dos adversários. O Benfica terá que jogar e lutar por vencer os seis jogos porque mau mesmo era não estar neste sorteio onde o Benfica esteve pelo décimo ano consecutivo, facto apenas reservado aos clubes muito grandes."

Sílvio Cervan, in A Bola

Derrota na Supertaça...

Benfica 2 - 6 Sporting

No momento que escrevo esta crónica ainda não conheço as razões para o Roncaglio não ter jogado. Lesão? Castigado? (o amigável com o Leões de Porto Salvo, 'aqueceu'!!!) Opção?
Mas uma coisa tenho a certeza: este não era o jogo ideal para o André Sousa fazer a estreia oficial com a camisola do Benfica! Eu estou à vontade, porque critiquei a sua contratação... não o fiz por questões 'desportivas' mas devido a questões 'comportamentais'!!! Mas hoje, entre os golos 'concedidos' e o auto-golo do Chaguinha, dava pelo menos para 'empatar'!!!
O único argumento 'semi-válido' poderá ser a questão da rotação de campo: sem os lesionados portugueses, com o Roncaglio, sairia provavelmente o Fits devido aos NFL, e assim ainda teríamos 'menos um' na rotação!

O jogo de facto não correu bem, ainda por cima sem o Cecílio e ainda sem o Henmi (além do Roncaglio), o Célio está na selecção e com o Drasler ainda sem a intensidade necessária, após uma pré-época onde esteve lesionado...!!!

A não contratação de um substituo do Raul Campos (ainda vamos a tempo...!!!), a juntar aos maus desempenhos do Fits nos jogos com o Sporting, em caso de não conquista do Campeonato, pode vir a sair caro!!!

PS: Parabéns ao Vasco Vilaça, pelo excelente 4.º lugar nos Mundiais de Triatlo de Sub-23. O Vasco continua a fazer o seu percurso, e está perto de chegar ao patamar do João Pereira e do João Silva...

Recordista da infâmia

"O director do Record, Bernardo Ribeiro, manifestou-se indignado por, supostamente, a BTV não ter mostrado os adeptos do FCP durante a transmissão do clássico. No dia seguinte, depois de confrontado por ter mentido ou, com alguma benevolência, se ter enganado, insistiu, em tom jocoso, na crítica à BTV, trasvestindo-a de pedido de desculpa. E, como se não bastasse, enganou-se novamente.
A BTV não mostrou os portistas apenas numa ocasião, fê-lo por cinco ou seis vezes segundo me garantiram. Foram mais, porventura, do que aquelas que Bernardo Ribeiro terá entendido relevantes para criticar Bruno de Carvalho ao longo dos vários anos de presidência do ex-líder leonino. Reconheça-se que o delírio resultante dos triunfos, mesmo que por camisola emprestada, retira o discernimento a qualquer um, mas convém não exagerar.
Maquiavel ensinou-nos que quando um adversário é deitado por terra, deve ser pisado ainda mais. Mas Bernardo Ribeiro, a julgar pela profundidade das suas reflexões, não passa de uma tentativa falhada de um protótipo de aspirante a adversário e a crítica ao Benfica que lhe assistiu fazer saiu-lhe furada.
Talvez pudesse antes dedicar-se a tentar entender a degradação lastimável que a venda de jornais tem sofrido e o que o leva, nesse contexto aterrador, a hostilizar frequente e gratuitamente uma enorme fatia dos seus potenciais consumidores. Seria construtivo. Porém, o Record caminha para ser uma espécie de suplemento desportivo do Correio da Manhã, agora que já é só um mero jornal sectário, servindo para pouco mais que amplificador da comunicação informal oriunda do Campo Grande. 
Parafraseando Ribeiro: Não sei se é feio, se triste. Mas é o director do Record."

João Tomaz, in O Benfica

A culpa foi minha

"Podem os protocandidatos vir já de dedo em riste lembrar que tinham avisado. Podem os treinadores de teclado dizer mal do Pizzi e do RDT à vontade. Podem os anti-Vieira afirmar que isto é tudo culpa dele. Até podem os iluminados escrever que afinal Bruno Lage não é tão brilhante como andaram a pintá-lo. Podem dizer tudo o que quiserem sobre o clássico do passado fim de semana, mas há um - e apenas um - responsável pelo péssimo resultado e igual exibição do campeão nacional em título: eu. Peço já desculpa aos adeptos, sócios, simpatizantes, dirigentes, técnicos, funcionários e colaboradores do Sport Lisboa e Benfica pelo que se passou no sábado. E passo a explicar. Na segunda volta do campeonato passado (a do quase pleno de vitórias), fiz questão de dar o meu contributo a esta equipa, vestindo sempre as mesmas boxers em caso de vitória.
Com uma semana de intervalo entre cada jogo do campeonato, a tarefa não foi complicada. Mesmo nas semanas de chuva a roupa tinha tempo para secar... Acontece que, no sábado passado, fez calor, muito calor. E eu troquei os boxers pelos calções de banho e não reparei nessa falha. O jogo começou a equipa não carburou, houve apatia, e não consegui encontrar explicação para o sucedido. Só ao fim da noite me caiu a ficha: não tinha usado as boxers da sorte. Não cumpri a minha parte, não estive ao nível do que era desejável num clube como o Benfica, não mantive a tradição dos últimos jogos, e a equipa sofreu com isso. Não volta a acontecer. Pelo bem do Glorioso, pelo sucesso desportivo, porque não tenho mesmo paciência para quem só está à espera de uma oportunidade para criticar e porque não quero que as minhas boxers sejam uma desculpa para mais exibições apagadas."

Ricardo Santos, in O Benfica

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Um truque na manga para Braga

"Afinal, este Benfica de Bruno Lage é de carne e osso. Também tem dias menos bons, comete erros e deixa os adeptos em pânico. Antes do clássico, o meu estado de felicidade era tamanho, que eu nem sequer me incomodava com os sermões da minha mãe para fazer a cama, arrumar o quarto e não comer na sala por causa das migalhas. Depois, à medida que o jogo foi decorrendo, eu fui ganhando cada vez mais vontade de lutar pela legalização da eutanásia. Porém, ao contrário daqueles benfiquistas que após o segundo golo do FCP se levantaram em debandada, eu ali fiquei na Luz, sentado e sereno, ainda à espera de que o Benfica aparecesse em campo para o jogo. Aproveitei para consultar preços de bilhetes de avião para a Holanda, Suíça e Bélgica - onde a eutanásia é legal -, mas entretanto deu-me um clique e apercebi-me de que existem muitos mais motivos para estar animado do que destroçado. Ser do Benfica impõe esta elevada dose de esquizofrenia, onde o céu e o abismo quase se tocam e, no final, uma estranha sensação de êxtase toma conta de nós. Sábado, ao final da noite, eu não colocava de parte a possibilidade de exigir o despedimento de todos os funcionários do Clube - eventualmente o exílio de alguns deles. No domingo já me pareceu mais sensato dar-lhes outra oportunidade e, se o Benfica vencer em Braga, porque não oferecer um contrato vitalício a toda a gente?
O próximo desafio é de um grau de dificuldade muito, muito elevado. No entanto, eu acho que o Benfica vai entrar em campo com uma tremenda vantagem. As camisolas transportam há vários anos o prestigiado patrocínio da Emirates e Portugal inteiro sabe que o Sá Pinto tem uma relação bastante complicada com companhias aéreas."

