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terça-feira, 10 de janeiro de 2017

A fada invisível da floresta amarela

"Trinta de oito remates e apenas dois golos! Na Luz, o Benfica desperdiçou uma goleada histórica frente ao Borussia de Dortmund. Os alemães mostravam-se felizes «Perder com uma equipa tão poderosa por este resultado é motivo de orgulho!»

«A sorte grande saiu aos alemães!», gritava a manchete de um jornal português. Outro assinalava: «O Benfica 'explodiu' como nos seus grandes dias, impressionando fortemente, mas dos seus 38 remates executados só dois redundaram em golo e cinco esbarraram, com estrondo, nas balizas».
Estávamos no dia 7 de Novembro de 1963. Na véspera, o Benfica recebera o Borussia de Dortmund, na Luz, para os oitavos-de-final da Taça dos Campeões. Pois... às vezes a história repete-se...
Vamos lendo o que se escreveu. Vale a pena!
«Indomáveis! Com extraordinária determinação, vibrantes de entusiasmo e ardentes no idealismo mais acrisolado, autenticamente de dentes cerrados, os homens das camisolas rubras, como dominadores absolutos, proporcionaram-nos ontem uma jornada de elevado coeficiente emocional ao conquistarem um brilhante triunfo que, por direito próprio, pode enfileirar sem desdouro nos feitos mais gloriosos do clube, sobretudo nas campanhas internacionais da sua equipa de futebol».
E mais: «Imbuídos da 'mentalização europeia', que os tornou distintos no futebol português, os benfiquistas deram uma admirável lição de brio e de querer ao produzirem lances em torrentes que só não derrotaram impiedosamente, logo nos primeiros minutos, os combativos alemães, porque a sorte se recusou, com invulgar teimosia, em colaborar, fazendo em contrapartida um pacto secreto com os jogadores visitantes, sobretudo com o guarda-redes Tilkowski que, para além de ser um magnífico valor, deve ter tido, junto de si, uma fada invisível».
Para que ninguém acuse o autor destas linhas de exagerado patriotismo, reparemos o que afirmou, no final da partida, o treinador dos alemães, Eppenhof: «Um clube como o Borussia só sai prestigiado por ter perdido por 1-2, com o Benfica. É certo que a sorte os bafejou, mas esta faz parte de todos os jogos. E na primeira parte salvou-nos da derrota catastrófica».
Dificilmente podia ser mais claro. E objectivo. Bem à alemã, portanto.
Vertigem!
A exibição do Benfica, nessa noite, foi demolidora. Trinta e oito remates, mas apenas dois golos. Teria um custo dolorosíssimo na segunda mão, em Dortmund. As equipas jogaram assim, na Luz:
BENFICA - Costa Pereira; Cavém e Cruz; Coluna, Luciano e Raul; José Augusto, Santana, Eusébio, Serafim e Simões.
BORUSSIA DORTMUND - Tilkowski; Burgsmuller e Redder; Kurrat, Geisler e Sturm; Wosab, Schmidt, Brungs, Konietzka e Emmeirich.
Os golos surgiram só na segunda parte. O primeiro por Simões, logo aos oito segundos; o empate por Wosab, aos oito minutos; a vitória definitiva por Eusébio aos 13 minutos.
Os alemães reconheciam, todos eles, a tremenda superioridade do Benfica. O director-técnico do Borussia, Egog Petrus, declarava: «O Benfica é uma das melhores equipas que tenho visto. Apenas o jogo, por ser jogo, não deixou o resultado expressar-se. No entanto, os meus jogadores bateram-se pelo melhor resultado possível e conseguiram-no. Este resultado aqui obtido, perante tão poderosa equipa, é um motivo de orgulho para mim e para eles».
Voltemos ao jogo, e ao que em Portugal se escreveu sobre ele: «O confronto entre o que ocorreu em cada uma das partes indica que, na primeira parte, o Benfica podia ter vencido por 4-0 ou 5-0 e que, na segunda, o 2-1 se aceita como certo. (...) No primeiro tempo, o Benfica patenteou, além de febricitante ansiedade, um padrão técnico de excelente recorte, surpreendendo pelo número de remates logrados no meio da 'floresta amarela' onde o guarda-redes era árvore gigantesca». Cinco bolas nos postes do Borussia condenaram, todavia, os encarnados a uma vitória escassa para a segunda mão, em Dortmund, onde Eusébio e Coluna ficariam fora por lesão. Eusébio, que além do golo decisivo atirara dois remates impressionantes aos postes de Tilkowski. Lajos Czeizler, treinador do Benfica, lamentava-se: «Devíamos ter ganho por 4 ou 5-1. O azar perseguiu a minha equipa. Com uma defesa tão cerrada como esta, foi um milagre criarmos tantas oportunidades de golo. A trave e as defesas de recurso privaram-nos da justa vitória».
A azar perseguiria o Benfica na Alemanha. E sujeitaria os encarnados à sua maior derrota nas competições europeias até então. Perdidos num campo de neve, foram batidos por 0-5. Tantos e tantos golos desperdiçados na Luz..."

