"Não tem o talento de Félix ou a explosão de Renato Sanches.Tem mais do que isso!
Numa observação rápida, o que distingue João Neves de todos os outros jogadores do Benfica? Claramente, a energia, a presença de espírito, como diria o meu querido pai, a alma contagiante, a resistência e disponibilidade física e a determinação com que compete. Tem ainda uma especial ligação ao clube que defende desde pequeno e reflete essa paixão numa plateia de adeptos que o segue religiosamente.
Em qualquer clube, é normal que os jogadores da casa sejam especialmente admirados pelos adeptos. Mas o que João Neves representa hoje para os adeptos do Benfica talvez seja apenas comparável, obviamente nos tempos mais recentes, com o que também viveram na Luz joias como João Félix ou Renato Sanches.
Em termos de estilo e do que dá ao jogo, no momento de se analisar o futebolista João Neves, há os que o comparam a João Moutinho e outros a Renato Sanches e à igualmente vibrante energia que o médio, hoje na Roma, começou logo por revelar assim que atingiu o onze principal dos encarnados.
Tal como Renato, e tal como também João Félix, ou mesmo António Silva, por exemplo, para citar casos recentes de grande impacto na equipa das águias, também João Neves teve, enfim, o privilégio de ser campeão nacional na primeira época em que vestiu a camisola da primeira equipa, e esse é um privilégio que qualquer miúdo de 19 anos não esperaria nem nos melhores sonhos.
Volto, porém, às nem sempre justas comparações (mas sempre com o bem intencionado propósito de dar mais cor ao debate sobre o excecional médio benfiquista), para acrescentar que, a mim, mais até do que João Moutinho, quem João Neves me faz lembrar é a pedalada, a rotação, o andamento, a generosidade, determinação e solidariedade de Maniche, médio igualmente formado no Benfica, que chegou a afirmar-se na equipa principal da Luz pela mão de José Mourinho e que pela mão de José Mourinho indiscutivelmente se tornou num dos grande médios do futebol europeu, primeiro num FC Porto que venceu tudo em Portugal e na Europa, depois na Seleção e no palco do futebol internacional, alinhando pelo Chelsea, Atl. Madrid ou Inter de Milão…
Não está João Neves ainda a esse nível, naturalmente, porque esse nível não se consegue num ou dois anos, mas em quatro ou cinco, mas mostra João Neves capacidade, expressão futebolística, sentido coletivo do jogo e inesgotável energia (como cansa vê-lo jogar!) para vir a tornar-se num dos maiores fenómenos entre as jovens revelações do futebol europeu, precisamente pela rara forma como assume o seu lugar numa equipa, pela impressionante condição física e capacidade atlética, pelo espírito com que ajuda todos os companheiros ou enfrenta qualquer adversário, lutando pela bola no chão ou no ar, tenha, ou não, o adversário mais 15 ou 20 centímetros de altura ou seja mais corpulento e mais forte do que ele.
O que mais distingue também João Neves logo às primeiras impressões? O modo de estar, o sorriso, a empatia que cria em quem o vê. Sublinho o que aqui já deixei escrito: não é só pelo que joga, pelo modo como luta, pelo notável e raro espírito com que se entrega ao jogo e à equipa que João Neves faz bem ao futebol; ele fez bem ao futebol muito pelo modo como está nesta sua vida desportiva e profissional, pelo sorriso, pela ética, pela correção em campo, pelo respeito ao jogo, aos companheiros e aos adversários, até pelo detalhe (simples e, porventura, sem importância) com que veste o equipamento, sempre com a camisola por dentro dos calções, um bocadinho à moda antiga, como se, transportado por uma qualquer máquina do tempo, João Neves fosse um jovem trazido das distantes décadas de 40 ou 50, quando o benfiquista e notável Rogério Lantres de Carvalho (para dar exemplo de um dos grandes campeões pelas águias) parecia não entrar em campo sem estar devidamente penteado e aprumadamente equipado, ao ponto de os admiradores lhe acrescentarem precisamente o apropriado nome de… Pipi!
Honra seja feita ao treinador alemão Roger Schmidt, reconhecidamente o responsável pela ascensão de João Neves e, sobretudo, pela perceção ou intuição sobre a capacidade de um jovem jogador que, até merecer a oportunidade que amplamente mereceu de ser titular das águias, pela primeira vez, em abril do último campeonato, num jogo com o Estoril, ainda não tinha tido a oportunidade de mostrar verdadeiramente sinais de poder vir a tornar-se o fenómeno que hoje já ninguém se atreve a pôr em dúvida. Mas, pelos vistos, muito antes de chegar aquele primeiro jogo a titular, já Roger Schmidt parecia ter a convicta intuição de estar diante de um jovem verdadeiramente diferenciado. «É uma feliz mistura de alegria, confiança e qualidade», assim o definiu o treinador do Benfica.
Pessoas muito responsáveis nas águias desabafavam, aliás, ainda em dezembro de 2022 (já com o caso Enzo Fernández em efervescência…) que Roger Schmidt se apaixonara por um miúdo da formação das águias que mantinha, sem qualquer hesitação, a treinar-se com a equipa principal, impressionado, sobretudo, com o andamento e rotação do jovem jogador, que Schmidt costumava já definir, por curiosos gestos com as mãos, como um jogador que pisava todos os espaços do campo. E pisa, realmente!
João Neves impressiona ainda pela maturidade com que vive cada desafio, cada jogada, cada jogo por mais dimensionado e impactante que seja, sob o olhar e o entusiasmo por vezes frenético, para o bem e para o mal, de mais de 60 mil pessoas como as que testemunharam, na Luz, domingo passado, o último, escaldante, dramático e épico dérbi com o mais histórico dos rivais dos encarnados.
Não é, aliás, muito vulgar, devo lembrar, que o homem que hoje conduz a Seleção Nacional, o espanhol Roberto Martínez, não tenha sentido a mínima reserva em dirigir, numa entrevista recente a um meio de comunicação espanhol, surpreendentes elogios a João Neves, pelas observações feitas ao jogador, mas sobretudo após conviver com o jovem a meia dúzia de dias do primeiro estágio em que Roberto Martínez o integrou.
Se o selecionador o fez, o mais certo é João Neves ser, na verdade, o miúdo especial que a todos nos parece. Simpático e empático, simples, naturalmente cativante e amável, gentil e ao mesmo tempo arrebatador, predisposto a contribuir, acrescentar, ambientar e participar, e devemos-lhe, todos, o reconhecimento, obviamente não por ter sido a estrela desse último dérbi, mas pelo bem que faz, na realidade, ao futebol e pelo jogador apaixonante, vibrante, impressionante e admirável que é, no que de mais sério, íntegro e entusiasmante se exige, ao mais alto nível, de um jogador de futebol.
Pode não jogar sempre bem — e bem sabemos como nenhum jogador jogará, seguramente, sempre bem —, mas deve dar sempre tudo o que tem. Como João, o maravilhoso jovem das Neves!..."