"O nosso legislador não teve qualquer prurido e agrediu a Lei Fundamental para salvar o que não carecia de ser salvo: a violência do Desporto geneticamente a cargo das claques, na óptica do legislador.
Instalou-se na cultura mediática a sub-divisão entre claques legais e claques ilegais.
A superficialidade dos analistas, mas acima de tudo, a impreparação técnica dos responsáveis, leva-nos, a todos, a perder de vista o que, verdadeiramente, está em causa.
Comecemos por onde se deve começar: pelo princípio.
E o princípio diz-nos que o legislador cometeu erros primários, quer quando insere a previsão normativa das claques (GOA) no diploma sobre violência no desporto, quer quando consagra a mais perversa responsabilidade objectiva dos Clubes e das S.A.D.’s face ao comportamento ilícito das claques (GOA).
Ora vejamos: o legislador entende que as claques são, geneticamente os agentes da violência, ou seja, empresta-lhes uma vocação estranha ao apoio ao seu emblema, antagónica da festa do desporto e, bem ao invés, consagra o regime legal das claques na “desordem” jurídica, na violência.
De facto, é o legislador que o diz: as claques criam-se para a prática da violência, não visam a festa do desporto.
Mas há mais danos, a cargo do legislador.
O IPDJ (agora a ACVD) têm o encargo de “registar” as claques e, bem assim, os seus membros.
Mas tal registo é estranho ao Clube e à S.A.D., ou seja, o defunto IPDJ sabe o que o Clube e a S.A.D. não sabem.
Mas, apesar desse registo no IPDJ também ele não controla, porque não pode, a autenticidade e a actualidade entre os adeptos inscritos nas claques e a realidade, ou seja, aqueles que, de facto, nelas se inserem.
Como se verifica e conclui, nem o IPDJ (ACVD) sabe quem integra as claques e, muito menos, os Clubes e as S.A.D.’s sabem quem são os seus apoiantes integrados em claques.
Facilmente se conclui que o sistema legal em vigor tem a virtualidade de ser um vazio, que é accionado para punir quem se quer, quando se quer, em perfeito tiro ao alvo.
Mas não podemos ficar por aqui.
A Lei manda que os GOA (as claques) se constituam em associações (pessoas colectivas dotadas de personalidade jurídica) e os membros das claques, para o serem, terão de estar nelas inscritos.
O nosso legislador não tropeçou, mas devia, no Art.º 46.º da Constituição da República que diz, nada mais, nada menos que “Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela”.
Ora se um cidadão quiser integrar um GOA e apara o conseguir terá de integrar uma associação que, por sua vez, teve obrigatoriamente de ser constituída.
O nosso legislador não teve qualquer prurido e agrediu a Lei Fundamental para salvar o que não carecia de ser salvo: a violência do Desporto geneticamente a cargo das claques, na óptica do legislador, como é evidente.
Mas, agora, surge um outro obstáculo: a Lei 103/2015 de 24 de Agosto proíbe o registo dos dados pessoais de cada Cidadão.
Isto significa que, para ser membro de uma GOA, terá de registar os seus dados pessoais, o que a Lei proíbe e a União Europeia impõe que cada Estado observe.
Perante este quadro normativo, anacrónico, ilegal, inconstitucional, o que fazer?
1.ª Hipótese: ilegalizar as claques (os GOA)?
2.ª Encontrar um quadro normativo bem diferente daquele que vigora e promover a adequação da realidade à disciplina desportiva, à adesão organizada, sem colidir com a auto-organização dos adeptos, com a sua auto-regulação, mesmo com a auto-disciplina.
Só então, mesmo só então, a hierarquia das responsabilidades será legitimada, começando pelos dirigentes, passando pelos Clubes e S.A.D.´s e, finalmente, pelo hetero-regulação da ACVD.
No entanto, para alcançar esses objectivos será necessário varrer o pó e a poeira que grassa nos decisores políticos e administrativos e, também, nos comentadores iluminados.
Desde logo e em primeiro lugar, é ostensivo que não é a admissível impôr a constituição de associações, seja por força da Constituição da República, seja por respeito pela protecção dos dados pessoais.
Parece, igualmente, apodíctico, que a previsão legal dos GOA (claques) não pode inserir-se no diploma sobre violência no desporto.
De facto, só mesmo um legislador vesgo é que cairá nessa solução absurda e anacrónica.
Os GOA destinam-se, prima facie, a exaltar o seu emblema, a dar brilho à festa do Desporto, e a colorir a competição (pois é de competição que estamos a tratar).
Isto significa que a previsão normativa que regula a constituição e actividade dos GOA terá de alcançar-se e formalizar-se em diploma legal autónomo, dirigido exclusivamente para tal objectivo e finalidade.
E, nesse diploma, deve consagrar-se a auto-regulação de cada GOA, a sua autodisciplina e a respectiva e consequente responsabilização.
Para se organizar não carecem de criar associações com personalidade jurídica (que, como se viu, seria inconstitucional) mas, tão só, agrupar-se em Comissões de Adeptos, cuja previsão legal se acha nos Art.ºs 199, 200, 201, e 201-A do Código Civil.
Essas Comissões de Adeptos reger-se-iam por estatutos e os actos ilícitos recairiam, em primeira linha, sobre os seus dirigentes e, naturalmente, sobre os autores materiais de actos contrários à ética desportiva e ao fair play.
È minha sensibilidade que deveria ser imposta a qualidade de sócio do Clube a todo o membro do GOA (da claque), como condição sine qua non para dele fazer parte.
E, finalmente, o registo do GOA recairia sobre o Clube ou sobre a S.A.D o que, sem mais indagações, justificaria a imposição legal da responsabilidade supletiva e objectiva emergente de condutas omissivas que lhe fossem assacáveis.
Naturalmente, a IPDJ (a ACVD) não perderiam a sua função reguladora, mas limitada à competência instrutória para municiar as instâncias com competências disciplinar, se a ela houvesse lugar.
Em suma:
1. Não misturemos legalmente claques com violência;
2. Respeitemos a Constituição da República e a Lei;
3. Responsabilizemos os membros das claques por actos ilícitos e que violem a ética desportiva e o fair play;
4. Consagremos os princípios da auto-regulação e da auto-organização;
5. Impunhamos a criação de Comissões de Adeptos de acordo com o Código Civil;
6. Responsabilizemos, em cascata, os dirigentes dos GOA e, só depois, supletivamente, os Clubes e as S.A.D.’s;
7. Registemos os GOA nos Clubes e nas S.A.D.´s;
8. Obriguemos os membros das claques a serem sócios dos Clubes.
Por esta via, desaparece a ilegalidade e o tiro ao alvo que nos tem envergonhado, ou seja, urge impedir a violência no desporto e responsabilizar quem deve ser responsabilizado: os autores materiais dos actos violentos."