"Os nossos árbitros são umas prima-donas que não aceitam críticas. As suas decisões podem decidir fortunas de milhões mas ofendem-se com muito pouco
PASSOU-SE apenas um mês do Vítor Pereira que entregou as faixas de campeão ao Benfica, depois de o FC Porto ter perdido por 3-1 com o Gil Vicente, até ao Vítor Pereira que enverga agora as mesmíssimas faixas de campeão, depois da vitória na Luz por 3-2...
Foi um mês em cheio para Vítor Pereira (o treinador do FC Porto, não o Vítor Pereira presidente dos árbitros). E nem a imediata desponabilidade de André Villas Boas para reocupar a «cadeira de sonho» parece constituir ameaça para a altíssima cotação de que hoje goza o treinador do FC Porto.
O futebol é isto mesmo. É o momento.
O Benfica-FC Porto de sexta-feira foi um grande jogo de futebol entre duas equipas grandes nas individualidades e nos conjuntos. Normalmente, de acordo com as Leis do Jogo, uma partida tem duas partes de 45 minutos e um intervalo. No clássico da Luz estivemos perante uma espécie de aberração que não deixou de produzir os seus efeitos.
É que o Benfica-FC Porto só teve um intervalo mas foi um jogo com três partes distintas: uma primeira meia hora de grande categoria do FC Porto, uma segunda meia hora de raça e de enorme qualidade do Benfica e uma extraordinária meia hora final de Pedro Proença e do seu bandeirinha Ricardo Santos.
Na primeira meia hora o FC Porto adiantou-se no marcador, na segunda meia hora o Benfica deu a volta ao jogo e ao resultado e na meia hora final a equipa de arbitragem pôs a sua assinatura, preto no branco, no resultado final validando, a dois minutos do fim, o golo majestosamente irregular do FC Porto. Isto para além de outras minudências, sem dúvida menos espampanantes, que de alguma forma contribuíram para o desenho do resultado final.
Foi uma pena. No lance que decidiu o resultado e os pontos em causa, Pedro Proença foi traído por um maus juízo de um seu assistente que, também ele infeliz, assim que não viu os dois jogadores do FC Porto adiantados logo não quis assinalar a dita irregularidade. E não se lhe podia exigir que quisesse outra coisa.
Como diz o povo «querer é poder» e fariam bem os benfiquistas em cessar com as recriminações contra a equipa de arbitragem. Pois se o bandeirinha não pôde ver os dois jogadores adiantados jamais podia querer assinalar um castigo contra a dupla de infractores, como é óbvio.
Não se compreende, portanto, esta vaga noticiosa do início da semana dando conta da ameaça de castigos que paira sobre Jorge Jesus por ter dito, com muita simplicidade, no fim do jogo que o árbitro assistente «não quis» levantar a bandeirola ao minuto 88.
Tanta indignação porquê? Se querer é poder é poder, como diz o povo, não quis, não quis e não quis. E porquê? Porque não pôde, não pôde e não pôde.
Os nossos árbitros são, no entanto, muito susceptíveis. Uma verdadeiras prima-donas que não aceitam crítica nem do púbico que paga bilhete. São parte integrante do jogo, são a Lei do espectáculo, tudo e todos são sujeitos ao seu arbítrio, as suas decisões justas ou erradas podem decidir fortunas de milhões mas não suportam o julgamento de terceiros. Ofendem-se com muito pouco.
Na segunda-feira, um outro árbitro, Duarte Gomes quis - lá está o verbo querer... - partilhar no Facebook os seus sentimentos de solidariedade devidos a Pedro Proença que, na sua opinião, «é de longe o melhor árbitro português da actualidade».
Proença que pouco ou nada sofreu no rescaldo do clássico: foi apenas vaga e formalmente repreendido pela crítica num único lance e terá, ou não, escutado Luís Filipe Vieira pedir-lhe que desista de apitar jogos do Benfica e terá, ou não, ouvido Jorge Jesus dizer que o árbitro assistente não levantou a bandeirola porque «não quis», o que é a mais pura das verdades porque se tivesse querido tinha podido. Querer é poder, recorde-se o dito popular...