Pedro Soares, in O Benfica

Força, Paulo!

"Paulo Vaz é um dos melhores funcionários do Sport Lisboa e Benfica. O Paulo exerce com mestria e dedicação exemplar o seu papel na famosa estrutura do futebol profissional, competentemente liderada pelo presidente Luís Filipe Vieira. Conjuntamente com o Luís Santos e o João Valentim, é o responsável pelos equipamentos. Para que nada falte aos nossos heróis, o Paulo, o Luís e o João trabalham de sol a sol. São sempre os primeiros a chegar e os últimos a sair. Sem eles, nada funcionaria como funciona. O profissionalismo deste trio-maravilha é conhecido e reconhecido por todos. Para o Paulo, o Luís e o João só existe uma palavra - dedicação. São eles uns dos principais responsáveis pela actual hegemonia do SL Benfica no futebol português. Os 18 títulos conquistados nos últimos 10 anos devem-se a homens como o Paulo Vaz. Herdou do seu pai, o eterno roupeiro José Luís, o gene de servir o Glorioso como poucos o fizeram. Nesta segunda-feira, o Paulo foi traído pelo destino. Recebeu a pior notícia que um pai pode receber - a sua filha partiu. A menina dos seus olhos apagou-se quando nada o fazia prever. A doce Carolina de 19 anos, era uma jovem fantástica, com um amor enorme pela vida e pelo pai. De um benfiquismo tremendo, a Carolina irrradiava alegria. O Paulo não merecia esta fatalidade. Nesta hora de tanta dor, presto a minha solidariedade a um grande ser humano e a um profissional exemplar. Não sei se o Paulo alguma vez conseguirá recuperar desta trágica situação. Mas há uma coisa que eu gostava de ver em Maio de 2020 - o 38.º Campeonato ser dedicado ao Paulo e à Carolina. Tenho a certeza de que este será mais um motivo que fará com que os nossos briosos atletas consigam oferecer a quem tanto merece o ambicionado título. E como o Paulo é um verdadeiro campeão, irá viver da mesma forma - com paixão total."

Pedro Guerra, in O Benfica

Racismo = Cartão vermelho

"O racismo é um fenómeno global indesmentível que mina os pilares das democracias e dos Estados de direito que professam a utopia humanista da igualdade da condição humana entre os diferentes. Esta visão de paz e justiça social não é apenas ética ou política, ela radica bem fundo nas principais religiões que pintam as diferentes culturas e latitudes. A erradicação do racismo é seguramente um dos imperativos da humanidade mais difíceis de concretizar porque o racismo nasce do jogo elementar da identidade e da diferença, e ganha força e aceitação social no jogo, sempre presente no devir da História, entre maiorias e minorias, dominantes e dominados. É como é e parece um fatalismo, mas a História das Civilizações demonstra bem que não existem impossíveis e que se é possível retroceder socialmente em momentos de grandes crises e convulsões na ordem mundial, como bem sabemos e assistimos, também ocorreram grandes avanços e mudanças sociais que ultrapassam sonhos e utopias de povo de outrora. A condição humana nos países desenvolvidos do mundo de hoje mostra isso mesmo quando se comparam esses países com as regiões mais deprimidas do planeta actual, ou consigo próprios séculos atrás. Os direitos humanos não são inatingíveis, mas urgentes e necessários.
A mudança demográfica e climática, combinadas nos seus efeitos nefastos, tornam incontornável, urgente e indispensável que as sociedades humanas os organizem de forma sustentável, não apenas ambiental, mas também socialmente. Isso é hoje uma verdade cada vez mais universalmente aceite, e as novas gerações não deixam que as gerações do poder ignorem este facto. É assim por toda a parte, e num futuro não muito distante e generalização e a massificação de migrações com escala continental, como a que temos já hoje às portas da Europa, terão efeitos de miscigenação tão impactantes e abrangentes, que misturarão ainda mais o caleidoscópio de culturas e cores de pele por todo o planeta. A educação e o acesso à informação oferecem pontes para esbater as diferenças no futuro em benefícios de todos, mas não chegam por si só. É preciso actuar desde já a garantir que os espaços e símbolos de pertença capazes de unir milhões se ocupam de sarar feridas e construir futuro. Entre eles, nesse jogo de gigantes onde se aposta o futuro da humanidade, também o grande jogo das paixões, que une culturas e ergue heróis sem olhar à cor da pele, esse desporto omnipresente que é o futebol, pode e deve assumir um papel fundamental na união dos povos. No campo e na vida, todos somos iguais, e o Benfica sabe bem que assim é, por isso está na linha da frente para mostrar cartão vermelho ao racismo."

Jorge Miranda, in O Benfica

93

"Esta semana foi um ver se te avias com os corifeus do desatino vergados à tontice que nem sequer sabe o que é o Benfica, nem (ainda menos!) terá a menor ideia do que seja a História do Sport Lisboa e Benfica.
Por muito que alguns se queiram fazer passar por essa condição sublime em ocasiões como esta, não foi certamente de benfiquistas autênticos que ouvimos e lemos toda a caterva de disparates que nos foi dado observar com profundo nojo e desprezo, na maior parte das catastróficas pseudo-análises que atulharam as televisões, as páginas de jornais e bastantes minutos de rádio: ainda que a surpresa ou a tristeza diante de uma adversidade inesperada os faça soçobrar temporariamente, os verdadeiros benfiquistas não se deixam abater. E são eles - como foram, de novo - os primeiros e reerguer-se, sempre com veemente indignação, perante os hipócritas que, então, costumam pregar a miséria da desunião, da dúvida e da incerteza.
A nossa equipa não jogou sozinho. E não jogou bem. Foi concludentemente derrotada perante um adversário que, desta vez, lhe foi superior. O que mais nos custou foi que tenha sido surpreendida diante de nós.
Em todo o caso, perante uma situação tão profundamente desagradável como inesperada, não nos resta senão começar de imediato a tirar partido da circunstância de termos sido confrontados com o peso dos nossos erros, equívocos e insuficiências, quando se jogava apenas a terceira jornada do campeonato. Isto é, que certamente não os voltaremos a repetir. Tanto mais que, para a definitiva questão dos pontos, a verdade objectiva é termos agora pela frente um total de noventa e três pontos para disputar com aquele rival e com todos os restantes...
Noventa e três pontos não serão coisa pouca, quando, de um momento para o outro, as nossas expectativas aumentaram fortemente e os nossos encargos se terão melhor definido na adversidade temporã. Mas noventa e três passou a ser outro número mágico para os verdadeiros benfiquistas, que jamais descrêem do Benfica.
Os benfiquistas de raiz, os benfiquistas genuínos jamais vacilarão no esforço que há de empurrar a nossa equipa de elite para a consagração da grande vitória final. Essa determinação de unidade em torno dos nossos atletas e técnicos, em todos os campos e em todas as modalidades, não se nos desvanceceu. E mais do que nunca, não lhes faltará a eles, em circunstâncias alguma.
Com os outros (ainda mais claramente isolados e que, agora, cada um de nós passou a conhecer até bem demais...) já nós não contávamos. Porque não prestam. Só servem para reforçar as ilusões dos nossos inimigos e dos nossos adversários e rivais."