Afonso de Melo, in O Benfica

Deslocações de luxo

"Depois de cinquenta anos a percorrer o país em transportes públicos, o sonho do autocarro próprio realizou-se.

Nos primeiros cinquenta anos de actividade do Sport Lisboa e Benfica, era a pé, de eléctrico, ou noutros transportes públicos que os jogadores se deslocavam para os desafios fora. Por vezes, consoante o local onde se iria realizar o jogo, era necessário recorrer ao aluguer de veículos ou à boa vontade de alguns sócios que colocavam os seus automóveis particulares à disposição do Clube. Mas, no ano da comemoração das Bodas de Ouro, o sonho concretizou-se: o Benfica adquiriu 'um excelente e moderníssimo autocarro para transporte dos seus atletas'.
Idealizado e mandado construir por Igrejas Caeiro para o grupo cénico itinerante 'Os Companheiros de Alegria', que dirigia, o autocarro foi vendido ao Benfica depois do grupo ter sido 'proibido por Salazar de prosseguir a sua actividade'. Concebido propositadamente para deslocações longas, era 'dotado de todos os requisitos modernos, como ar condicionado, aquecimento, chuveiro, lavabos, cozinha, arrecadação, etc...'.
Já devidamente 'decorado «à Benfica»', realizou a sua primeira viagem no dia da inauguração do Estádio da Luz, a 1 de Dezembro de 1954, transportando os futebolistas do Lar do Jogador para o Estádio. Ao volante, o antigo jogador João Correia - ou 'Cabo de Faca' como era mais conhecido -, que confessou ao Mundo Desportivo: 'Até parece que voltei à equipa!... Isto também é uma maneira de jogar...'.
O autocarro Samua, matricula FB-19-81, serviu o Clube durante aproximadamente 9 anos, até ser substituído por um Scania Vabis em Maio de 1963. Durante esse período, esteve presente em grandes momentos da história do Benfica. Foi ele que, inúmeras vezes, transportou os atletas até à secretaria do Jardim do Regedor, onde, depois de conquistas e digressões, a massa associativa os esperava em festa. E foi da sua janela que José Águas exibiu a Taça dos Clubes Campeões Europeus aos milhares de benfiquistas que, no Aeroporto de Lisboa, foram receber e vitoriar a equipa.
Roland Oliveira fotografou-o à saída do aeroporto, a 14 de Agosto de 1957, após o regresso da comitiva 'encarnada' de uma digressão ao Brasil e à América do Norte. Esta e outras fotografias podem ser vistas na exposição Roland Oliveira, em exibição na Rua Jardim do Regedor em Lisboa."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

O que é que o Benfica tem?

