"No FC Porto-Benfica da semana passada atuaram apenas três jogadores portugueses e no dia seguinte o Sporting apresentou mais dois frente ao Vitória. Cinco portugueses entre 42 utilizados pelos três clubes principais – uma realidade que provoca reações demagógicas, em particular ao núcleo de juristas da bola que ao longo de anos foram criando as condições regulamentares para esta descaracterização.
Enquanto o núcleo duro da Seleção Nacional se deslocava dos clubes principais do país para o “eixo Mourinho” (primeiro o Chelsea, agora o Real Madrid), foram chegando jogadores cada vez melhores a Portugal, internacionais de vários países, incluindo as potências sul-americanas. Deste movimento, aproveitador de alguns negócios de oportunidade e de um “scouting” bem entrosado com os interesses dos principais mercadores internacionais, resultou um real desenvolvimento desportivo, refletido nos bons resultados nas provas europeias dos últimos anos.
O futebol português apresenta, assim, duas faces no panorama internacional e ambas dignas de orgulho. Uma Seleção excecional, que resistiu pela qualidade aos maus tratos de que foi vítima durante dois anos nas mãos do catedrático Queiroz, e clubes competitivos e reveladores de jogadores fantásticos, como Falcão ou Di María.
Esta fase coincide com o interesse mediático, que vem abrangendo novos conteúdos nas plataformas globais, levando agora os jogos de maior cartaz a mercados tão distantes como o asiático, mas tão importantes como o espanhol. Ao longo de décadas, nunca o campeonato português conseguiu interessar aos adeptos de outros países, mas esse panorama está mudando, precisamente em consequência da internacionalização dos clubes principais.
O último FC Porto-Benfica, por ter sido disputado numa sexta-feira, desdobrou-se em dezenas de horas de televisão e suscitou discussões em todos os continentes, sobretudo pela qualidade do jogo e, numa escala mais anedótica, também pelas fantochadas sul-americanas. Tem muita graça e é didático comparar como outros observam as “polémicas” draconianas – meros “faits divers” em função do êxito que o jogo alcançou e do prestígio que aduziu ao campeonato português.
Dias depois, corre mundo proclamando o final feliz, a dramática e cómica cena dos maqueiros de Olhão, que perderam, pelo caminho, um jogador inanimado por não terem tomado as precauções de socorro obrigatórias, como se neste país nem aquilo que parece correr mal chega, de facto, a correr mal. Numa Liga bem organizada, nunca um jogador cairia de uma maca, mas o que conta é o resultado: acabou tudo bem.
Este sucesso internacional é tipicamente português: ninguém planeou, ninguém executou, ninguém retificou, mas está a acontecer. A Liga portuguesa, minada pelo tráfico de influências, pelo improviso e pela iminente falência técnica, é considerada a melhor depois das “majors” do futebol europeu, como retrato fiel de um país que sobrevive e acha que tem futuro, numa conjuntura de bancarrota. Milagre!"
João Querido Manha, in Record