"No dia 30 de Junho de 1935, no Lumiar, frente ao Sporting, o Benfica conquistava o seu terceiro Campeonato de Portugal (ou a terceira das suas 28 Taças de Portugal, como preferirem). Um triunfo nítido, absoluto e indiscutível, escreveu Tavares da Silva.
Concluímos esta série de artigos sobre o Campeonato de Portugal com a história da terceira e última vitória do Benfica na prova (ou terceira das 28 Taças de Portugal conquistadas, se preferirem).
Para isso, recuamos até 1935. Ou adiantamos, vendo bem, já que nas últimas semanas tínhamos estado em 1939 e 1931.
Seja como for. É de um Benfica-Sporting que se trata e toda a gente sabe que um Benfica-Sporting tem o saborzinho especial dos grandes «derbies».
Em 30 de Junho de 1935, portanto, Benfica e Sporting defrontam-se no estádio do Lumiar, também conhecido por Stadium de Lisboa, e que viria a ser definitivamente arrendado pelo Sporting a partir de 1937.
Foi a primeira final do Campeonato de Portugal entre os dois gigantes de Lisboa - não seria a única, porque em 1937/38, a derradeira com esta designação, o Sporting venceu o Benfica por 3-1 - e a terceira presença benfiquista no jogo decisivo (o Sporting já vencera a Académica - 3-0, em 1922/23 - e o Barreirense 4-3, em 1933/34; perdendo para o FC Porto - 1-3, em 1921/22 - novamente FC Porto - 1-2, em 1924/25 - Carcavelinhos, 1-3 em 1927/28 - e Belenenses - 1-3, em 1932/33).
Se os 'leões' pareciam especializar-se em finais perdidas (3 em 5), o Benfica ia em duas finais e duas vitórias. Não faltaria a terceira.
Menos participantes do que nas cinco épocas anteriores e, assim sendo, menos uma eliminatória.
Nos oitavos-de-final coube ao Benfica defrontar o Boavista e a coisa foi fácil: 8-3 e 6-2. Por seu lado, o Sporting defrontou o Leixões e após derrota em Matosinhos por 1-2, vitória em Lisboa por 4-1.
Avancemos para os quartos-de-final. Vida agradável para os sportinguistas no confronto contra o, à época, frágil Nacional da Madeira - 7-2 e 9-3. Fava para os 'encarnados' face ao Belenenses: ainda assim, mais duas vitórias 1-0 e 2-1.
Meias-finais: Benfica-Carcavelinhos (vencedor em 1927/28, que em 1942 se uniria ao União Football Lisboa para dar origem ao Atlético) - 4-2 em casa, e derrota por 2-3 em Alcântara. Final garantida.
O Sporting repetia a final do ano anterior (e procurava o segundo troféu consecutivo, algo que só o Benfica conseguiu) à custa do FC Porto e com clareza: 4-0 em Lisboa; 0-0 no Porto.
O «derby» estava marcado para felicidade do povo: 30 de Junho.
Os «capitães» e o general
Há que dizer que as famosas 12 Voltas à Gafa, prova ciclística disputada na zona do Bombarral, com a presença de clubes como Sporting, Benfica, FC Porto, Belenenses, Carcavelinhos, Campo d'Ourique, Rio de Janeiro ou Bombarralense, excitava tanto o povo como a final do Campeonato de Portugal. Ainda por cima com o acicate dos enormes confrontos entre Nicolau e Trindade. Nesse ano, houve surpresa, venceu César Luiz (do Velo Clube «Os Leões»). José Maria Nicolau, com um furo e uma queda à 10.ª Volta, desistiu. Alfredo Trindade foi terceiro atrás ainda de Joaquim Fernandes.
Há festa na aldeia mas também na cidade.
Leia-se a imprensa da época. Pela pena do grande Tavares da Silva. «Pode dizer-se que o dia de hoje foi um dia grande do 'foot-ball' português. Benfica e Sporting pela primeira vez na final do Campeonato de Portugal constitui, na verdade, um momento de sensação. Ao meio-dia, logo que as portas do estádio do Lumiar abriram, apareceram os primeiros assistentes munidos dos respectivos lanches e, como é natural, escolheram os melhores lugares dos peões (...) É o jogo oficial que deve atingir a mais alta receita até hoje realizada entre nós, deixando a perder o Sporting-Belenenses de há dois anos que detinha o 'record'.
Para o público este desafio tem um interesse idêntico a um Portugal-Espanha».
Lá está: era festa!
O Presidente da República, general Óscar Carmona, está presente e faz questão que ambos os «capitães» de equipa, Gustavo Teixeira do Benfica e Rui de Araújo do Sporting, subam ao seu camarote para um cumprimento especial antes de a contenda ter início.
O árbitro é António Carvalho. O Benfica joga melhor, mas o Sporting bate-se galhardamente.
BENFICA: Augusto Amaro; Gatinho, Gustavo Teixeira; Albino, Lucas, Gaspar Pinto; Cardoso, Luís Xavier, Carlos Torres, Rogério Sousa, Valadas.
SPORTING: Dyson; Correia, Faustino; João Jurado, Rui Araújo, Joaquim Serrano; Mourão, Vasco Nunes, Soeiro, Ferdinando, Lopes.
«O jogo do Sporting é feito mais aos repelões, estabelecendo no entanto enorme pânico sempre que a bola chega à grande-área vermelha. Infere-se portanto que o Benfica está actuando com mais ligação mas que a 'maneira' do Sporting tem sido mais perigosa».
Aos 40 minutos - golo do Sporting! Remate de Vasco Nunes, Augusto Amaro lança-se com decisão, mas Soeiro faz a recarga.
Não dura muito a vantagem. Aos 45 minutos - golo do Benfica! Remate de Lucas a meia altura.
Logo no início do segundo tempo, aos 50 minutos, Artur Dyson, que ganhara dois campeonatos de Portugal ao serviço do Benfica, sai desastradamente a uma bola atrasada por Serrano. Valadas é mais rápido e dá vantagem às águias.
A partir daí a vitória está garantida. Nada parece escurecer o seu brilho.
Tavares da Silva que o diga.
«Pela forma por que decorreu este encontro, a vitória não podia ser doutro 'team' senão do Benfica que reproduziu na segunda parte o brilhantismo de jogo do primeiro.
Se contássemos as avançadas de um e de outro lado, as ocasiões de 'goal' frente às duas redes, o domínio exercido pelas duas 'équipes', facilmente chegaríamos à conclusão de que o Benfica foi superior ao Sporting.
Vê-se que o vermelhos se submeteram a um treino cuidadoso e se apresentaram no estádio do Lumiar em forma.
(...) Honra, pois, ao 'team' do Sport Lisboa e Benfica, que soube aproveitar as suas qualidades para alcançar o triunfo - e triunfo nítido, absoluto, indiscutível, triunfo que merecia mesmo mais do que um 'goal' de diferença».
Palavras sábias de um mestre do jornalismo.
O Benfica conquistava frente ao grande rival o seu terceiro Campeonato de Portugal, último com essa designação. A partir de 1938/39 passou a prova designar-se Taça de Portugal. E seguiram-se então mais 25 vitórias. 28 no total, para que não caia absurdamente no esquecimento."
Afonso de Melo, in O Benfica