"Esta crónica começa como o velho samba de Carmen Miranda: “o que é que a baiana tem”? No caso do Benfica é mais o que é que o Benfica teve e, sobretudo, não teve. Não teve Jonas durante praticamente toda a primeira volta do campeonato. Nas primeiras jornadas deste e da Liga dos Campeões chegou a jogar sem nenhum avançado de raiz, fruto das lesões de Mitroglou, Jimenez e Jovic, obrigando a inventar uma linha dianteira com Gonçalo Guedes e o ainda mais novo José Gomes.
Mesmo neste regime de “hospital da Luz” a equipa resistiu ao embate. Começou por não se atrasar significativamente no campeonato (tirando o empate cedido em casa com o Setúbal à segunda jornada), recuperando a liderança à 5ª jornada, ao vencer o Braga. Daí em diante nunca mais a perdeu, empatando fora com o Porto e ganhando ao Sporting em casa. Conseguiu qualificar-se para os oitavos da “Champions” e manter-se nas restantes provas nacionais, ou seja na Taça da Liga e na Taça de Portugal.
Isto sem a dupla Jonas-Mitroglou que na época passada fora a chave do sucesso da equipa, com mais de metade dos golos marcados. E isso reflecte-se numa coisa curiosa: no campeonato nacional tendo de longe o Benfica o melhor ataque (e já agora, a segunda melhor defesa, o que está longe de ser despiciendo), ou seja 34 marcados e 8 sofridos, isso é conseguido à custa de uma grande dispersão de marcadores (Mitroglou, Pizzi, Gonçalo Guedes, Salvio, Cervi, etc, sem esquecer esse defesa goleador que é Lisando Lopez). Daqui resulta que, neste momento, o Bota de Ouro provisório seja Bas Dost, do Sporting mas repare-se que o grau de dependência do holandês é grande: 11 golos em 27.
Como se explica que, mesmo privado de um jogador-chave, o Benfica tenha tido este desempenho? Nalguns casos com sorte, como no jogo com o Braga, onde a vitória por 3-1 é enganadora. Ou em Chaves, onde na mesma jogada os flavienses mandaram duas bolas à madeira. Noutros, com tremendo espírito de sacrifício, como no Dragão (onde o empate foi arrancado a ferros depois de um jogo dominado pelo adversário) ou entre os minutos 60 e 80 do jogo com o Sporting. Noutros, ainda, com brilhantismo e nota artística, caso do Belenenses-Benfica ou do Benfica-Paços de Ferreira. E, no único caso de que me lembro, jogando sofrivelmente e vencendo pela margem mínima, como em casa do Estoril. Pior só no jogo com o Marítimo, verdadeira ilustração da Lei de Murphy: tudo o que podia ter corrido mal correu ainda pior…
A isto chama-se consistência. Era aquilo que Niki Lauda fazia na Fórmula 1, rodando voltas sucessivas exactamente na mesma décima de segundo, a que sabia ser necessária e suficiente para vencer mas sem degradar a mecânica nem correr riscos insensatos. É o resultado de uma táctica e de um sistema de jogo (mérito de Rui Vitória). Mas também de alguns interpretes geniais: Ederson com um punhado de defesas do outro mundo; Lindelöf, o verdadeiro homem de gelo que nunca treme na defesa; Fejsa, frequentemente comparado a um polvo, tal a quantidade de terreno que consegue ocupar; Pizzi que às vezes me irrita por ser macio nos choques mas que compensa com lances de génio; Jimenez que nem sempre acerta mas marca golos decisivos. Sem esquecer a capacidade atacante dos dois laterais (Grimaldo e Semedo), o incrível poder de explosão de Guedes e de Rafa (que se acertassem mais vezes na baliza seriam jogadores de outro planeta), as fintas de Salvio ou a alma de Luisão.
Foi isto que o Benfica teve. E agora passou a ter Jonas e, mais que isso, a dupla Jonas-Mitroglou. Com estes dois em campo o futebol deixa de ser uma espécie de ciência oculta para se tornar na coisa mais simples e bonita do mundo: meter golos. Em tempos idos, boa parte da hegemonia do Porto resultava da jogada mais simples que há: Drulovic ia à linha, centrava alto para a área e Jardel que parecia estar escondido no meio dos centrais, voava por cima destes e marcava. Era simples, bonito e eficaz. Tanto que até dá vontade de fazer de conta que o guarda Abel nunca existiu, que nunca houve “fruta” para os árbitros nem jagunços a invadir a delegação do Expresso na cidade do Porto. Ou que Olegário Benquerença nunca fez uma leitura criativa da geometria euclidiana no famoso golo invalidado a Petit.
Cardozo marcava e muito. Mas era quase sempre em força e às vezes no limite do sacrifício físico. Jonas é um felino que se move com leveza na área adversária, parece adivinhar onde vai cair a bola antes de esta ser chutada, desmarca os outros e, no momento da verdade, raramente perdoa.
O Benfica foi campeão de Natal, vai ser campeão de inverno e tem tudo para chegar a um inédito tetra. Os dirigentes e adeptos dos clubes rivais que nos últimos dias se desdobraram numa campanha frenética contra os árbitros, sem prejuízo de poderem ter razão na interpretação de um ou outro lance deveriam meditar no seguinte: cinco minutos antes do tão falado penalti, o Sporting tem em Setúbal dois lances de golo cantado e não foi por causa do árbitro que não os marcou; o FCP tem pleníssimo direito de questionar pelo menos uma das expulsões em Moreira de Cónegos mas no campeonato empatou quatro vezes a zero e no conjunto das provas desta época fê-lo por nove vezes.
O que é que o Benfica tem? Joga à bola…"

