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terça-feira, 23 de maio de 2017

Este titulo é grito de Vitória

"Arregimentou a esmagadora maioria do universo benfiquista: em dois anos ganhou o mesmo que o antecessor em cinco.

Ponto final, disputou-se no fim de semana a última jornada do Campeonato 2016/17 sendo já ténue a poeirada que durante meses lhe lançaram para cima com o evidente propósito de perturbar a campanha e o desempenho do candidato mais forte, o Benfica, o qual, como ficou demonstrado, cedo se apoderou da liderança e transpôs a meta em primeiro lugar com o à-vontade de quem foi mais competente ao longo das 34 jornadas.
Assim sendo: Benfica, campeão nacional pela 36.ª vez, com 82 pontos, menos seis do que na temporada anterior, mas, mesmo assim, revelando extraordinária arte na ampliação da vantagem para os mais próximos perseguidores, ao ponto de ter realizado a festa na penúltima ronda, prova do valor e do mérito que jamais foram contrariados no único local onde os mais fortes costumam sobrepor-se aos mais fracos, o recinto de jogo.
FC Porto, segundo classificado com menos seis pontos, o que representa uma melhoria significativa em relação à época passada, saltando da 3.ª para a 2.ª posição e reduzindo em nove pontos a diferença para o líder.
Sporting, terceiro, com menos 12 pontos, quebra pronunciada em comparação com o primeiro ano de Jesus em Alvalade. Deixou-se ultrapassar pelos portistas na classificação e na contagem final regista substancial atraso para o campeão, passando de dois para doze pontos. Falhou a entrada directa na Liga dos Campeões.
Rui Vitória é o melhor treinador bicampeão de sempre no futebol português, escreveu o jornalista Miguel Cardoso Pereira no Tema do Dia (edição de A Bola de anteontem).
Suplantou, com os 170 pontos alcançados (88+82), a marca de José Mourinho (168) nas épocas douradas do FC Porto em 2002/03 e 2003/04, em que o special one, exactamente por ser muito, muito especial, aos dois títulos nacionais acrescentou uma Taça UEFA em 2003 (vitória sobre o Celtic (3-2) na final de Sevilha) e uma Liga dos Campeões no ano seguinte (vitória sobre o Mónaco (3-0) na final de Gelsenkirchen).
Esta ligação a Mourinho talvez seja premonitória, embora sugerida por mero exercício jornalístico que nenhuma conclusão autoriza. A não ser a curiosidade suscitada pelos números, sendo certo, porém, que esta conquista benfiquista, tendo sido de todos, em obediência à valorização do esforço colectivo, foi, essencialmente, de Rui Vitória. Por via da elegância, da seriedade e do conhecimento conseguiu dar a resposta mais poderosa e demolidora não a quem, como é natural, se interrogou sobre se o seu perfil lhe permitiria ter sucesso no exercício de ingrata e exigente função em emblema de tamanha dimensão, mas, em concreto, a horda agourenta que o massacrou sem descanso, como se ele carregasse todos os defeitos do mundo.
Bater em Vitória tornou-se uma moda que depressa se expandiu, como na altura escrevi, mas foi capaz de resistir. Primeiro pelo sofrimento em silêncio, que não deve ter sido nada fácil. Enquanto lhe faltaram resultados para contrapor, ouviu e calou. Só depois e treinador do Benfica começou a reclamar território e a impor a sua autoridade até à plena afirmação pela força do trabalho. Deixou os cavaleiros da desgraça pregar na imensidão do deserto e, provavelmente por sugestão de Luís Filipe Vieira, expressa em intervenção recente numa das Casas do Benfica, passou a «dar pouca conversa a quem pouco importa».
Portanto:
1. No Benfica continua a desenvolver-se um projecto consistente e grandioso. Há estabilidade e a certeza de que o futuro já não depende de um triunfo, nem sequer de um título. Vitória é um homem do povo e esse traço de personalidade foi a sua arma mais certeira no combate aos artífices da maledicência. Através de uma simplicidade natural arregimentou a esmagadora maioria do universo benfiquista: mais vale apoiar quem promete pouco e dá muito do que acreditar em quem promete muito e dá pouco, ou a diferença entre quem ganha em dois anos o mesmo que o antecessor em cinco.
2. No FC Porto, que melhorou significativamente com Nuno Espírito Santo, o presidente, cada vez mais isolado, cometeu um pecado capital ao colocar o treinador à frente de pelotão de fuzilamento para tentar adiar o inevitável. O dragão vai ter entrada directa na Liga dos Campeões e isso deve-se a Espírito Santo, apesar de repetidamente escaqueirado pela ala mais intelectual dos críticos do Bolhão. O treinador caiu, e o presidente, ao não protegê-lo, fica também ele mais perto da porta de saída.
3. No Sporting, a grande dúvida reside em saber se o presidente controla ou não o que está em causa. Bruno de Carvalho talvez deva distanciar-se de algumas influências e convencer-se de que não haverá quem lhe valha em caso de temporal que traga inundações e trovoadas. Para já, o treinador, ao projectar a terceira época a terceira época, diz que é preciso arranjar condições para «estar ao nível dos rivais». Mais ainda?..."