José Nuno Martins, in O Benfica

Comunicado do DCIAP

"Esta comunicação do DCIAP não suscita um comentário público, um debate televisivo, uma análise especializada. Já os arrotos de Francisco Marques, ou as ameaças de Fernanda Madureira a propósito de violência no futebol, têm todo o destaque. Pois bem, melhor que uma investigação sobre doping no futebol português, só mesmo esta extensão do mandado de detenção europeu do "dragão" Rui Pinto. O Estado Português tem agora a oportunidade de investigar sem restrições a responsabilidade de Rui Pinto nos crimes cometidos contra o Benfica, contra o funcionamento da justiça e, porque não dizê-lo, contra a verdade desportiva. As formiguinhas não param... e no futebol português os carreiros costumam andar ligados..."

Liverpool nos pés de Beto

"O dia é 7 de Março de 2006 e nesta terça-feira solarenga um grupo de benfiquistas parte em viagem para acompanhar o Glorioso em mais uma jornada europeia. O plano parecia simples, sair de Lisboa em direcção a Granada para apanhar um avião que nos levaria directamente a Liverpool onde o Benfica jogaria na noite seguinte a segunda mão dos oitavos-de-final da Champions League frente ao campeão em título, Liverpool.
O caminho era longo e por isso tínhamos muito tempo para colocar a conversa em dia. Recordações de outras deslocações europeias, jogos clássicos do Benfica pelo velho continente, estórias engraçadas de camaradas de viagem… enfim, o bate papo clássico de todas as deslocações. Estes serão porventura os momentos mais alegres e descontraídos das viagens porque por esta altura ainda não sabemos se vamos a caminho de um Arsenal x Benfica de 91 ou de um Celta x Benfica, mas à medida que a hora do jogo se aproxima a ansiedade instala-se e a coisa só piora até a partida finalmente terminar. Mas para já o ambiente ainda estava calmo, mal sabíamos o que nos esperava… 

De Espanha nem bons ventos...
A viagem até Granada decorreu de forma tranquila e chegámos ao aeroporto perfeitamente dentro do prazo estabelecido. Mas algo não estava bem. À medida que íamos avançando pelo aeródromo reparámos que muitos benfiquistas tinham tido a mesma ideia que nós, mas existia alguma agitação no ar. Chegados ao local do check-in percebemos o problema: voo cancelado!
Por esta altura os ânimos já estavam muito exaltados com dezenas de benfiquistas junto ao balcão da companhia a demonstrar a sua indignação enquanto muitos mais iam chegando. Pouco tempo demorou até começarem a voar objectos. Havia uma expressão de revolta e impotência na cara de todos, o voo foi cancelado devido a uma greve dos controladores aéreos em França e não nos apresentaram alternativas que permitissem chegar a tempo de ver o jogo nessa noite.
Muitos camaradas voltaram para Lisboa, outros optaram por passar essa noite no aeroporto e rezar que existissem alternativas quando os balcões das companhias aéreas reabrissem na manhã seguinte. 
Na manhã seguinte conseguimos arranjar um voo para o Reino Unido que nos permitia chegar algumas horas antes de o jogo começar, mas teríamos de partir de Málaga e aterrar em Manchester, a cerca de 50km do destino pretendido. De repente uma viagem relativamente tranquila transformou-se numa autêntica corrida contra o tempo. Desistir não era opção, apesar de tal nos ter passado pela cabeça, e assim partimos rumo a Málaga.
O grupo onde me incluía ficou reduzido a 4 elementos, dois rapazes e duas raparigas, e durante a viagem para Málaga os telemóveis não pararam de tocar. Recebíamos mensagens de companheiros que tiveram de voltar para casa, ora por falta de fundos, porque a companhia não devolvia logo o dinheiro do cancelamento, ora porque já não existiam mais lugares nos voos que chegavam antes do jogo. Felizmente muitos conseguiram arranjar alternativas e por esta altura havia benfiquistas espalhados por todos os aeroportos do sul de Espanha. Era inevitável pensar que esta viagem começava a parecer amaldiçoada. E se em Málaga nos acontece o mesmo? – ouviu-se no carro. Pior, e se depois disto tudo chegamos lá e o Benfica perde ou é goleado?

Málaga, duas horas depois
Cidade bonita, costeira e com praias engraçadas. Se as circunstâncias fossem outras diria que seria um local a visitar posteriormente, mas a ansiedade era tanta que nem parámos para ver as vistas. Fomos directos para o aeroporto para tentar perceber o nosso destino.
Aleluia, habemus voo! Primeiro problema superado, mas o mais difícil ainda estava para chegar. As nossas reservas num hotel em Liverpool implicavam que o check-in teria de ter sido efectuado na noite anterior, pelo que já estavam perdidas. O risco de ficarmos sem local para dormir passou a ser enorme, mas uma coisa de cada vez. Se o Beto tinha conseguido marcar ao Manchester United alguns meses antes, também nós haveríamos de arranjar solução.
Não me lembro de nada do voo, o que significa que deve ter sido óptimo porque odeio andar de avião. Lembro-me sim de invejar um dos meus companheiros de viagem por ter adormecido ainda antes de o avião levantar voo. Como é possível?

Manchester, ou quase-Liverpool
De Manchester não tenho nada a dizer. Só me lembro de entrar directamente para o comboio que ia para Liverpool, uma viagem de 1h30 para fazer os cerca de 50km que separam as duas grandes cidades. Não admira que a rivalidade seja tão grande, são os dois clubes mais representativos da região norte inglesa e a distância é curtíssima. Se Everton e Man City não existissem quase que se poderia considerar o Liverpool x Man Utd um derby.

Más notícias em Liverpool
Chuva, pois claro. Depois de tudo o que já tínhamos passado só nos faltava uma recepção molhada, mas surpresa seria se assim não fosse ou não estivéssemos nós em Inglaterra. Primeiro, a boa notícia: tínhamos chegado a tempo de ver o jogo. Infelizmente, e tal como suspeitávamos, as reservas tinham ido à vida e teríamos de tentar arranjar solução depois do jogo. Adiante, a esperança era a última a morrer porque o Beto marcou ao Man Utd. Malas deixadas na gare e siga para Anfield!