O Benfica ao raio X

"A I Liga explicada a menores de seis anos

Para lá da estridência dos apitos, que não é um problema imaginário como de repente parece, seria saudável que FC Porto e Sporting atentassem nas outras diferenças que os separam do Benfica. A mais evidente esteve a marinar durante uns meses, enquanto Jonas combatia a bactéria no tornozelo direito, mas voltou ontem ao campeonato, como uma bofetada nos concorrentes: no Benfica jogam dois pontas de lança (mais Jiménez) que marcam 60 golos por época e que têm essa média bem atestada por uma longa folha de serviços.
Não é de ontem: é de muito antes da chegada deles a Portugal. No Dragão e em Alvalade, existe metade disso, quanto muito. Os jogos decidem-se com golos e a via directa para os golos são os goleadores. Mas só contam os goleadores?
Claro que não. Até esses descomplicadores do golo podem aborrecer-se, avariar-se ou apanhar bactérias. Para essas ocasiões, os treinadores preparam, por exemplo, cantos e livres, as bolas paradas que até já empataram um clássico nesta época (FC Porto-Benfica) e que, há dois anos, rebocaram o último título de Jorge Jesus. Qual é a melhor equipa da I Liga nas bolas paradas? Pois, o Benfica de Rui Vitória, um especialista bem conhecido. Excluindo penáltis, já chegaram nove golos por essa porta, contra seis do Sporting e apenas cinco do FC Porto. Cinco golos de bola parada marcaram Paços de Ferreira e Marítimo*; Boavista (7) e V. Setúbal (6) até marcaram mais, em princípio sem beneficiarem do mesmo número de cantos e livres que os ataques das equipas grandes costumam produzir. Portanto, cinco golos é um fraco resultado naquela que até tem de ser a escapatória evidente para quem tem má relação com o golo.
Também podíamos falar dos médios e comparar as conversões do maestro Óliver (1) com os de Pizzi (5), mas o ponto é este: não é preciso chamar um prémio Nobel da física para perceber a I Liga."


PS: Quando até um avençado Corrupto, anti-Benfiquista primário (director d'O Nojo), consegue detectar algumas qualidades no Benfica... é porque as coisas, estão mesmo más, para os lados dos Frutados!!!

Benfiquismo (CCCXLIII)

Nocturna...