Fernando Guerra, in A Bola

O balanço na balança

"Acho que esta época o ruído atingiu decibéis a mais. Foi muito mais feio do que o habitual.

E, tal como começou, terminou. Chegámos ao fim de mais uma época. Mais um recheada de estórias e histórias. De momentos altos e baixos. De memórias inesquecíveis e de outras para esquecer. Cada um terá a sua visão sobre este último campeonato, como é óbvio. Tal como eu tenho a minha. Como é óbvio.
O que vos posso dizer? Acho sinceramente que, desta vez, o ruído atingiu decibéis a mais. Foi muito mais feio do que o habitual. Ora estratégico e planeado, ora espontâneo e impulsivo, mas sempre audível. A consequência? Apenas uma: perdeu o futebol. Quando a polémica fora do campo vence a qualidade técnica dos jogadores, quando a guerrilha verbal ganha, em audiências, ao talento individual dos craques, quando as acusações e insinuações ensombram o brilho dos actores de verdade, o futebol perde sempre.
Perde porque as emoções negativas são uma espécie de vírus da gripo. Contagiam com facilidade. E arrastam para essa febre novos e velhos, miúdos e graúdos, iletrados e doutorados. Na mansão ou na barraca, na metrópole ou na aldeia. Não há escapatória possível.
Culpados? Se calhar, somos todos. Culpados são os que nunca pisaram um relvado, nunca sentiram na pele as vivências do jogo jogado, nunca calçaram umas botas de futebol e pensam saber mais de bola do que profissionais com décadas de experiência. Culpados são os funcionários agora promovidos a protagonistas que não olham a meios para atingir os seus fins. Ainda que o caminho que percorram faça tábua rasa do código deontológico a que eticamente estão sujeitos. Culpados são os que lhes dão voz. Os que chamam jornalismo ao incêndio e notícia aos pirómanos. E são também as redes sociais, os blogs e os sites que lhes abrem espaço a uma criatividade sem limites. Culpados são alguns dos intervenientes directos no jogo. Que nem sempre são tão profissionais quanto podiam nem tão competentes como deviam. Culpados são alguns dos avençados que fazem do seu tempo de antena nacional um espectáculo execrável, convencidos que têm graça quando há muito caíram em desgraça. Culpados são os que, durante parte da época, não fizeram nada quando se esperava que fizessem muito. Culpados são aqueles que aceitaram, a qualquer preço, serem reis num país onde não é a monarquia quem dia as regras.
Bem, mas certo, certo é que as coisas entretanto mudaram. As estruturas que gerem o futebol - indiscutivelmente competentes - estão agora mais do que nunca empenhadas em combater a violência, em melhorar a arbitragem, em valorizar o espectáculo e em torná-lo num lugar mais seguro. Estão a caminho fortes medidas disciplinares, maior transparência na arbitragem, reforço inevitável do policiamento e a corajosa entrada em cena do Videoárbitro. O poder político parece também ter percebido, finalmente, que a expressão «apelo ao fair play» é bem inócua do que a velhinha «errar é humano». E deve vir dali um aperto penal a quem não souber estar no futebol. Nem tudo foi mau. Mas caramba... somos tão mais do que isto."

Duarte Gomes, in A Bola

É impossível não chorar contigo, Tiago!