Os 90 minutos
Sabem aquele misticismo todo à volta de Anfield Road, a Kop, os portões antigos? Esqueçam, o estádio é horrível por fora e feio por dentro (isto antes das obras de ampliação recentes, hoje não sei como estará). Passámos pelas traseiras da bancada Kop em direcção ao nosso sector no lado oposto do estádio e por esta altura o ambiente ainda estava muito tranquilo. Aparentemente os ingleses preferem ficar a beber nos pubs quase até à hora do jogo, prática que também adoptei há uns anos porque me permite evitar a confusão da entrada no estádio.
Ao chegar à rua paralela à nossa entrada, a primeira surpresa: um mar de benfiquistas preenchia a estrada de uma ponta à outra. Só se ouvia falar português, os equipamentos eram do vermelho com o tom correcto e o ambiente já estava a escaldar. Chega o autocarro do Benfica. Euforia total e as centenas de benfiquistas presentes cercam o veículo entoando cânticos de apoio. Parecia que estávamos na Luz! Creio que os nossos jogadores ficaram tão admirados como nós quando chegámos à rua e nos deparámos com aquele cenário, mas que dizer… é o Benfica.
Bem, estou certo que todos se lembram do que aconteceu depois. Simão e Miccoli, foi o que aconteceu (com assistência involuntária do grande Beto). Que loucura! Obviamente tínhamos esperança de um bom resultado, até porque uma derrota por 2-1 servia para passar, mas nem nos nossos melhores sonhos imaginávamos uma vitória por 0-2 no campo do campeão europeu em título. Foi um jogo de sofrimento, mas os nossos jogadores foram autênticos heróis. Nas bancadas mais uma surpresa: um apoio absolutamente estrondoso durante todo o jogo que, estou perfeitamente convencido, ajudou os nossos atletas a superar os momentos de maior pressão do adversário.
Nunca me esquecerei dos festejos do golo do Simão. Nunca. Tudo me passou pela cabeça quando o vi alçar a perna em posição frontal à baliza. Na verdade, eu já sabia o que ali vinha. Estava escrito, todas as dificuldades que passámos para chegar ali só podiam acabar numa vitória carregada de justiça poética. O cansaço, os anos de miséria benfiquista que ainda estavam bem presentes na nossa memória, tudo isso foi renegado para segundo plano. Naquela noite o Benfica voltou a ser Benfica! E poder assistir a isto ao vivo, nem sei… foi absolutamente inigualável e inolvidável.
Heróis foram também alguns benfiquistas que tinham estado em Granada e só chegaram no intervalo do jogo. Felizmente ainda tiveram direito a assistir a um golo do Miccoli em pontapé moinho para selar a eliminatória.
Despedimo-nos em êxtase dos ingleses cantando “our eagle is bigger than your bird” a plenos pulmões enquanto eles nos aplaudiam com enorme fair-play. Se arquitectonicamente o estádio é feio, é justo que se diga que em termos de ambiente e cultura futebolística dificilmente haverá igual. Enfim, foi um jogo absolutamente épico.

Acabou o jogo, e agora?
Lembram-se de ter escrito que tivemos de apanhar um voo de Málaga para Manchester porque era o único disponível? O que não vos expliquei é que o voo de regresso partia de Londres. Ou seja, teríamos de chegar à capital inglesa, a cerca de 500km de distância, a tempo de apanhar o voo de regresso na tarde seguinte.
E arranjar hotel para passar a noite? Se o Beto marcou ao Man Utd e assistiu o Miccoli neste jogo também nós nos iríamos safar, certo? Errado. Não havia uma única cama disponível em Liverpool nessa noite. Tentámos de tudo, mas aparentemente é sempre assim quando a equipa joga em casa porque a cidade é invadida pela enorme comunidade de adeptos irlandeses que fazem a viagem para apoiar o seu clube.
Vou poupar-vos os pormenores, mas fiquem a saber que passámos a noite num pub nada turístico junto à estação de comboios a convite de um cavalheiro very british que nos viu sentados, isolados, abandonados, mas com um sorriso de orelha a orelha, à porta da estação onde iríamos, pensávamos nós, apanhar o comboio no dia seguinte. As paredes gordurosas desta espécie de café destinado a taxistas e trabalhadores nocturnos eram uma homenagem aos horríveis cachecóis 50/50 comemorativos de uma qualquer final: do lado esquerdo, dezenas de adereços do Everton; do lado direito tudo Liverpool. Nada de misturas, cada um no seu canto.
Na manhã seguinte agradecemos a hospitalidade dos Srs. e demos graças a todos os deuses por nada nos ter acontecido lá dentro (os enormes ingleses olhavam-nos com um misto de desconfiança e cumplicidade, dependendo do clube que apoiavam) e partimos rumo à estação para apanhar o comboio. Mas não, claro que não. As coisas não podiam ser assim tão simples… o Benfica ganhou e alguém tinha de pagar bem caro! Aparentemente em Inglaterra o comboio é visto como um transporte de luxo e uma viagem Liverpool – Londres é mais cara do que uma passagem de avião entre Málaga e Manchester. Plano alternativo: ir de autocarro, uma solução bem mais barata apesar de mais demorada.
Da viagem de autocarro não me lembro de nada, só sei que demorou cerca de 5h e não fiquei nada nervoso porque não era um avião.

Londres e o bairro português
Chegámos umas horas antes da viagem de regresso e por isso decidimos passear um pouco pela capital inglesa e depois ir à rua portuguesa para comer um bitoque e recuperar forças. Fomos recebidos com grande simpatia num café tipicamente português, com paredes cheias de recordações da pátria e do Rei Eusébio, e pagámos quase €4 por uma cerveja Sagres ilegal (não tinham autorização para a vender e estava escondida num local especial). Foi o castigo por ter dito ao homem que “sim, era mesmo português” quando me perguntou se vínhamos de Portugal. “Eu também sou português, caraças!”. Calei-me e aprendi a lição.

Málaga – Lisboa ao som de música popular benfiquista
A viagem de avião não teve história para além de ter chegado vivo e com a dignidade intacta, mas ainda faltava uma deslocação de carro entre Málaga e Lisboa e já não dormíamos há praticamente 2 dias. Foi tudo feito com muita calma porque o importante era chegar a casa, mas ao passar por Sevilha fizemos de questão de abrir as janelas, aumentar o volume e deixar ecoar o nome do Benfica pelas ruas espanholas.

Finalmente Lisboa
Chegámos inteiros, podres de cansaço, mas muito felizes. Foi uma jornada absolutamente louca sem qualquer garantia de um bom resultado no relvado, mas não é isso que importa, certo? Importante é estar presente, representar o nosso clube e os nossos camaradas, os que estão ao nosso lado na bancada e os que não puderam fazer a viagem.
O Benfica podia ter perdido 5-0 e mesmo assim continuaria a dizer que faria tudo igual. Não sei explicar o motivo, mas deixei de tentar perceber. Hoje em dia limito-me a aceitar que é mesmo assim. É o Benfica!