Mas estas pequeninas reacções negativas de uns quantos, poucos, aparentemente deitaram Pedro Proença abaixo a ponto de ter de vir um colega defendê-lo publicamente: «Os erros ora são irrelevantes, ora têm influência directa no desfecho dos jogos. Mas essa é uma verdade que se aplica para os erros dos árbitros, dos jogadores, dos técnicos», afirmou Duarte Gomes em abono de um amigo.
E tem razão. Fica-se apenas com uma dúvida: se a «verdade secular» a que Duarte Gomes se refere é a que tem a ver com o facto de o jogo ter mais de 100 anos de existência ou se a palavra secular, no contexto em que foi empregue pelo árbitro, remete para o fenómeno da secularização, o processo através do qual as Igrejas perdem Poder nas múltiplas esferas da sociedade.
Sem querer especular nesta divagação semântica, é de presumir que Duarte Gomes, com a sua «verdade secular», se referisse muito prosaicamente ao século de vida do futebol e não a qualquer Igreja que, ao que se julga, nem vem para o caso.
O importante é que, tal como Duarte Gomes referiu, árbitros, jogadores e treinadores, todos erram. Mas os árbitros, ao contrário dos outros, não podem ser criticados com desdém. Dos jogadores e dos treinadores, está a crítica autorizada a não ser meiga e a utilizar todo o tipo de ditos populares e de metáforas que, se aplicadas a árbitros, até podem dar tribunal e prisão.
Querem um exemplo?
Se um crítico profissional ou se um adepto anónimo disserem, em voz alta, que no jogo da primeira mão com o Zenit de São Petersburgo, o grande Maxi Pereira «ofereceu o ouro ao bandido», porque falhou no lance que deu o terceiro golo aos russos, ninguém de bom senso vai entender estas palavras como judicialmente difamatórias para o grande lateral-direito uruguaio do Benfica que na terça-feira se redimiu, marcou ao Zenit na Luz e assinou uma exibição de enorme categoria.
Oferecer o ouro ao bandido é uma expressão popular e apenas uma maneira amigável de dizer que o erro de Maxi Pereira teve influência directa no desfecho do jogo da primeira mão.
Imagine-se, no entanto, o que seria neste país se algum crítico ou se algum adepto anónimo resolvessem proclamar que, como o seu erro, o melhor árbitro português da actualidade «ofereceu o ouro ao bandido».
Tal seria, certamente, considerando como uma desconsideração do outro mundo. Passível de tribunal. Começava-se por identificar e responsabilizar criminalmente o crítico, o que seria fácil.
Já o adepto anónimo, por ser anónimo, estava a safo. É esta a boa notícia.
NO final da década de 60, o humorista brasileiro Juca Chaves iniciou em Portugal uma tournée europeia que, depois de Lisboa, o levaria até Paris, Londres e outras cidades do velho continente. Quando regressou ao seu país foi entrevistado e disse: «Gostei muito da viagem, primeiro fui a Portugal e depois peguei um avião e fui até à Europa» e isto caiu muito mal na imprensa afecta ao regime português de então que não se cansou de fustigar Juca Chaves por, à sua maneira subtil, ter afirmado que Portugal estava muito longe de ser um país da Europa.
Lembrei-me de Juca Chaves por estes dias. Na sexta-feira esteve na Luz o melhor árbitro português da actualidade e anteontem esteve na Luz o melhor árbitro europeu da actualidade, o inglês Webb.
Continua a haver uma grande diferença, Juca Chaves.
O Benfica-Zenit foi um jogo d grande intensidade com duas equipas a responder em campo aos conceitos tácticos dos respectivos treinadores o que permitiu um espectáculo corrido do princípio ao fim e com alternâncias de sistemas do tipo ora agora trocamos nós a bola e ora agora trocam a bola vocês.
No fim, ganhou a melhor equipa. Sem casos no jogo, sem zaragatas, sem benefícios de uns e prejuízos de outros. É a Europa."
Leonor Pinhão, in A Bola