"Marcou a história do jornalismo e a história da América. O caso, ocorrido nos anos 70, do século passado, ficou conhecido pelo nome de Watergate e teve na origem a investigação de dois jornalistas do Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein, que levou à demissão do presidente Nixon.
Para a época, tornou-se num caso emblemático, para todos os jornalistas que estavam a começar a profissão, como era o meu caso. Recordo-me de que, na altura, surgiram muitas discussões entre os jornalistas sobre a ética de receber informações de uma fonte que se protegia sob o nome de garganta funda, em inglês, deep throat. Havia quem considerasse que por detrás da informação e do informador poderiam haver interesses particulares e que tais interesses poderiam distorcer as provas, os factos, a realidade.
A história veio a dar razão aos jornalistas do Washington Post, que sempre procuraram cruzar as informações que recebiam e tratá-las com um critério profissional de interesse público.
Muitos anos se passaram. Os jornais mudaram muito e os jornalistas também. Porém, há questões que não mudam.
Recentemente, surgiu uma versão moderna do Watergate, no chamado Wikileaks, uma organização sediada na Suécia, liderada por um ciberativista, Julian Assange e que publica informações e documentos confidenciais particularmente sensíveis para empresas e governos.
E, agora, surge-nos, do mais fundo da escuridão do mundo informático, um novo garganta funda que nos traz um conjunto de informações reservadas e até confidenciais sobre o mundo dos nossos principais clubes de futebol.
Como a maior parte das notícias, não diria comprometedoras, mas, no mínimo, desconfortantes, recaem sobre um clube, em especial, o Sporting, surgiu de fonte leonina a apreciável suspeita de que o Football Leaks é, apenas, e só, um instrumento de ataque ao Sporting e ao seu presidente, através de uma acção ilegal de espionagem informática.
E de novo se coloca a questão: neste caso, que posição devem ter os jornais e os jornalistas? Fazer eco dessa acção ilícita, sem saber quem oferece a informação; dar força de divulgação pública de massas ao conhecimento que apenas poderia ficar num círculo restrito; divulgar essa informação, tomando-a, toda ela, por boa; e, por fim, não querer saber se essa informação tem, ou não, um objectivo determinado de ataque a uma entidade ou a uma pessoa?
Como o leitor certamente compreenderá, trata-se, de facto, de matéria muito sensível e que não é fácil de tratar numa versão de anos setenta, num mundo e num tempo em que a internet toma conta de toda a informação no momento em que a recebe e logo a coloca em todo o mundo.
Por outro lado, quem pretender cruzar toda essa informação terá de contar com um muro impenetrável de silêncios. Investigar profunda e minuciosamente cada caso, torna-o, assim, obsoleto e no momento em que se transmite essa informação, já muitas outras estarão na discussão pública, onde corre, sempre muito favorável, o vento do voyeurismo.
Pesadas todas as situações, A BOLA entendeu divulgar e continuar a divulgar os casos que são suscitados pela informação do chamado Football Leaks, procurando, na medida do possível, cruzar a informação que recebe e tratá-la com o necessário enquadramento e numa perspectiva meramente jornalística de interesse público. Tanto mais que as informações que têm vindo a público são peças importantes e esclarecedoras na parte mais opaca mundo do futebol.
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Vítor Serpa, in A Bola