Vira minhoto da UEFA

"Ontem, a Liga Europa dançou o vira minhoto, com música do SC Braga letra do V. Guimarães, e Portugal passou a ver uma luz ao fundo do túnel que têm sido estes anos de submissão ao futebol russo no ranking da UEFA. Neste particular, a proeza dos arsenalistas, frente a um rival moscovita, foi particularmente relevante, além do gosto de ver a equipa de Ricardo Sá Pinto a sentir-se como peixe na água, dando ares do SC Braga que encantou a Europa no início da década. Hoje anda à roda na UEFA e oxalá os deuses da sorte ajudem FC Porto e Sporting (pote 1), SC Braga (pote 2) e V. Guimarães (pote 4), numa demanda de pontos que poderá fazer, num futuro próximo, toda a diferença para o nosso futebol.
Quanto à Liga dos Campeões, o Benfica caiu num grupo em que as possibilidades de cada equipa são absolutamente claras: 25 por cento para cada, ou seja, tudo pode acontecer, dado o equilíbrio teórico entre os competidores. Será obrigação dos encarnados, a única obrigação, aliás, encarar a Champions com a responsabilidade de quem tem um nome a defender, deixando de ser aceitável a filosofia que desvaloriza a competição internacional em favor das provas internas.
É certo que, da exibição com o FC Porto, decorreram dúvidas quanto ao estado de prontidão da equipa de Bruno Lage para medir forças com os emblemas mais fortes da Europa. Mas a resposta essa questão nunca poderá ser dado com palavras, apenas ganhará relevância se tiver expressão no comportamento em cada 90 minutos de Liga dos Campeões.

PS - Depois de Yashin, Beckenbauer e Cannavaro, Virgil van Dijk. Histórico."

José Manuel Delgado, in A Bola

Exige-se competência

"O nosso país entrou neste ano desportivo futebolístico com cinco representantes nas competições europeias. Três teriam sempre acesso directo às fases finais, uma na Liga dos Campeões - Benfica - uma na Liga Europa - Sporting - e outra em uma das duas - FC Porto.
Exceptuando o desaire do FC Porto frente ao Krasnodar na Liga dos Campeões, que atirou os dragões para a fase de grupos da Liga Europa, este ano tem-se visto que as restantes equipas portuguesas que aspiram à fase de grupos da segunda competição de clubes mais importante da Europa têm sido competentes nessa luta por um lugar.
Primeiro, o Vitória SC, que iniciou a sua caminhada com os luxemburgueses do Jeuness Esch, venceu com relativa facilidade, com um agregado de 5x0 e eliminou a seguir os letões do Ventspils de forma ainda mais expressiva (9x0). Nesta última fase antes da fase de grupos, a equipa de Ivo Vieira defrontou o "histórico" romeno Steaua Bucareste, que embora não seja bem o Steaua, a certeza é que o FCSB (história parecida à do "nosso" Belenenses...) está a defender as cores do Campeão Europeu de 1986. Depois do empate na Roménia, o Vitória carimbou a passagem à fase de grupos da Liga Europa ontem à noite vencendo pela margem mínima. Já o SC Braga disputou menos uma eliminatória que os vimaranenses, por força do quarto lugar obtido na liga e despachou os dinamarqueses do Brondby com duas vitórias, 2x4 e 3x1. Ontem à noite confirmou a passagem à fase de grupos com uma vitoria por 1x2 na sempre difícil deslocação ao terreno do Spartak Moscovo, depois de há 8 dias ter vencido os russos em Braga por 1x0.
Assim, SC Braga e Vitória SC juntam-se a Sporting e FC Porto na fase de grupos da Liga Europa. 
Penso que será esta a primeira vez que Portugal tem todos os representantes nas fase de grupos das competições europeias e isso, por si só, deve-nos orgulhar de o nosso país estar a desenvolver equipas competitivas na Europa do futebol. Este facto vai ajudar, com certeza, a recuperar um lugar no ranking UEFA, fazendo com que o nosso país obtenha mais um lugar na Liga dos Campeões e na Liga Europa na temporada 2021/22.
Obviamente que tudo isto tem um custo com quatro equipas na Liga Europa. Algo que tem sido bastante criticado nos últimos anos são os jogos à segunda feira e o que é certo é que isso vai acabar por acontecer esta temporada. A Liga terá de ter um papel proactivo neste assunto e ser sensível a adiamentos de jogos, terá que gerir muito bem toda esta situação, a bem destas equipas para não serem prejudicadas nas competições nacionais e europeias.
Analisando os sorteios e começando pelo campeão nacional, o Benfica terá um grupo extremamente equilibrado. Apesar de ter saído em sorte a equipa do pote 1 teoricamente mais fraca, o Zenit, a verdade é que Lyon e Leipzig não são "pêras doces" e podem muito bem dar dores de cabeça a Bruno Lage e companhia.
Na Liga Europa, o Sporting é claramente favorito, a par do PSV, para passar à fase seguinte, embora Rosenborg e principalmente o LASK Linz possam ter uma palavra a dizer. O Vitória SC terá uma tarefa hercúlea ao defrontar Arsenal, Eintracht Frankfurt e Standard Liège. Não será fácil aos comandados de Ivo Vieira a passagem aos 16 avos de final. O FC Porto é o claro favorito do grupo, mas terá três ossos duros de roer. Dois históricos, Feyenoord e Rangers e o bicampeão suíço Young Boys. Por fim, o SC Braga terá aspirações a passar à fase seguinte. É claramente superior ao Slovan Bratislava, apanha um Besiktas em claras dificuldades financeiras e desportivas e uma equipa que poderá chegar muito longe nesta competição, o Wolverhampton de Nuno Espírito Santo.
O que se pede a todos estes representantes portugueses é que sejam competitivos e competentes. Obrigatoriamente, Benfica, FC Porto e Sporting devem passar à fase seguinte, esperando que Braga e Vitória o façam também."

Da janela do meu quarto em Porbandar

"Em Porbandar o futebol não existe. Alguns gostam de espreitar pela televisão o campeonato inglês. Há t-shirts com a cara do Ronaldo à venda nas lojas de quinquilharias. Na rua, as paredes das casas estalavam ao sol. De vez em quando, a Índia chama-me. E eu vou, obediente e deslumbrado.