"Os festejos, entre os abraços. Saltos aos pares, trios. Quartetos. Quintetos. O sprint para o lado dos adeptos, que descem apressados os degraus, já de braços esticados. Os gritos, os cânticos. A explosão das bancadas. Os passou-bem aos desconhecidos, de outras famílias da mesma tribo. Mercury a deixar sair a canção eterna.
O espumante, um banho antes do banho. A tarde a continuar tarde, a noite a aguentar-se dia. Até despejar-se tudo. Um ano inteiro acumulado, recalcado.
Depois, o silêncio.
Ou os braços caídos, os olhos no chão. Lágrimas. A cabeça por cima dos pulsos, assentes em cima dos joelhos. Todos sentados na relva. Caneleiras na mão. As palmadas de consolação no pescoço, nas costas, de adversários ou companheiros aparentemente mais resistentes à desilusão. Os olhos a secarem-se, aos poucos. A resignação. As bancadas a esvaziar, sem olharem para trás. Injustas. Tão injustas.
O banho, sem palavras. Os frames a passar à frente dos olhos. Os ses em forma de slide, para quem sabe o que são slides, a consciência a apertar o botão para passar-se ao seguinte. Conversas de circunstância, enquanto se esconde a decepção num caixote no quarto-dos-fundos da memória.
Por fim, o silêncio. Chegará também.
O verão. Desligar da corrente. A praia, longe. A paz naquelas águas a deixar ver o fundo, absorventes. Ao lado, os rivais, agora de novo amigos antes de voltarem a ser rivais.
Os jornais. As manchetes e os 300 caracteres na última página, a uma coluna. As cachas jornalísticas. E as não-notícias, no meio das simples notícias. O telefone a tocar. Decidir atender ou deixar tocar. A silly-season.
A oportunidade.
A dispensa.
Ainda, silêncio, mas um preenchido, que não é para todos. Porque pior é o silêncio no meio do vazio. No meio do nada. E esse, é só para quem diz adeus de vez, entre as lágrimas que teimosamente não param de cair.
Francesco Totti. Xabi Alonso. Philipp Lahm.
O adeus será, aparentemente, definitivo. Já não haverá um depois. Foi apagado o recomeçar, a possibilidade de fazer restart, fosse depois da festa ou da tristeza. As chuteiras ficaram presas na parede, não se conseguem de lá arrancar. É um vazio que não se torna a encher, e que precisa de uma metadona qualquer, um substituto do vício até que desapareça. Uma carreira de treinador. Ou empresário. Dirigente.
E há algo que nunca desaparece. A tentação que os persegue de tocar numa bola a saltar do outro lado da estrada, que se esconde debaixo do encolher dos ombros. De uma irritação na pele.
Não conheço Totti. Ou Alonso. Mesmo Lahm. Ou melhor, conheço a classe, o talento, a personalidade em campo. Vibrei com muitos golos-em-verso do italiano, inúmeros passes de atirador-furtivo do espanhol e centenas de cortes eficazes do alemão. Acompanhei Francesco e Philipp nos seus clubes de sempre, tal como Alonso, desde a Real Sociedad. De Anoeta até o Arena. Se conheço essa sua parte, reconheço o quanto o futebol de que gosto fica mais pobre. Agora que este se começa a ir embora, ainda a olhar para trás, também sinto o vazio.
A Tiago também o conheço há muito tempo. Desde que deu o primeiro pontapé televisionado. Também o conheci finalmente em Majadahonda, há sete anos. Entrevistei-o, conversámos depois enquanto caminhávamos a caminho dos carros. Sempre gentil. Prestável. Humilde.
Se daquele futebol simples, racional, sempre maduro era impossível não ser fã e não achar que fazia sentido em todos os campos e em todas as equipas, da pessoa só podia continuar a dizer bem. A sentir que todas as peças encaixavam. Tinha estado com um dos grandes.
Sei que ele sabe que podia ter sido ainda maior, e podia. Mesmo assim, que carreira fantástica! De uma grandeza ímpar, ao alcance de poucos. Acredito que tenha sido o fim, quando o Calderón até se foi com ele.
O tempo não perdoa nem a quem o merece. O adeus, mesmo que seja apenas ao Atleti, foi duro. Demasiado duro, e não deixou ninguém indiferente. Há gente assim, a quem ficamos a querer sempre bem, mesmo que nunca mais nos cruzemos.
É impossível não chorar contigo, Tiago!"

Benfiquismo (CDLXXVII)

Faz hoje 56 anos que vestiu
pela primeira vez o Manto Sagrado...
... e logo com um 3 golos!!!

Alvorada...