"No dia 15 de Maio de 1968, Eusébio marcou à Juventus um dos golos mais fantásticos da sua carreira. Tempo de o recordar agora que a equipa de Turim perdeu mais uma final da Taça dos Campeões.
Chamam-lhe a Velha Senhora. O nome tem algo de sinistro, convenhamos. Uma imagem soturna, escura, bafienta.
Com a riqueza própria dos grandes de Itália.
A Juventus perdeu a final da Liga dos Campeões - a sua sétima final dos campeões perdida em nove presenças - e voltou às manchetes dos jornais. Cristiano Ronaldo, com dois golos, foi um pesadelo para os italianos. Um pesadelo português.
Já houvera outro. Há quase cinquenta anos.
Chamou-se Eusébio da Silva Ferreira.
Em 1968, a Juventus cruza-se com o Benfica nas meias-finais da Taça dos Campeões. Em Lisboa, no dia 9 de Maio, vitória por 2-0, golos de Torres e Eusébio.
Em Turim, no dia 15 de Maio, segunda mão. Eusébio marca um dos golos mais espantosos da sua carreira. Ao minuto 69 há um livre contra a Juventus. Muito, muito longe da baliza, quase no meio-campo. O resultado está ainda em 0-0. Eusébio conta: «Comecei a tomar balanço, muito balanço mesmo, e reparo que, no público, há pessoas a rir, incrédulas. Não acreditavam que eu fosse chutar de tão longe assim. Deviam julgar-me doido. Corri para a bola, chutei com toda a força e ela entrou como uma bala na baliza italiana, sem hipóteses para o guarda-redes. Tiveram de engolir a risota. Foi dos golos que mais gozo me deram marcar».
Favalli, jogador da Juventus, diria no fim do jogo: «Quem tem Eusébio, tem a vitória. Jogar contra uma equipa que tem Eusébio é um caso sério. O golo que marcou é um autêntico fenómeno!»
O Benfica apurava-se para a sua quinta final da Taça dos Campeões. Para Eusébio seria a última. E conta: «Contra a Juventus, joguei com um joelho bloqueado, andei todo o tempo no campo a arrastar a perna que não podia dobrar, e ainda fiz o golo da vitória com um pontapé de quarenta metros. Quando acabou o jogo, o joelho parecia um balão!»
É bom ler os mestres. É importante ler os mestres
Mário Zambujal, em Turim, nesse ano de 1968.
«O zero-zero começou a avultar como hipótese de desfecho. Mas havia lá um jogador de nome Eusébio. E houve um livre, aí a uns vinte e cinco, trinta metros da baliza de Anzolin. Os italianos fizeram barreira, mas nem eles nem o keeper puderam fazer mais do que olhar, desoladamente, a bola dentro da baliza».
Roberto Anzolin, guarda-redes, nove épocas de Juventus: «Não me considero culpado no golo. Nem eu nem os meus companheiros que fizeram a barreira. Não houve culpados. Apenas o mérito de Eusébio».
O estádio emudeceu.
Eusébio era, também, rei de Turim.
«O Benfica atinge a sua quinta final da Taça dos Campeões nos últimos oito anos», ia escrevendo Mário Zambujal. «E já um marco de glória, que se consumou nesta jornada de Turim, mas cremos que está ao alcance da formação rubra uma glória maior».
Não esteve
Derrota em Wembley, na final, frente ao Manchester United, 1-4 após prolongamento. Com Eusébio a falhar, no minuto 89, um lance isolado frente a Stephney.
O joelho. O maldito joelho. Inchado. Doloroso.
Voltemos a Turim, por mais umas linhas: «Eusébio estava proibido de rematar. Bergellino, sempre, a Sacco, muitas vezes, perseguiam-no e travavam-no impiedosamente logo que o e extraordinário rematador se propunha mostrar a força do seu disparo. Acabaria por chegar o tal livre, e Eusébio, que foi, acima de tudo, um formidável jogador de equipa, fez, uma vez mais, o resultado de um jogo...»
Em Wembley, a perseguição voltaria a ser impiedosa.
Nobby Stiles, que já na meia-final do Campeonato do Mundo de 1966 o tratara miseravelmente, voltou a caçar Eusébio às patadas pelo campo todo.
Dessa vez, no entanto, não houve um livre.
Nem mesmo a trinta ou quarenta metros, essa distância impossível para quem não é Eusébio.
Por isso só houve um Eusébio da Silva Ferreira.
Ficou para sempre na memória da Velha Senhora."
Afonso de Melo, in O Benfica