O meu quarto, em Porbandar, era em esquina. Tinha janelas enormes, frente a frente, e quando o vento soprava com força, vindo do mar, as cortinas enfunavam-se como as velas das caravelas do Gama e um ruído de ondas ribombava por todo o edifício até às fundações. As rajadas eram quentes, parecia que tinham passado por uma selva de labaredas antes de entrarem pelas vidraças escancaradas, e eu espreitava a massa de água castanha, de horizonte a horizonte, para lá de Kuchhadi, a norte, e Odadar, a sul.
Porbandar é a terra do meu querido amigo Nilesh e fui lá, a primeira vez, por causa dele. Também é a terra de Gandhi. Uma vez, num gag de perfeito nonsense, Herman José explicou-nos com uma vareta na mão que nem todos podem ser o Gandhi. O Gandhi aguentava todas as provocações, todas as chibatadas, e mantinha-se impassivelmente Gandhi. O Nilesh explica-nos, todos os dias, que ninguém pode ser o Nilesh senão o próprio. Talvez por causa do seu impossível sorriso de menino eterno.
O Nilesh adora críquete, como qualquer indiano que se preze, e não precisava, para isso, de ter nascido especificamente em Porbandar, no Gujarate ao qual os antigos chamavam de Guzerate. Mas também gosta de futebol e do Sporting. O Gandhi não gostava de desporto. Preferia manifestações de outro género. O Gandhi de Porbandar, Mohandas Karamchand, antes de ser Mahatma. Porque há um Gandhi de Goiânia, no Brasil, que não só gosta de futebol como é profissional, joga no meio-campo, como convém a um Gandhi, pensando o jogo, e de nome completo Mahatma Gandhi Heberpio Mattos Pires. Ainda consigo perceber que um pai baptize o filho como Mahatma Gandhi. Agora o Heberpio já não me parece fazer o mínimo sentido.
O Gandhi, de Porbandar, cidade dos sóis enormes para os quais é impossível olhar de frente, no tempo em que vivia na África do Sul, em Durban, a maior cidade indiana longe da Índia, percebeu rapidamente que o futebol podia ser uma arma temível de apoio à sua atitude de não-violência contra o apartheid. Assim, de forma mais banal, diria que começou a ir à bola. E a entreter-se com os encontros renhidos levados a cabo pelos membros da comunidade indiana de Durban. O seu espírito organizativo e empreendedor não tardou a servir para fundar três clubes: um em Durban, claro, outro em Joanesburgo e, finalmente, o terceiro, logo ali ao lado, em Pretória.
A Índia chama-me e eu vou. Todos os anos, há tantos tantos anos, às vezes duas ou três vezes por ano, sempre em regresso que terá regressos atrás de regressos até ao fim de mim. Há nela uma espécie de abraço largo de mãe, mesmo quando me perco na podridão dos subúrbios das cidades gigantes, bairros em decomposição, gente infectada, animais podres, fogo e fumo, o amarelo incoerente de paredes pintadas com anúncios de detergentes, cães enlouquecidos de cio ladrando a porcos negros e, de repente, flores perfumadas de incenso na beira dos passeios. Índia. Não resisto ao seu chamado.
Gandhi também não. E voltou. Para levar consigo a Liberdade à Meia Noite. Na África do Sul, os clubes por ele fundados tinham todos o mesmo nome: Passive Resisters. Tão passivos que se recusavam a fazer parte das estruturas do futebol local, até das estruturas montadas especificamente para os não-boers, mantendo-os à distância, sempre à distância. Os Resisters de Durban, de Joanesburgo e de Pretória só disputavam jogos amigáveis. Absolutamente não-violentos. As verbas recolhidas pela venda de bilhetes eram destinadas aos prisioneiros políticos do apartheid e suas famílias. Gandhi sendo absolutamente Gandhi.
Em 1893, Gandhi chegava a Port Natal, Durban, como advogado da firma Dada Abdullah & Company. Em 1914, a Índia reclamou-o de volta. Sem ele, os Resisters foram-se dissolvendo em questiúnculas internas. Não, nem todos podem ser Gandhi. E a Índia nunca gostou muito de futebol, sempre preferiu o críquete. No seu caminho para se transformar na Grande Alma, Gandhi deixou o futebol para trás. Vendo bem, só se aproximara do jogo no momento em que sentiu que tinha nele uma alavanca política com a qual combater o segregacionismo sul-africano. Foi visto num estádio em 1922, para receber a visita do Christopher’s Contingent, um clube de Durban composto maioritariamente por indianos e patrocinado pelo seu amigo Albert Christopher, o homem que esteve a seu lado na greve dos trabalhadores que abalou as estruturas do regime branco.
Em Porbandar o futebol não existe. Alguns gostam de espreitar pela televisão o campeonato inglês. Há t-shirts com a cara do Ronaldo à venda nas lojas de quinquilharias. Na rua, as paredes das casas estalavam ao sol. As mulheres embrulhavam chappatis em pedaços de jornal, os homens do chá caminhavam a custo de samovar às costas, as vacas tinham ternura nos olhos de veludo. De vez em quando, a Índia chama-me. E eu vou, obediente e deslumbrado."

Andebol 2019/2020 - Antevisão

"A equipa de andebol do Sport Lisboa e Benfica também irá iniciar a sua época oficial no próximo fim-de-semana. No sábado dia 31 de Agosto, a época 2019/2020 do Benfica irá ter início., com a equipa encarnada a deslocar-se ao reduto do ADA Maia/ISMAI.
Depois de uma época que foi um fracasso em todos os aspectos, a maioria das alterações no plantel tornaram-se públicas ainda antes do final da época anterior. A saída de Alexandre Cavalcanti para o Nantes foi anunciada ainda em 2018. O lateral-esquerdo de 22 anos dará assim o salto para um clube de topo onde poderá atingir o seu potencial máximo.
No último jogo da época em casa, foram anunciadas as restantes saídas do plantel: Hugo Figueira rumou ao Luxemburgo, Stefan Terzic partiu para a Roménia e Arthur Patrianova regressou a Espanha. Os brasileiros João da Silva e Ales Silva também receberam guia de marcha.
Para além destas saídas, houve ainda uma série de empréstimos a clubes do Andebol 1, fruto da extinção da equipa B que competia na 2ª divisão. Só o Belenenses recebeu seis jogadores emprestados pelo Benfica: Diogo Valério (guarda-redes), André Alves (ponta-direita), Gonçalo Nogueira (lateral-direito), Pedro Santana (lateral-esquerdo), Tiago Ferro (ponta-esquerda) e Pedro Loureiro (pivot). O ponta-esquerdo Pedro Côrte-Real e o pivot Valter Soares foram emprestados ao Boa-Hora FC. E o guarda-redes Tiago Silva, o lateral-direito Joaquim Nazaré e o lateral-esquerdo Tiago Costa foram emprestados ao Vitória FC, clube que foi promovido à 1ª divisão após a exclusão do CCR Fermentões devido a questões financeiras.
A primeira aquisição a ser anunciada foi a do internacional dinamarquês René Toft-Hansen. O pivot de 34 anos chegou oriundo dos húngaros do Veszprem, clube onde se sagrou vice-campeão europeu, tendo ainda conquistado o título mundial pelo seu país este ano, competição na qual contraiu uma lesão grave da qual recuperou no resto da época.
Mais tarde, foi anunciada a contratação de Carlos Molina aos alemães do Madeburg, lateral internacional espanhol que chega referenciado como um especialista defensivo. Pouco depois seria anunciado o sérvio Petar Djordjic. O lateral-esquerdo de 28 anos chega dos bielorussos do Meshkov Brest, destacando-se pelo seu poderoso remate. O clube ainda anunciou os regressos do guarda-redes Gustavo Capdeville e do central Francisco Pereira, que estiveram emprestados ao Madeira SAD na última época. Destaque ainda para a presença do Primeira Linha Daniel Neves e do lateral-direito Guilherme Tavares para integrar os trabalhos da equipa principal.
Por último, seria ainda anunciada a contratação do central internacional angolano Romé Hebo. Esta contratação surge no âmbito de um protocolo estabelecido com o 1º de Agosto, que envolve a transferência de jogadores angolanos para o Benfica, e a ida de treinadores do Benfica para Angola para formar os treinadores do clube. Acredito que esta parceria vai ser muito benéfica para o clube, visto que permitirá trazer jogadores angolanos de qualidade, à imagem do que o FC Porto faz com os atletas cubanos.
Quanto ao FC Porto, depois de uma época em que superou as expectativas, teve um Verão bastante tranquilo, mantendo-se praticamente inactivo no mercado. As únicas mexidas no plantel foram a saída do cabo-verdiano Leandro Semedo, que rumou à Liga Asobal, e o regresso do lateral-esquerdo Rúben Ribeiro após empréstimo ao AA Avanca.
Já o Sporting CP, depois de ter falhado a conquista do Tricampeonato, optou por mudar de treinador, com Hugo Canela a ser substituído pelo francês Thierry Anti, ex-treinador do HBC Nantes. No plantel, também houve poucas alterações de relevo. Saíram os veteranos Pedro Solha, Cláudio Pedroso e Bosko Bjelanovic, e ainda o ponta-direita brasileiro Fábio Chiuffa. Foram contratados para a primeira linha o jovem português Gonçalo Vieira e o sérvio Nemanja Mladenovic. Regressou ainda o ponta-direita Francisco Tavares, após empréstimo ao Boa-Hora FC.
Nesta temporada, também o Benfica irá competir na Taça EHF, que os próprios já assumiram que é um objectivo chegar longe na competição. Ao contrário do que se verificou nas épocas anteriores, nesta época o terceiro classificado do Andebol 1 entra directamente para a segunda ronda da competição. As boas prestações dos clubes portugueses nas competições europeias nos últimos anos valeram a Portugal a subida para o oitavo lugar no ranking da EHF, que garante a entrada de dois clubes portugueses na Champions mais um para a 2ª ronda da Taça EHF.
Na minha opinião, partimos para esta época ainda um passo atrás dos rivais. Enquanto o Benfica mudou grande parte da sua espinha dorsal estrangeira, tanto o Sporting como o FC Porto têm equipas feitas, mais rotinadas e experimentadas, sendo que no caso do rival lisboeta, o treinador Thierry Anti poderá introduzir ideias novas na equipa, mais a altura da qualidade individual do plantel.
Do lado do Benfica, a forma como os reforços se irão integrar é que irá ditar se seremos reais candidatos ao título. Neste início da época, a equipa já sofreu um duro revés, quando um clube emitiu uma nota oficial no seu site sobre a lesão de Belone Moreira. O lateral-direito internacional português fracturou o antebraço no Torneio de Estrasburgo e apesar do clube não ter avançado pormenores quanto ao tempo de paragem, presume-se que a recuperação seja longa. Caso tal situação se confirme, o clube deveria ir ao mercado procurar alguém para a posição, de preferência, de alguém que sobressaia na defesa, visto que Kévynn Nyokas é um lateral-direito que só ataca.
O processo defensivo sempre foi uma das imagens de marca de Carlos Resende enquanto treinador. No entanto, esse foi um aspecto de jogo em que a equipa apresentou um grande declínio na última época. A meu ver, esse declínio pode ter-se devido a dois motivos: primeiro, devido à falta de profundidade do plantel causada pelas lesões, que resulta num maior desgaste dos jogadores mais utilizados; e segundo, o facto do plantel saber dos jogadores que iam sair ainda durante a época pode ter causado um impacto negativo no balneário, que viria a resultar em momentos de falta de concentração, de empenho ou de motivação.
Como tal, o processo defensivo é o aspecto de jogo no qual a equipa vai ter de mostrar mais progressos, principalmente nos jogos de maior nível. Sendo que este é um aspecto em que os reforços René Toft-Hansen e Carlos Molina poderão ter um papel influente, mas para o qual precisarão de tempo para se integrarem e se entrosar na equipa.
Já no ataque, o reforço Petar Djordjic já tem começado a mostrar o que vale. Um jogador com este nível irá fazer muitos estragos nos pavilhões nacionais. Por outro lado, espera-se que Kévynn Nyokas tenha um rendimento mais consistente, aproximando-se do nível que mostrou antes do calvário de lesões.
Em suma, esta será a época do tudo ou nada para Carlos Resende. E espero que no final da época as coisas corram de feição e que haja razões para sorrir.
Plantel 2019/2020:
Nº 3 - Davide Carvalho
Nº 7 - Pedro Seabra
Nº 8 - João Pais
Nº 9 - René Toft-Hansen
Nº 10 - Kévynn Nyokas
Nº 11 - Belone Moreira
Nº 12 - Miguel Espinha
Nº 13 - Paulo Moreno (capitão)
Nº 14 - Ricardo Pesqueira
Nº 16 - Borko Ristovski
Nº 17 - Guilherme Tavares
Nº 18 - Carlos Molina
Nº 19 - Carlos Martins
Nº 22 - Nuno Grilo
Nº 34 - Fábio Vidrago
Nº 41 - Gustavo Capdeville
Nº 44 - Petar Djordjic
Nº 50 - Francisco Pereira
Nº 55 - Daniel Neves
Nº ? - Romé Hebo"

Desporto global

"A globalização económica ajudou a alterar, nas últimas décadas, uma realidade que esteve estável durante muito tempo. O desporto tem vindo a ganhar cada vez mais importância na sociedade global. Hoje, em praticamente todos os locais do globo, temos notícias sobre as actividades desportivas locais, quando só eram referidos os acontecimentos de maior dimensão.
Claro que esta alteração, fruto de uma sociedade de informação, comunicação e imagem, também provoca outro tipo de problemas, nomeadamente uma dimensão superior de qualquer conflito. A resolução, ou a minimização, desses mesmos problemas tornou-se um dos grandes desafios das estruturas responsáveis pela gestão e direcção do desporto. O desporto tem que continuar a ser uma escola de valores. A sua dimensão global não pode ser utilizada para adulterar os princípios básicos que regem esta grande escola de vida.
Por outro lado, torna-se fundamental criar condições para que todos tenham oportunidades de potenciar as suas capacidades. Cada um decide qual o processo que entende mais adequado, a forma como o implementa, o modelo que pretende. Contudo, é necessário que quem dirige ajude a criar condições para o sucesso.
Nenhum de nós sabe onde nasceu, ou vai nascer, o próximo, ou próxima, praticante de nível elevado de uma qualquer modalidade. Mas todos sabemos que só com condições podemos potenciar o talento, aumentar o nível de praticantes, colocar um número maior de cidadãos a ter actividade física. Os nossos indicadores são baixos, têm que ser melhorados. Um desafio para todos nós, com responsabilidades na gestão de modalidades desportivas."

José Couceiro, in A Bola

Lebres desportivas (1)

"O que tinha de correr mal com o desporto aconteceu. Não existe uma visão, nem um programa e impera a dispersão de que tudo é possível.

No Expresso de 10 de Agosto de 2019 Jorge Calado fala da situação da Cultura referindo ‘Como no poema de Pessoa, “Tudo é incerto e derradeiro./ Tudo é disperso, nada é inteiro”’. O estado descrito por Jorge Calado sobre a Cultura é equivalente ao do Desporto, o que realça como os limites críticos são transversais aos sectores sociais e económicos e, ao citar os versos de Fernando Pessoa, diagnostica uma situação crónica que a actual legislatura cumpriu, mais uma vez. Fernando Pessoa e António Calado terminam exclamando que “É a hora!”.

I
Esta foi uma legislatura desportiva triste porque foi nula do ponto de vista da política pública. O desporto tinha uma expectativa real de reforma e ansiava por uma transformação do velho Modelo de Desporto Português que condiciona a produção desportiva dos clubes, associações e federações. O anseio encontra-se na publicação em 2016 pela Federação Portuguesa de Ginástica do livro sobre o Desenvolvimento do Desporto: Gestão, Economia, Regulação, e, em 2017, na concepção pelas federações do projecto Plataforma do Desporto Federado.
O Governo ignorou a expectativa dos clubes, associações e federações e no início da legislatura pôs a circular que não iria governar o desporto porque a geringonça podia cair no dia seguinte. Este tipo de inverdades é recorrente no início das legislaturas à esquerda. O seu objectivo é deixar para o fim a pseudopolítica desportiva com que pretende ganhar as eleições seguintes. O ministério da Presidência e o das Finanças mostraram que não se preocupavam com a saúde da geringonça e tinham ideias consolidadas sobre o Simplex redutor e acerca da austeridade inclemente. O medo da geringonça acabar, podendo ter sido real, foi a mentira habitual para nada fazer no desporto durante os 4 anos seguintes.
O velho Modelo de Desporto Português, que está em vigor, não promove instituições públicas competentes, nem a existência de um líder desportivo reconhecido a nível nacional. O que tinha de correr mal com o desporto aconteceu. Não existe uma visão, nem um programa e impera a dispersão de que tudo é possível. Para suportar o nada fazer da legislatura, o desporto distraiu-se com encenações promovidas na comunicação social.

II
Uma entrevista do primeiro-ministro ao canal televisivo do futebol, em 6 Agosto de 2019, aqui, mostrou o desejo de passar a mensagem de uma legislatura de sucesso no desporto.
Os assuntos abordados foram: a violência das claques e o Benfica, a prática desportiva dos portugueses, a candidatura de Portugal e Espanha à organização do Mundial de Futebol em 2024, a viciação de resultados desportivos e a popularidade da selecção de futebol de mulheres. Observam-se duas preocupações principais de política: a jurisdicionalização através das novas leis que tudo vão resolver em relação à violência das claques, sobre os protestos do Benfica e no combate à fraude dos resultados desportivos; e, a indicação da importância da educação, transporte, turismo, ambiente e saúde na actividade física da população contrapondo que o desporto não é uma actividade física normal.
A jurisdicionalização crescente da política pública é a arma dos governos, que os líderes desportivos aceitam pacificamente. A desconsideração da produção de desporto e do associativismo desportivo como sector nacional tem sido feita pela valorização de outros sectores como o entrevistado profere quando valoriza a educação, transporte, turismo, ambiente e saúde na actividade física, sem os graduar face ao desporto.
Por fim, parece confundir os campeonatos e o conceito universal de desporto enquanto sector formador de mulheres e homens. Questionado sobre a possibilidade da selecção feminina arrastar multidões como a masculina, diz que o importante é o futebol, não é o género. Nenhum líder desportivo lhe terá dito que em Portugal a desigualdade da prática entre homens e mulheres é das maiores a nível europeu. Caso o tivessem dito, o momento jornalístico seria aproveitado para enaltecer o crescimento da prática desportiva das mulheres devido às suas políticas públicas. Naturalmente, não havendo uma política desportiva na legislatura, alicerçada numa ambição e num programa a vários ciclos legislativos e olímpicos, as respostas de senso comum seguiram as perguntas sem as dominar e criar a empatia para os seus programas desportivos, o pretérito e o novo.
Observa-se que o entrevistado foi um homem-só, ele mesmo à flor-da-pele. A sua maior dificuldade esteve no deserto de matérias fundamentais de política desportiva que não se criam no último dia da legislatura e que são maturadas durante os ciclos legislativos como se observa nos países europeus com os melhores indicadores desportivos.

III
A pergunta a fazer é a de saber que parte da responsabilidade do que acontece no desporto cabe aos primeiros-ministros portugueses?
A cultura de política desportiva dos primeiros-ministros portugueses é por norma exígua, tapando a crise do sector com o imediato da comunicação social.
A responsabilidade cabe aos líderes associativos do desporto. Sem uma estrutura de liderança ambiciosa que assuma um novo Modelo de Desporto Português, o sector soçobra e a comunicação das suas políticas pelos primeiros-ministros é banal, falhando a coerência pública, roçando inverdades que a comunicação social credibiliza. Não é assim que se cria uma população desportivamente activa, nem é assim que a juventude se torna campeã para a vida.
Cabe aos dirigentes federados elevarem a política pública desportiva que depois é proclamada pelos responsáveis nos mais altos cargos da nação acerca da qualidade da prática desportiva da população e para a excelência dos grandes atletas nacionais. O fracasso dos líderes federados é o que explica os escândalos que surpreendem um alto magistrado da Nação, como o fenómeno do match-fixing referido na entrevista.
Pela perspectiva horizontal que tem do país sobre os sectores da actividade, todo o primeiro-ministro está ciente da condicionalidade de certos líderes desportivos. Todos sabem, que todos sabem, que o valor das políticas desportivas sendo aparente é a regra do jogo que deve ser jogada. Há muito que o desporto não goza de políticas públicas coerentes com as necessidades dos clubes, associações e federações. As políticas públicas desportivas tornaram-se lebres falsas (2), seja na sua feição jurisdicional, seja na manutenção das coisas do costume.
A população e os mais altos cargos nacionais necessitam de líderes desportivos visionários, competentes e corajosos. Para as federações, associações e clubes desportivos “É a hora!”.
(1) A lebre desportiva é o atleta que logo de início corre à frente de todos os outros. Vai aumentar a velocidade de todos os que acompanhem o seu ritmo. A lebre vai ficar extenuada e sair, quando os restantes se posicionarem para o recorde. A lebre é paga para correr parte da corrida, para aumentar o valor do espectáculo e a derrota está implícita no seu contrato.
(2) Há estratégias de marketing em que a qualidade do produto não corresponde à imagem projectada. Este marketing é uma falsa lebre lançado aos consumidores que os reguladores económicos condenam por extraírem um valor excessivo acerca da qualidade do produto transaccionado."